quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

TANCREDO NEVES, CULTURA E A NOVA REPÚBLICA


Luis Turiba

 

Foi Tancredo Neves quem me apresentou a Jorge Luís Borges. Isso em fevereiro de 1986, Buenos Aires, última escala do giro internacional que o então presidente civil eleito (pelo Colégio Eleitoral) fez ao mundo civilizado para apresentar ao papa e a governantes aliados - Portugal, Itália, França, EUA, México e Argentina - o novo Brasil que nascia depois de 21 anos de ditadura militar. 

A ditadura foi derrubada com o povo nas ruas e o pelo voto indireto. A este movimento chamou-se Nova República e se concretizou com um viés cultural. A velha raposa mineira tinha um compromisso político com pensadores, acadêmicos e intelectuais que se engajaram na sua campanha contra o governista Paulo Maluf. O deputado José Aparecido seria seu Ministro da Cultura, uma nova pasta criada para os artistas no processo de redemocratização. 

No seu livro "Diário de Bordo", o embaixador Rubem Ricupero, que acompanhou Tancredo Neves na histórica viagem internacional , assim descreve o encontro do Bruxo com a Mago argentino: "Borges está quase completamente cego e é acompanhado por uma jovem secretária de nome asiático [...]. Com 84 anos, parece relativamente bem, come com certo apetite embora evite carne e alguns tipos de alimentos. Adota às vezes um tom cínico e provocativo. A jovem secretária é Maria Kodama, com quem se casaria anos depois."

Por sugestão de Tancredo, o então jovem repórter aqui foi recebido por Borges e Maria Kodoma no apartamento do sétimo andar de um prédio com escadas em forma de caracol num subúrbio de Buenos Aires. "Estamos dirigindo uma coleção com 100 escritores. São 100 volumes, cada um com um prólogo. Escolhemos aqueles de uma grata leitura. Tive que viver 85 para cumprir esse objetivo.(...)  Também vou publicar um livro chamado Atlas, com colagens, fotografias, recordações e textos curtos. É um Atlas com muitas partes do mundo: Irlanda, Inglaterra, Japão, Egito, Grécia, Califórnia. Muitos países e lugares."

Borges foi uma espécie de padrinho internacional de Tancredo, cuja base cultural esteve presente em toda a campanha. Um mês antes de sua eleição (15 de janeiro), ele fez o Comício da Juventude na praia de Boa Viagem, em Recife, para se despedir da campanha. Artistas, roqueiros, celebridades e desportistas compareceram. Mas por pouco a vaca não foi pro brejo. A empolgação (verão tropical, loucuras e rock and roll) era tanta, que algumas mulheres foram atacadas na praia e a polícia teve que intervir. Tancredo ficou zangadíssimo com aquilo, deu uma bronca no neto-secretário Aécio Neves e chegou a falar mal da juventude roqueira. Nova crise. Teve que voltar atrás, porque na época o Roberto Medina estava lançando com uma tremenda mídia o primeiro Rock In Rio. Deixaram o dito pelo não dito, pois as reais tensões e futuros acordos eram focados para o desmonte da máquina burocrática da ditadura.

Enquanto isso, o futuro presidente adoecia em silêncio. Notávamos quando ele fazia cara do muxoxo vez por outra. Ao escolher seus ministros, dispensou na moral o então senador sociólogo Fernando Henrique Cardoso e ainda lhe aconselhou: "Diga aos jornalistas que o convidei, mas que você não aceitou." Assim era Tancredo. Dona Antônia, sua secretaria, mandava mais que a maioria dos ministros. Mas ele  não teve tempo de praticar a democracia-cultural. A doença o derrubou e Sarney, que já havia escrito "Marimbondos de Fogo", assumiu. Mas a base de um futuro Ministério da Cultura, hoje tão disputado, estava montada.

Foi nesse clima que Zé Aparecido nomeou seus dois principais assessores no MinC: um negro e um índio. O advogado Carlos Moura avançou no espaço e criou a Fundação Palmares. O cacique-piloto Marcos Terena trouxe a cultura indígena para a pauta antropológica brasileira. Tancredo adorava ouvir Fafá de Belém cantar. Mas a história foi tomando seu próprio rumo: Sarney dispensou Francisco Dornelles e inventou o Plano Cruzado, Aparecido foi nomeado governador de Brasília. O MinC passou pelas mãos e pelas cabeças de gente como o economista Celso Furtado e o acadêmico Antônio Houaiss. Depois, Collor derrotou Lula. Mas aí, já é outra história.


Luis Turiba é jornalista e poeta. Cobriu toda a campanha de Tancredo Neves e fez a viagem internacional com o presidente eleito em 1985. Editou em Brasília a revista Bric-a-Brac. Atualmente, mora no Rio de Janeiro onde publicou em 2014 o livro de poesia 'QTAIS" pela editora 7Letras

 



terça-feira, 6 de janeiro de 2015

UM CORREDOR CULTURAL PARA O RIO-450


Por Luis Turiba


O centro do Rio de Janeiro tem todos os ingredientes para se constituir num dos maiores Corredores de Convivências de Culturas do planeta. Pense na Times Square, em Nova Iorque; na Plaza Mayor, em Madri; ou no calçadão do Centre George Pompidou, em Paris. Imaginou: o centro cultural do Rio pode ser ainda maior. Basta querer, mexer, transformar, conectar os entes.

Da Praça Mauá ao aeroporto Santos Dummond existe um corredor onde funcionam centros culturais, museus, escolas, bibliotecas, polos gastronômicos, teatros, rádios, clubes, sindicatos, blocos carnavalescos e auditórios. A cultura pulsa, mas não se articula para tornar-se um tsunami de inquietações.

Consideremos a Avenida Rio Branco como eixo central, começando na Praça Mauá, onde estão o MAR, o quase pronto Museu do Futuro, a sede da histórica Rádio Nacional, o morro da Conceição e a Pedra do Sal; até a Cinelândia, onde o Theatro Municipal brilha. Nessa legendária praça, centro político de grandes acontecimentos, ainda convivem a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Arte, a ABL e o MAM, vizinho do Santos Dummond que liga o Rio a SP, Beagá e Brasília.Do lado direito da Avenida Rio Branco, está o Clube de Engenharia com seus 130 anos de história e o Sindicato dos Jornalistas; isso sem falar da vizinha e agitada Lapa, com dezenas de espaços musicais; e a nova Praça Tiradentes. Do outro lado da calçada, no corredor rumo à Praça XV, onde circulam diariamente quase dois milhões de cariocas (incluindo os que moram em Niterói); vamos encontrar magnificamente espalhados, quase formando um quadrado de vida própria, o CCBB, a Casa Brasil-França, o CCECT, a Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Caminhando ali por trás, vamos encontrar um dos maiores polos gastronômicos do Centro, com dezenas de restaurantes, bares e cafés entre a Candelária e a Praça XV. Nesse mesmo contexto está o histórico Passo Imperial  e ao seu lado a sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), localizada em um dos mais simbólicos palácios  que os colonizadores portugueses nos deixaram. A ALERJ está geograficamente no centro desse desarticulado Centro de Convivências e pode funcionar como um sol, iluminando e unindo essa galáxia de cultura, arte, conhecimento e lazer. Pela sua tradição e forca politica, pode muito bem plugar todos esses espacos para um Rio 450 Anos. E olha que não falamos da ABI, da OAB, dos espaços ligados ao SESC, SENAI, da Firjan. Vamos pensar nisso?