quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ARUC, PATRIMÔNIO CULTURAL DE BRASÍLIA, CORRE SÉRIOS RISCOS

Meu caro amigo Turiba, Te escrevo em caráter pessoal, em nome da nossa amizade e do nosso compromisso com a história dessa cidade que escolhemos para viver e que ajudamos a escrever. A ARUC vive um dos momentos mais difíceis e dramáticos da sua gloriosa história de 54 anos. Durante todos esses anos, a ARUC se transformou numa referência do samba, do esporte, da cultura e do Carnaval não só em Brasília, mas em todo o país. Você sabe muito bem que no Rio de Janeiro, entre os sambistas e o povo do Mundo do Samba, todo mundo conhece e respeita a ARUC e seu trabalho. Você não só sabe disso, como acompanhou de perto grande parte dessa história, frequentando nossa quadra, seja nos ensaios, seja nos eventos, e até mesmo desfilando na Bateria. O trabalho da ARUC em defesa do samba de raiz, principalmente a partir do final dos anos 70 e começo dos anos 80, foi decisivo para que Brasília recebesse, na quadra da ARUC, nomes como os de Paulinho da Viola, João Nogueira, Beth Carvalho, Elza Soares, Eliana Pitmann, Nelson Sargento, Noca da Portela, Martinho da Vila, Jamelão, Luiz Carlos da Vila, Velha Guarda da Portela, Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Dorina e tantos outros sambistas de renome. Tudo isso nos permitiu ter a honra de ser uma das poucas manifestações culturais de Brasília a ser oficialmente reconhecida pelo GDF como Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal. Pois bem, toda essa história, agora, está seriamente ameaçada. Seja pela indefinição quanto à regularização da área ocupada pela ARUC desde 1973, que se arrasta há anos, nos causa uma profunda insegurança jurídica e nos impede de buscar patrocínios e parcerias para revitalizar a área e promover benfeitorias que beneficiariam não só a comunidade do Cruzeiro, mas os amantes do samba de toda a cidade, seja pela não realização dos desfiles das escolas de samba em 2015, que, muito provavelmente, também não deve ocorrer em 2016, que afasta a nossa comunidade da nossa quadra e da nossa sede. Para lutar contra isso e mostrar que estamos vivos, temos tentado realizar alguns eventos, ao longo do ano, mantendo viva a bandeira do samba. Amanhã, dia 5 de dezembro, realizaremos mais um desses eventos, uma Feijoada, para comemorar o Dia Nacional do Samba, com a participação da cantora Dhi Ribeiro e dos grupos Samba-Show e Kanella de Cobra, além da Bateria Nota 10 da ARUC. Durante o evento, lançaremos oficialmente a campanha Sou + ARUC, que pretende mobilizar a comunidade, os amantes do samba e os amigos da ARUC, como você, na defesa da regularização da nossa área e na luta pela nossa sobrevivência. Conto com sua presença nesse evento e, mais do que isso, com seu apoio, pessoal e profissional para ajudar a divulgar as nossas atividades e na nossa campanha em defesa da ARUC. Um abraço fraterno Moa – 04/12/2015

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A ÁGUA NOSSA DO DIA A DIA

Por Luis Turiba 

 

Água. Bem que vovó avisava: sabendo usar não vai faltar. Mas quem disse que o ser humano a ouviu. Os abusos continuam jorrando pingando com o elevado mal uso de todo ciclo hídrico: as águas, o solo e o ar. E a natureza pede socorro, dá seus avisos - ora com largas estiagens, ora com excesso de chuvas, inundações, desabamentos, poluições, etc –, esses fenômenos que nos acostumamos chamar  de desastres naturais.

A revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente (BIO), da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), publicou neste mês de abril, um número especial dedicado a crise hídrica da região Sudeste do Brasil.

Convidado pelo editor Romildo Guerrante, tive a oportunidade de fazer algumas reportagens para e edição, entrevistando e conversando com técnicos e cientistas que entendem do assunto.

