domingo, 24 de novembro de 2013

ELZA MARIA E SUAS TERNURAS MUSICAIS


Luis Turiba

O nome do produto  cabe na medida do seu conteúdo:  "Dança de Ternuras".
Nesse seu novo CD, a cantora Elza Maria nos oferta suas canções de ternuras e finuras até nos enibriar. São onze as músicas: xotes, sambas, bossas, lindos fados. Entre tantas, escolhi uma: "Eu vi o mar", uma bela letra de Luis Alfredo Millecco que sintetiza tudo com o verso zen – "areia ser/ talvez...."

Sua brasileiríssima e moderna sonoridade retrata o clima de gravação desta canção e todo o disco. Amor&Alegria. Há um jazz-brasileiro em sua levada e uma doce felicidade no ar, em cada timbre e, especial, na voz de Elza algo que nos lembra, lá no fundo, Elis. É uma canção alegre, malandra. Ah... quem vê o sol vê a luz, e quem luz vê está iluminado. Esta é a canção-chave do CD, nem a mais dançante nem a mais triste.

Há cantoras que correm atrás do sucesso. Outras querem o simples que é complexo: o encontro com a pura música. Elza Maria está no segundo grupo. Ainda bem.
Ao gravar seu primeiro disco, o LP "Entra na Rosa", em 1983, foi classificada pela crítica como cantora "eclética"; ou seja: ela não seguia o modelo estabelecido para as jovens cantoras daquela época. Nas rodinhas de amigos, cantava Lupicínio Rodrigues e fados da Amália Rodrigues para compensar os Chicos, os Miltons, os Caetanos e Gils.
Sua voz traz a nostalgia do mar e do terreiro, o jeito folclórico das lusas lendas e o traço marcado dos azulejos. No entanto, seu canto aponta também para a sensualidade nativa e para os acontecimentos contemporâneos. É dentro deste ambiente musical que a acompanha há 30 anos.

Agora, ao lançar o seu CD "Dança de Ternuras", teremos a oportunidade de ouvir seus sambas, valsas e fados, tudo com aquele balanço de jazz-dancing, repertório repleto de referências: de Ataulfo Alves a Jards Macalé; de Clara Nunes a César Camargo Mariano; de Amália Rodrigues a Geraldo Azevedo, seu grande convidado para essa viagem musical.
"Dança de Ternuras" surge para fazer a ponte com "Entra na Rosa". Diferente sim, mas na mesmo toada.


sábado, 23 de novembro de 2013

Fwd: Orlando Senna A dança dos milhões

A dança dos milhões


Orlando Senna


Na minha postagem anterior falei sobre o bom desempenho mercadológico do cinema brasileiro em 2013. Sem dúvida os números são expressivos, mas poderiam ser bem melhores se o maior produtor cinematográfico (e audiovisual) da América Latina conseguisse superar dois entraves ao desenvolvimento plenamente satisfatório dessa indústria. Embora a ocupação, este ano, de 18% das salas brasileiras de cinema por filmes nacionais deva ser comemorada, a meta sonhada pelos últimos governos do país (Fernando Henrique, Lula, Dilma) é uma ocupação entre 40% e 50%.

Os entraves mais danosos são a burocracia, enfermidade que atinge toda a máquina estatal (além de ser conduto para a corrupção), e o custo da produção de filmes. Os orçamentos brasileiros são duas vezes maiores, em cálculo otimista, que os argentinos, chilenos e colombianos. São de três a quatro vezes maiores que os orçamentos praticados nos outros países sul-americanos e na América Central. A Espanha faz filmes bem mais baratos que o Brasil. Alguns filmes independentes dos EUA são mais baratos que filmes independentes brasileiros (entenda-se por independente realizações sem vínculos com grandes distribuidoras e/ou corporações midiáticas).

Os produtores culpam o alto custo de serviços e mão de obra, que vêm subindo continuamente nos últimos vinte anos. Absurdamente, enfatiza a produtora Lucy Barreto. A Ancine-Agência Nacional de Cinema crê que os custos cinematográficos estão contextualizados na realidade brasileira, onde os salários aumentaram nas últimas décadas e há carência de mão de obra especializada (e demanda com pouca oferta encarece o produto). O orçamento médio dos filmes longa-metragem brasileiros está entre quatro e cinco milhões de reais (US 1.770.000/US 2.200.000, câmbio aproximado) e o recurso máximo que a Ancine pode destinar a um filme é sete milhões de reais (US 3.100.000). Os filmes com orçamento superior a isso buscam a complementação em outros "guichês" de recursos públicos (editais da Petrobrás, Eletobrás, BNDES, etc) e na coprodução com outros países.

Um aspecto importante nesse panorama é que os filmes brasileiros mais caros, as superproduções, não se pagam nas bilheterias. Pode-se dizer que muitos filmes de baixo orçamento também não se pagam — mas o prejuizo para o contribuinte é bem menor. Exemplos deste ano: Flores raras custou 13 milhões de reais (US 5.750.000) e rendeu pouco mais de três milhões (US 1.330.000). O tempo e o vento custou 14 milhões (US 6.195.000) e rendeu menos de sete (US 3.100.000). Serra Pelada custou dez milhões (US 4.400.000) e fracassou solenemente nas bilheterias. A subida da montanha continuará em 2014. Nosso Lar 2, surfando na onda espírita, está captando 17 milhões (US 7.500.000). Amazônia, coprodução Brasil-França em 3D, custou 26 milhões (US 11.500.000), dos quais 16% oriundos de fundos públicos brasileiros.

