Por Luís Turiba
Renata Jambeiro é danada. Há um pouco mais de um ano no Rio de Janeiro, ela já conquistou seu espaço na Lapa, maior bairro boêmio da cidade, dividindo o palco todas as quintas-feiras com o violinista virtuoso Nicolas Krassik. O bar tem andado cheio e animado.
Nesse espaço mágico, o casal têm recebido visitas musicais participativas como Carlos Malta, a poeta e atriz Eliza Lucinda, as cantoras brasilienses Cássia Portugal e Sandra Duailibi, e ainda intérpretes e músicos de diversos seguimentos. Entre uma apresentação e outra, esteve duas vezes cantando na Europa – em Berlim e Cannes -, foi musa da escola da samba campeã do carnaval de Brasília, Acadêmicos da Asa Norte, e compôs dois sambas que começam a chamar a atenção de bambas do Rio de Janeiro – “Pra curar dor de amor” e “Levanta”, este último em parceria com João Martins.
Renata tem esse dom de organizar o movimento. Em Brasília, além de atuar nos palcos do teatro, dança e preparação corporal, lançou 2 álbuns, 1 DVD e 1 Documentário, se dividiu entre shows no Brasil e no exterior e ainda manteve o coletivo “Nós Negras”, na companhia de Cris Pereira, Kiki Oliveira, Kris Maciel e Teresa Lopes. Aqui no Rio, ao lado de Nicolas Krassik, vai firmando seu espaço na Lapa e já canta também em outro coletivo, o bloco carnavalesco “Mulheres de Zeca”, organizado pela cantora Dorina, e dividindo a voz com a própria Dorina, Nilze Carvalho, Janaína Morena o e Dayse do Banjo. Como se vê, Renata é danada mesmo. E não pára. Leia sua entrevista:
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P- Você foi a “Musa” da escola de samba Asa Norte, tricampeã do carnaval de Brasília. Foi uma despedida sua de Brasília?
Renata Jambeiro – Brasília é minha terra e sempre que precisarem de mim estarei lá. Amo minha cidade e foi uma responsabilidade muito grande ser musa da Acadêmicos da Asa Norte nesse carnaval. Imagina, você estar alí na frente do carro abre-alas, apresentando e conduzindo a escola na avenida. Teve também uma outra leitura que me emocionou muito, que foi uma espécie de retribuição, um carinho de Brasília, da Asa Norte, em relação a mim. Eles me confiaram aquele posto, aquela atividade e isso gerou uma expectativa enorme e assim, quis retribuir à altura do que me foi colocado nas mãos. Sempre tive uma ótima relação com o bairro, com a Acadêmicos. Estudei e me formei na Universidade de Brasília (UnB), morei na região. Além disso, foi a Asa Norte que me puxou numa atitude de “pura paixão”. Era a minha comunidade, a minha família, meus amigos, todo muito feliz, envolvido nessa grande família que é a Acadêmicos. Sei que cada escola tem a sua verdade e sua dedicação, eu tenho o máximo respeito por todas, mas a Acadêmicos fisgou o meu coração. Antes do desfile, me concentrei, me interiorizei e rezei forte. Aí me veio aquela emoção e quando a bateria começou a tocar, eu gritava para todos em minha volta: “vamos lá galera! Só temos uma chance! Vamos fazer pra valer! É com a gente!”. Isso coroou todo o meu carnaval. Dias antes, havia recebido no Semente as cantoras Cássia Portugal e Sandra Dualibi. Cantei à convite da cantora Dorina no “Mulheres do Zeca” no palco sagrado do Renascença e no Parque Madureira, fui ao baile do Spanta Nenen. Tudo isso no Rio. Mas voltar à Brasília foi muito bom. Na verdade, foi sensacional e agradeço de coração a confiança depositada pelo presidente Robson Farias, pelo mestre Ronaldo e pelas diretoras Jodete, Jeanne e Nana Campos.
P- Antes, porém, você teve duas experiências internacionais cantando seus afro-sambas do CD “Sambaluayê” para um público europeu. Como foi isso?