Agora, que a revista BIO já está circulando, tomo a iniciativa de juntar todas as matérias no mesmo ambiente, para que vocêa tenham condições de entender melhor como o Brasil ainda engatinha no trato responsável e sustentado da água.

Vamos começar com uma conversa com o gerente de Articulação e Comunicação da ANA (Agência Nacional de Águas), o engenheiro agrônomo Antônio Félix Domingues, que fez uma análise muito crítica desse segmento no Brasil e me deu a oportunidade de escrever a matéria "O homem precisa saber tratar a água".

Visitei e conheci o trabalho incansável e valiosíssimo dos cientistas que trabalham na Embrapa Solo, que funciona no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, especialmente os engenheiros Daniel Pérez e Marysol Schuler. Fiz uma entrevista com o secretario Nacional de Saneamento Básico do Ministério das Cidades, o também engenheiro Paulo Ferreira.

Por último, entrevistei por telefone o engenheiro hidrólogo Mario Mendiondo, argentino com Mestrado e Doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-Doc Senior do Center for Environmental Systems Research da University of Kassel, Alemanha.

Agora, segue o conjunto de matéria que vai certamente lhe permitir ter uma visão mais global dessa que é a questão mais palpitante do momento: como tratar e conservar a água nossa do dia a dia.


 

SOLO ÉS MÃE GENTIL

 

Luis Turiba

 

Se a água é considerada "mistério e dádiva da natureza", porque

a ciência ainda não conseguiu desvendar de onde ela veio –

cientista afirmam que chegou ao nosso planeta por meio de

corpos celestes que aqui caíram ao longo de milhões de anos -; o

solo é um de seus berços; sua pátria na natureza; a "mãe

gentil" que a recebe, absorve, filtra e lhe dá frutos e rumos.

Portanto, dentro do ciclo hidrológico água-terra-ar, cabe ao solo a

função máter de cuidar da água. Isso não é poesia, é ciência. A

relação entre ambos é estreitíssima, íntima mesmo.

O pesquisador e chefe-geral da Embrapa Solos, Daniel Pérez, que

coordena um corpo de 70 pesquisadores no Jardim Botânico do

Rio de Janeiro, defende a ideia de que a crise hídrica brasileira de

2014/2015 "está intimamente ligada ao manejo do solo."

Segundo ele, o solo atua como um filtro e deve estar permeável

para que o líquido se acumule nos lençóis freáticos e aquíferos.

Assim, percebe-se que o problema da crise hídrica no Sudeste é

provocado não só por baixa precipitação, mas principalmente pela

impermeabilização do solo nas áreas urbanas e o não

armazenamento das águas pluviais. Em artigo recente ele

lembrou que "enquanto São Paulo e Rio de Janeiro vivem uma

séria crise de abastecimento, provocada por diversas razões, não

há um projeto em escala para o aproveitamento da água de chuva

em diversas frentes — seja no meio urbano ou rural. Ele cita os

piscinões de cidades como Paris e Kuala Lampur como formas de

aproveitamento da água das chuvas, além das construções de

parques urbanos que viabilizem a infiltração e a retenção das

águas.

"Onde há um grande parque, existe sempre um equilíbrio de

temperatura, pois um solo natural, bem equilibrado com matas,

plantas e até florestas ameniza o clima e os impactos

hidrográficos", defende Pérez.

A engenheira florestal Marysol Schuler, que trabalha com Pérez

na Embrapa Solos, destaca as relações do solo com os demais

meio ambientes. "A água tem o seu ciclo: evapora, se transformar

em nuvens que, por sua vez, vira chuva e cai na terra, no solo. Se

esse solo tem vegetação, amortece a água, o que chamamos de

"o impacto da gota". O solo, por sua vez, tem que ter um bom

manejo: boas condições de infiltração para que a água ficar nas

regiões aquíferas, correr para os rios e fortalecer os reservatórios.