Não creio que a questão é fazer ou não fazer filmes caros. Em todas as cinematografias robustas, superproduções, filmes médios e criações experimentais convivem e se retroalimentam. A questão é que todos os filmes brasileiros, pequenos e grandes, estão com orçamentos conflitantes com o mercado, todos estão caros para a nossa realidade e cada um deles está caro em relação às suas possibilidades de arrecadação. Binômios essenciais do capitalismo, como custo/benefício e oferta/procura, estão sendo ignorados. Uma palavra às autoridades e empresários responsáveis pelo andar da carruagem: cuidado.

Por Orlando Senna

 

* Link para outros textos de Orlando Senna no Blog Refletor     http://refletor.tal.tv/tag/orlando-senna


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O FUTEBOL DE CASA UM - 150 ANOS DE EXISTÊNCIA

Por Orlando Senna

 

O futebol está celebrando 150 anos de existência e há muita festa por toda parte. O aniversário de século e meio se refere aos ingleses que, em 26 de outubro de 1863, estabeleceram regras para um jogo de bola com uso de todas as partes do corpo com exceção de braços e mãos, para diferenciá-lo do rúgbi, jogado com as mãos. Celebramos o nascimento do futebol como conhecemos e jogamos hoje, não do jogo com uma bola, que esse se perde na bruma da memória da humanidade. Costumo pensar que todo mundo tem sua história particular com o futebol, porque tenho a minha e porque esse esporte faz parte da vida de bilhões de pessoas e, de uma forma ou outra, outros bilhões tiveram, têm ou terão contato com ele.

Minha história pessoal começa nos últimos minutos da final da Copa do Mundo de 1950, na tarde do dia 16 de julho. Era o Brasil/Uruguai no Maracanã recém inaugurado, a partida mais importante, mais estudada, mais dramática da história do futebol. Brasil jogando pelo empate, perdendo de dois a um, jogo chegando ao fim, 200 mil pessoas abarrotando o estádio e os brasileiros ao pé do rádio. Eu, entrando nos meus dez anos de idade, em minha cidadezinha do interior baiano, estava ao pé do rádio e a cena que ficou impregnada na minha memória é meu avô falando em direção ao rádio, gritando, como se estivesse diante de um grande microfone, tentando ser ouvido pelo principal jogador brasileiro, Ademir Menezes, lá no Maracanã: "Ademir, meu filho, faça esse gol pelo amor de Deus". Gritou a frase várias vezes, como uma prece, como um mantra.

Só isso, um flash, nenhuma memória do que aconteceu antes ou depois da cena. Mas foi a partir dessa desoladora derrota para o Uruguai que me interessei pelo assunto, comecei a jogar, ganhei chuteira e uma bola de couro, escolhi meu time. Virei peladeiro, joguei durante muitos anos, entendi que os times atuavam a partir de estratégias. Quando comecei a jogar a maioria das palavras usadas era inglesa (minha posição era half, meio campista) e era um futebol altamente ofensivo. A armação, ou esquema tático, era 2-3-5, ou seja, sempre cinco atacantes, não importava quantos gols o time sofria e sim quantos fazia.

Há uns oito anos fui com Pelé ao Festival de Cannes, em uma missão de promoção do cinema brasileiro, e ele, que também começou a jogar no 2-3-5 (temos a mesma idade) disse que esse é um esquema impensável no futebol moderno. Nessa viagem aconteceu outro fato marcante na minha relação com o futebol. Foi uma visão, um choque. Fomos a uma reunião em um barco atracado no cais do porto de Cannes. Eu estava em uma sala de onde podia ver Pelé no convés. De repente notei que ele estava bêbado, cambaleando, com expressão angustiada. Pelé bêbado?! O Atleta do Século embriagado, caindo pelas tabelas?! Impossível! Acordei do rápido transe quando notei alguém tentando ampará-lo e fui ver o que se passava. Dois marinheiros o levaram para terra firme, descendo uma escada estreita, e eu rezando para que nenhum fotógrafo flagrasse o herói naquela situação. Não estava bêbado, claro. É que o Rei do Futebol sofre de enjôo em barcos, depois confessou que cometera uma imprudência, pensou que não ficaria mareado em um barco atracado. 

Voltando às minhas habilidades com a bola: eram poucas mas consegui chegar às seleções da minha cidadezinha e do Colégio Marista de Salvador, onde batia bola todo santo dia. Como muitos adolescentes, sonhava ser um grande jogador e achei que tinha ganho uma oportunidade quando o time do Marista foi jogar uma preliminar estudantil na Fonte Nova. Acreditava com toda fé que ia ser escalado, ia jogar no tapete sagrado da Fonte Nova. No vestiário houve um problema com a chuteira do nosso melhor jogador, o Salomão. O técnico (um Irmão Marista com batina e tudo) perguntou quem calçava número 39 e apontou para mim: "dê suas chuteiras ao Salomão". Decepção atordoante.

Nunca joguei na Fonte Nova, mas minhas chuteiras jogaram. Ali, no banco de reservas e descalço, entendi que meu destino não era ser um deus dos estádios. Me acostumei com essa realidade pouco a pouco, mas nunca abandonei o prazer de jogar. Ainda hoje topo um racha nas categorias da Terceira Idade. Eduardo Galeano, citando Fernando Birri e perguntando-se porque tentamos alcançar o horizonte (a utopia) se sabemos que ele sempre se afasta à medida que avançamos, responde "para caminhar". Parafraseio: para jogar. Assim como no futebol é na vida.

Por Orlando Senna

Links para textos de Orlando Senna no Blog Reflet