Renata Jambeiro - Levar o próprio trabalho para a Europa é um grande desafio para mim. Tive a alegria de estar em Berlim e logo em seguida em Cannes falando de brasilidade e levando meu show, com sua proposta enérgica, dançante. Em Berlim, onde estive em Dezembro de 2013, tive a oportunidade de cantar na abertura da exposição sobre Brasília para um público grande, atento e feliz. A convite de Danielle Athayde (curadora da exposição) e Silvestre Gorgulho, grande incentivador cultural dessa exposição, minha ida foi possível através do apoio da Terracap. Uma noite calorosa e receptiva ao lado dos músicos Luiz Augusto Guimarães (percussão) e Daniel Neves (violão 7 cordas), que me acompanharam. Apesar do extremo frio, ao qual não estou acostumada, a noite foi dançante, alegre e inesquecível para todos nós.
Já em Cannes, França, a proposta foi levar o show para uma das maiores feiras de música e tecnologia musical do mundo, o MIDEM, através do SEBRAE e da produtora Lizete Fregonesi, minha representante no exterior e o apoio da Funarte/Ministério da Cultura. Um grande aprendizado, misturado a fortes emoções. A feira é enorme e traz profissionais da música de todas as instâncias e de todos os continentes. Esse ano o Brasil foi o país homenageado e foi uma grande honra representar meu país com um show que colocou todo mundo pra dançar. Foi absolutamente forte, alegre e emocionou a todos, inclusive a mim e à banda que me acompanhou: Márcio Ricardo (violão), Guilherme Sá (cavaco), Luiz Augusto (percussão), Rafael Chaves (percussão), Sandro Salvador (percussão). A mesma banda acompanhou também a cantora Joyce Cândido e o cantor e compositor Leandro Fregonesi que fez todo mundo pular e cantar "Sinhá Maria", sua composição arrasa-quarteirão. Com uma platéia especializada, o saldo foi totalmente positivo.
P- Bem, agora passou o carnaval e o verão está terminando também. Como você avalia sua participação no show semanal que tem feito no Semente, sempre em parceria com seu amado Nicolas Krassik?
Renata Jambeiro – Fazer shows no Bar Semente durante todo o verão foi um incrível aprendizado. Por tudo: pela tradição musical da casa, pelo hábito de receber gente que faz a diferença no palco e na platéia, pelas histórias, pela parceria com o fantástico Nicolas Krassik e pelos músicos que nos acompanham - (Chris Mourão, na percuteria; Rafael Chaves e Luis Augusto na percussão (congas, pandeiros, tamborins); Lúcio Rodrigues no violão Sete cordas; e Leo Pereira, no cavaquinho) – e o apoio luxuoso que tivemos de Marcelo Caldi (acordeon) no início do processo – e, especialmente, pelos encontros fantásticos que foram proporcionados nas noites de quinta-feira. Cada quinta-feira teve uma mágica diferente. Nenhuma foi igual a outra. E todas foram muito vivas, sem burocracia ou acomodações.
P- Quais foram as canjas e os encontros mais fantásticos? Quais os que mais te marcaram?
Renata Jambeiro – Começo falando do Carlos Malta. Ele em si é um show, um menestrel, sempre traz uma proposta, uma atitude. Quando se junta com Nicolas Krassik então, explodem em uma sinergia mágica. Em Dezembro, no meu aniversário, e ele tocou “Parabéns” para mim no pífano e em outra ocasião fez música com um copo de caipirinha. Sensacional. Quando ele entra, muda o contexto. Teve também a participação da cantora Nina Wirtti, que faz um estilo anos 40 com uma qualidade vocal magnífica. E mais Alfedo Del Penho, Edu Krieger, Jamelão Netto, Pedro Holanda, Leandro Fregonesi. A magia da Eliza Lucinda que apareceu por lá e se entregou à música e ao palco se expressando, dando um show. O dia em que as cantoras brasilienses Cássia Portugal e Sandra Dualibi cantaram e a casa se legitimou no nosso telecoteco-do-forrobodó. Enfim...