Segundo Schuler, é o solo que recebe os maiores impactos das

ações humanas não-conservacionistas. No meio rural ela aponta

alguns desses impactos: o desmatamento de Áreas de

Preservação Permanentes (APPs) que são importantes para a

infiltração e recarga da água; a degradação dos solos pelo uso

intensivo e utilização de práticas agrícolas inadequadas que

provocam a sua erosão e perda (de que?)  pelo escoamento

superficial, além da sedimentação dos corpos hídricos (essa frase

ficou grande); a utilização intensiva de agrotóxicos e fertilizantes;

a ausência de tratamento de esgotos domésticos e da

agroindústria, além dos resíduos da produção intensiva de

animais que poluem a água; a utilização de sistemas de irrgação

com elevado nível de desperdício; dentre outros. 

Estudos da Embrapa Solo indicam que no Brasil foram estimadas

perdas anuais de 500 milhões de toneladas de solo pela erosão,

com perda média anual da capacidade de armazenamento de

água dos reservatórios do país de 0,5%, devido ao processo de

sedimentação. Somando-se a isso, também somos o maior

consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando 19% da produção

mundial. Desta forma, quando se pensa em um manejo e uso

adequado da água é preciso ter em mente não apenas a

quantidade de água disponível para os diferentes usos e

demandas da sociedade, mas também assegurar a sua boa

qualidade.      

Ter políticas públicas para o tratamento adequado do solo

brasileiro, portanto, é fundamental para o reaproveitamento das

águas das chuvas, com impactos claros nos preços da energia e

na agricultura.

Assim, Pérez lembra que "o problema hídrico começa bem antes,

com a erosão das cabeceiras dos córregos e rios que compõem

nossas principais bacias de captação de água." Para ele, não há

dispositivo em nossa atual legislação ambiental que preveja a

necessidade de acompanhamento técnico sobre o manejo

adequado do solo nessas áreas tão frágeis — mesmo se

estiverem no coração da recarga de aquíferos. Com isso, em um

solo descoberto ou com pouca cobertura vegetal, as águas da

chuva apenas "varrem" o solo, não se infiltrando e não

promovendo o reabastecimento dos aquíferos e a manutenção

dos lençóis freáticos dos rios e córregos que alimentam os

reservatórios.

É o caso recente do Estado de São Paulo, onde chove em

determinadas áreas, mas a água da chuva não pode ser

canalizada para os reservatórios.

"Como se diz popularmente: 'demos sorte pro azar'. Não fizemos

o dever de casa tratando o solo como parte fundamental desse

ciclo hidrológico. Assim como a água, o solo também é um bem

finito. E quando se esvai, é impossível recuperá-lo. Podemos

perder dois centímetros de solo e levar duas ou três gerações

humanas para recuperá-lo", comenta Pérez.

E completa em tom de desabafo: "somos todos culpados. Nós

cientistas e técnicos por não termos gritado a plenos pulmões há

mais tempo; arquitetos, engenheiros, políticos e gestores por não

terem feito planejamento urbano respeitando o solo. Daí, ser

necessária uma legislação que o proteja com rigor.

Em recente artigo publicado no Correio Braziliense, o presidente

da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, afirma que "apesar de

abrigar 12% das reservas de água doce do planeta, o Brasil

convive com situações preocupantes de escassez. Para ele, o

grande desafio é aprimorar o manejo e o uso sustentável dos

recursos hídricos brasileiros.

"É preciso superar o mito da abundância. Cerca de 80% da água

doce do Brasil está na região amazônica; os outros 20%

abastecem larga extensão do território brasileiro onde habita 95%

da população. O avanço do processo de urbanização nos força a

discutir o impacto das cidades na poluição dos nossos recursos

hídricos e na ampliação do uso insensato da água e do solo.

Descarregar esgoto não tratado nos rios ou lavar carros e

calçadas com água tratada precisam se tornar coisas do

passado", diz Lopes. 

Essa é uma preocupação constante dos técnicos da Embrapa

Solo. Daniel Pérez chama a atenção para um tema muito

polêmico: "o aquecimento global pode ser influenciado pelo

manejo do solo." Segundo documento das Nações Unidas, até o

fim desta década, é necessário que as emissões de carbono

parem de crescer e caiam para zero até 2050. Assim, o manejo

adequado do solo – com técnicas diversas de plantio e coleta de

água - pode ser o fiel da balança no sequestro de carbono.

Segundo ele, por sua multifuncionalidade o solo deve estar na

pauta dos agentes públicos, sob a responsabilidade de quem faz a

gestão de um recurso finito. "Só assim haverá mais chances de

que o cenário futuro do Brasil e do mundo seja mais promissor".

 

ANO INTERNACIONAL DO SOLO

 

A Embrapa Solo e grande parte de seus cientistas preparam-se

para participar de uma grande conferência organizada pelas

Nações Unidas (ONU) que declarou o ano 2015 o "Ano

Internacional do Solo".

A primeira grande conferência sobre o tema será (foi) em Brasília

de 25 e 27 de março, organizada pelo Tribunal de Contas da

União (TCU), com parceria da Embrapa. A conferência

Governança do Solo trouxe à capital federal autoridades

brasileiras e mundiais no assunto. "A ideia deste evento surgiu em

outubro, em Berlim, na Alemanha, quando eu e o presidente do

Tribunal Aroldo Cedraz nos encontramos na II Semana Global do

Solo", conta a pesquisadora da Embrapa Solos (Rio de Janeiro-

RJ) Lourdes Mendonça. "O TCU pretende se envolver mais em

grandes temas brasileiros e acredita que o solo é base de tudo",

diz Lourdes.

Estado do Solo

Os solos constituem insumos (plural) fundamentais para o

desenvolvimento humano. Nenhum país consegue desenvolver-se

sem acesso a esse recurso natural e a suas riquezas. Apesar de

toda a sua importância, os solos do planeta estão sob risco:

estima-se que, nos últimos cinquenta anos, a quantidade de terra

agricultável per capita diminuiu cerca de 50% no mundo e cerca

de 33% das terras é afetada pela erosão.

"Infelizmente, ainda não há conscientização da importância do

recurso solo. E não falo apenas do uso agrícola, a construção civil

também depende dele", conta a também pesquisadora da

Embrapa Solos Ana Paula Turetta.

Por sinal, na conferência Governança do Solo, Ana Paula será a

Coordenadora da sessão técnica sobre "Avaliação da

sustentabilidade do sistema produtivo brasileiro". Cientistas da

Embrapa também comandarão debates sobre integração lavoura-

pecuária-floresta, poluição e mapeamento digital de solos. Já o

presidente da Embrapa Maurício Lopes foi o palestrante da

tarde do dia 25.

 



O HOMEM PRECISA SABER TRATAR A ÁGUA

 

Luis Turiba

 

"A água não é somente uma herança dos nossos predecessores, ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do Homem para com as gerações presentes e futuras"


 "Declaração Universal dos Direitos da Água" (em 22 de março de 1992, a Organização das NaçõesUnidas instituiu o Dia Mundial da Água.

 

 "Somos todos culpados pela crise hídrica que o país vive. O governo de São Paulo teve medo, não fizemos a lição de casa, não nos preparamos e eu me incluo nisso".

 O "mea culpa" é de quem entende do riscado, o atual gerente Geral de Articulação e Comunicação da ANA (Agência     Nacional de Águas) engenheiro agrônomo Antônio Félix Domingues, diplomado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Piracicaba, da Universidade de São Paulo e que há 30 anos trabalha no setor.

Félix Rodrigues foi Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (1990/1991) e Secretário de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras do Estado de São Paulo (1994). Presidiu o Conselho de Administração da SABESP  e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos de SP em 1964. É funcionário da Agência Nacional de Águas, desde o início de seu funcionamento, em 2001.

Ao longo deste período, teve experiência como profissional das áreas de agricultura, abastecimento e gestão de águas visitas a 36 países. É autor de diversas obras sobre a gestão de águas, entre elas: "Comitês de bacias hidrográficas: uma revolução conceitual", Editora Iqual, p.65-76, 2002. "A Cobrança pelo uso da água na agricultura", Editora Iqual, p.17-48, 2004."Águas Doces do Brasil", Editora Escrituras", p. 325-365, 2006."A Gestão dos Recursos Hídricos e a Mineração", p. 303-319, 2006.