O Semente é assim. Cada dia é um dia. Matar um leão toda quinta-feira, com a fome do insaciável. Naquele palco não podemos ter um olhar burocrático para a música. Temos que estar prontos para o que o momento irá nos proporcionar. E tem estado cheio sempre, aquelas pessoas merecem o nosso melhor. Daí, porque cantar no Semente tem me dado chance de aprimoramento.
P- E sua parceria com esse fantástico músico que é Nicolas Krassik?
Renata Jambeiro – Aí é um caso especial. Ele sabe muito e é muito crítico. Então me sinto muito estimulada para buscar novas experiências sonoras que estão presentes no nosso Brasil musical. O samba, no violino inusitado de Nicolas, se amplia e passa a ser também baião, marcha, forró, jongo. Ele “nordestiza” o Brasil e nós estamos nos descobrindo. Conversamos muito, testamos muito, ensaiamos muito. Os músicos são interessados, pesquisadores. Assim, permitimos “um tempo” para as músicas. Elas precisam disso para criar pernas e andar por aí.
P- Como foi sua chegada no Rio de Janeiro?
Renata Jambeiro - A terra do samba! Estar no Rio é uma mistura de sensações. Literalmente o purgatório da beleza e do caos! Completou um ano que estou morando na cidade... um ano que me fez crescer e desenvolver como artista, como ser humano. A cidade não pára e preciso acompanhar. O estudo, o empenho, as descobertas, uma a uma, foram se desenvolvendo de forma natural, flertando com as novas possibilidades que se abriram. O balanço é positivo! Cheguei em Janeiro passado fazendo temporada no Favella's, casa da Lapa, shows no CCC-Centro Cultural Carioca, Rio Scenarium e participações em diversos outros eventos, shows e rodas de samba no Rio e em Niterói. Apresentei meu show no Festival Back 2 Black, na Cidade das Artes. Segui com shows pelo Brasil. Trabalhei em vários estados com a Caravana do Esporte e da Música, idealizada e presidida pela cantora Daniela Mercury e a esportista Ana Mozer e assumi as quintas-feiras do Bar Semente, na Lapa, onde trabalho ao lado do grande violinista popular Nicolas Krassik, o francês mais brasileiro que eu já conheci e me apaixonei. Assim, a parceria na vida se expandiu para o palco, onde misturamos nossas propostas musicais e as quintas do Semente se tornaram surpreendentes e imperdíveis.
P- Você tem dado uns “rolezinhos” pelo mundo do samba do Rio. Como isso tem acontecido?
Renata Jambeiro – O Rio é uma cidade que vive dentro de uma estrutura festiva. A base dessa estrutura é a música, especialmente o samba. O samba, por sua vez, tem as suas hierarquias e elas são fortes, representativas. Eis porque tenho feito esse circuito de conhecimento das diferentes células do samba carioca. Quero entender as propostas, as diferenças rítmicas e poéticas. Nada é mais importante do que a vivência. Trago desde quando morava em Brasília alguns relacionamentos importantes como minha amizade com Dona Ivone Lara, que é nossa grande dama do samba e uma pessoa ímpar, assim como toda sua família, que me recebeu com muito amor. Nossa amizade começou em Brasília e depois ela me chamou para participar do seu show no Teatro Rival e aí lá se vão 7 anos. O Noca da Portela que se tornou um pai musical. O cantor e compositor Altay Veloso que abraçou a mim e ao meu trabalho com amor. Isso, falando da velha guarda e ressaltando o que eles já me proporcionaram. Outra força tem sido o produtor Dermeval Coelho que me inseriu no Cacique de Ramos, onde fui recebida com todo carinho e onde o senhor Bira Presidente me agregou como afilhada caciqueana. Cantar lá foi maravilhoso. Outro lugar importante é o Renascença, onde o querido Moacyr Luz também abriu espaço para mim e onde tenho queridos amigos tocando. Assim, aos poucos, vou conhecendo os lugares do samba da cidade e também apresentando meu cartão de visita, que é o meu canto.