 

Diante de tantos saberes, estudos e realizações, sua sentença é cruel: "o homem é um ingrato, usou a água até o poço secar". O este raciocínio vem com uma nova visão da água como produto básico para a sobrevivência do homem.

No seu entender, "a água é essencial à vida moderna."  É o bem mais importante que temos na Terra, "pois perpassa tudo o que acontece na vida do planeta."

Segundo o diretor da ANA,  o homem sempre "dependeu muita da água. As sociedades se criaram e se desenvolveram em torno da água. Mesmo em momento sedentário, cidades cresceram às margens dos rios. Daí ser necessário se organizar um novo conceito da água como produto da sociedade moderna. Só assim, poderemos protegê-la melhor, pois se não cuidar, vai faltar."

 

Félix Rodrigues lembra que no último século "muita coisa mudou de paradigma com a industrialização e a modernização da sociedade e novos conceitos foram criados para a convivência entre raças, de gêneros e no trato com o meio ambiente. Mas o ser humano ainda não mudou sua visão sobre a água, este produto da natural que começa a ficar escasso. "Temos realmente que redirecionar o conceito do uso racional da água nas sociedades modernas. Não é somente um problema de governos, mas de todos os cidadãos", afirma.  

Segundo ele, um ténico de governo, os "governantes de plantão não se sentem responsáveis por este problema. Preferem culpar o clima do que se adiantar aos problemas e solucioná-los antes que eles aconteçam. E cita um exemplo de pro-atividade:

 

"Quando o Sistema Cantareira foi construído, nos anos 70, os responsáveis foram ameaçados de processo pelo tamanho do reservatório. Diziam na época que São Paulo jamais iria usá-lo em sua plenitude. Mas eles, os governantes da época, haviam se antecipado e o Cantareira sobreviveu até os dias atuais", afirma o gerente da ANA.

Para ele, a água é cientificamente um produto cíclico. "Tem hora que  a bacia vai bombar e você tem que saber guardar para uso futuro. Essa é uma lição."


Desta forma, trabalhar permanentemente com estudos científicos e previsões é uma das soluções para que o Brasil não enfrente mais crises hídricas como a atual. E cita um caso histórico: em 1877, o engenheiro baiano Teodoro Sampaio previu que o Rio São Francisco iria "morrer" com base em estudos geológicos e geográficos. Em 1879, ele foi convidado pelo imperador Dom Pedro II para ser o único engenheiro brasileiro a integrar a chamada "Comissão Hidráulica" que no final do século XIX empreendeu uma viagem de três mil quilômetros pelo interior do Brasil, especialmente pelo Rio São Francisco.

 

Propostas

 

"Quem seria capaz de prever que o sul Texas iria ser castigado por nevascas?", indaga Félix. Mas também lá, nos Estados Unidos, o clima é cíclico. Mas o que fazer, além de acompanhar e estudar os ciclos da natureza? Ele aponta dois caminhos:

1-   Proteger os ecossistemas naturais. Sabe-se, por exemplo, que as florestas tropicais evaporam 200 mil metros cúbicos por segundo, criando verdadeiras estradas ou rios voadores sob o oceano Atlântico na altura do equador. Essas correntes seguem seus fluxos a centenas de quilômetros acima do planeta e são importantíssimos para o equilíbrio há bilhões de anos. Essas "estradas" aquáticas vão e vem.  Também se voltam para dentro do continente, batem na Cordilheira dos Andes, retornam e fazem chover na região Sudoeste, especialmente no Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Neste caso, diante de tamanha complexidade climática, o homem precisa criar ferramentas tecnológicas para colher essas águas com os isótopos atômicos amazônicos e encher os reservatórios. No inícios dos anos 50, portanto há 60 anos, aconteceu uma seca na região Sudoeste. "Essa seca deve durar um ano e meio", prevê o diretor da ANA. É tudo muito dialético: "há oscilações que evitam o tédio: água, calor, frio tudo influencia a força das espécies. Não é à toa que o cerrado se incendia para fortalecer e preservar suas raízes."

2-   Saber fazer e praticar a "reservação" de água em todos os níveis, pois esse produto natural é fundamental tanto para a energia das grandes cidades – sem água as hidrelétricas não produzem, as termoelétricas queimam óleo que emitem gás carbônico que trazem impacto para o meio ambiente -; como para a irrigação do solo e consequentemente a produção de alimentos. Para Félix, "há um grande pepino nesse item: a água urbana". Ele lembra que a Constituição de 1988 atribuiu aos municípios – pode local – o trato das águas usadas nas cidades, assim como o lixo. "A água é da competência e da responsabilidade dos municípios" afirma. O ideal é que a medição e individualização das contas de água. Se a conta é coletiva como na maioria dos prédios dos municípios, há um descompasso. Você usa a água economicamente, mas o seu vizinho gasta à vontade. Só que as prefeituras acham caro demais individualizar essas contas. É realmente um pepino a ser resolvido."

 

Mas há um projeto encampado pela ANA, baseado numa experiência norte-americana, que vem dando excelentes resultados na preservação dos mananciais brasileiros. É o projeto Produtor de Água. Nele, o governo paga pela proteção das matas ciliares e das fontes que alimentam os rios. A água que alimenta Nova Iorque, por exemplo, há 10 anos que recebe um tratamento especial desde áreas bem distantes, como nos mananciais da região de Woodstock. Essa pactuação entre fazendeiros e prefeituras e governos estaduais e federal começa a dar certo também no Brasil.

 

Produtor de Água da ANA

 

O Programa Produtor de Água foi lançado pela ANA em 2001 e tem foco no estímulo à política de pagamento por serviços ambientais voltada à proteção hídrica no Brasil. A iniciativa, segundo Félix Rodrigues, estimula práticas conservacionistas em propriedades rurais de forma a melhorar a qualidade da água e aumentar sua vazão, revitalizando as bacias hidrográficas. O Produtor de Água consiste em remunerar o produtor rural com valores proporcionais aos serviços ambientais prestados, que beneficiam a sociedade, além de oferecer assistência técnica para a recuperação ambiental da propriedade. A iniciativa apoia projetos que busquem reduzir a erosão e o assoreamento de mananciais no meio rural em parceria com instituições públicas, privadas ou com organizações do terceiro setor. Mais de 20 projetos do Produtor de Água estão vigentes pelo País, como o de Extrema (MG) e do Pipiripau (DF).

 

Afora esse projeto, o diretor da ANA diz que o Brasil precisa também aprender a lição da Califórnia, onde uma lei estadual garante Planos de Contingências para as contas de água conforme o nível dos reservatório. "Se o Cantareira está com apenas 20% no reservatório, a tarifa de água para quem mora nas regiões alcançadas é aumentada. Se o nível sobe para 80%, a tarifa tem que baixar. Na cidade de Sacramento, por exemplo, chegou-se a proibir o uso da água para jardins", conta ele.

 

Mas ele garante: "os políticos, infelizmente, vão esquecer das lições extraídas dessa crise atual, pois os planejamentos para os usos múltiplos das águas deve ser feito dentro de uma perspectiva de 40/50 anos, pois depois dos estragos, um reservatório leva muitos anos para se recuperar e deixa as regiões metropolitanas muito vulneráveis."

Por isso, ele chama a atenção para um acompanhamento permanente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.

"A oportunidade de mudar conceitos, paradigmas e propostas sérias é agora. A ANA nasceu na crise do setor elétrico, portanto já nascemos sendo demandados

 

ANA seleciona projetos de pagamento por serviços ambientais para o Programa Produtor de Água

 

Agência oferece R$ 5,6 milhões para ações de conservação de água e solo que melhorem as condições das bacias hidrográficas do Brasil

Até 20 de outubro, a Agência Nacional de Águas (ANA) receberá propostas de projetos de pagamento por serviços ambientais (PSA) que se interessam em participar do Programa Produtor de Água, iniciativa que estimula práticas conservacionistas para água e solo em propriedades rurais para revitalizar bacias hidrográficas. As inscrições devem ser realizadas pelo site do Sistema de Convênios do Governo Federal (SICONV), www.convenios.gov.br. Estão previstos R$ 5,6 milhões em recursos, com limite máximo de R$ 700 mil por projeto.

 

A ANA selecionará trabalhos em duas modalidades: para apoio técnico e financeiro ou para capacitação e apoio técnico. Os recursos repassados pela Agência deverão ser utilizados em ações de conservação de água e solo, como: construção de barraginhas (bacias de captação e infiltração de água da chuva), plantio de mudas de espécies nativas, construção de terraços de nível, cercamento de áreas de interesse para conservação ambiental, adequação de estradas rurais, entre outras medidas. Os recursos da ANA não poderão ser disponibilizados para o PSA, o que é realizado por outras instituições parceiras, como, por exemplo, comitês de bacias.

 

Podem participar da seleção órgãos e entidades da administração direta e indireta dos municípios, estados, Distrito Federal e consórcios públicos. Os projetos devem garantir o pagamento por serviços ambientais para produtores rurais obedecendo às condições do Programa Produtor de Água, contidas no edital do processo seletivo. Caso os R$ 5,6 milhões disponíveis não sejam totalmente utilizados na primeira etapa da seleção, será aberta uma segunda etapa de inscrições entre 20 e 30 de novembro.

Os resultados da primeira fase serão divulgados até 19 de novembro no site do Programa Produtor de Água: www.ana.gov.br/produagua. Em caso de segunda etapa, a divulgação será até 16 de dezembro.

 

Para todos os interessados em participar da seleção, a Agência Nacional de Águas realizará uma oficina sobre o processo seletivo e sobre o Programa Produtor de Água. O evento está marcado para 1º de setembro, das 10h às 12h e das 14h às 18h, na sede da ANA (Setor Policial, Área 5, Quadra 3, Bloco M, Sala de Vidro, Brasília).


terça-feira, 14 de abril de 2015

CONFERÊNCIA DE SENDAI: O BRASIL E A RESILIÊNCIA CLIMÁTICA

No mês passado foi realizada em Sendai, Japão, a Terceira Conferência Mundial sobre a Redução do Riscos de Desastres Naturais. Além de cabeças coroadas, participaram representantes dos 187 Estados membros da ONU. Na ocasião foi acordado um novo marco para reduzir nos próximos 15 anos a mortalidade e as perdas econômicas produzidas por essas catástrofes. São sete as recomendações.

A última conferência foi em Hyogo, também no Japão, em 2005. Na época, já se apontava a necessidade de se construir uma agenda global e coletiva de resiliência diante dos desastres naturais.

De lá para cá avançou-se pouquíssimo. O relatório base da conferência diz que "ao longo desses 10 anos, os desastres continuam produzindo um fardo pesado. Mais de 700 mil pessoas perderam a vida, mais de 1,4 milhão de pessoas ficaram feridas e cerca de 23 milhões foram desabrigadas pelos desastres. No geral, mais de 1 milhão e 500 mil pessoas foram afetadas por desastres de várias maneiras. Mulheres, crianças e pessoas em situação de vulnerabilidade (idosos, crianças, doentes) foram desproporcionalmente afetados. A perda econômica total foi de mais de U$ 1,3 trilhões. Além disso, entre 2008 e 2012, 144 milhões de pessoas foram deslocadas por catástrofes."

O Brasil foi representado em Sendai pelo climatologista Carlos Nobre, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Afinal, somos parte significativa dessa macabra estatística com nossas enchentes, alagamentos e desabamentos. De mais a mais, há dois anos enfrentamos uma estiagem na região Sudeste com repercussões diretas no abastecimento d'água, no custo energético e na produção agrícola/ alimentar. Seca está que começou em 2013 e, além de esvaziar inúmeros reservatórios, já comeu um dígito do PIB nacional neste período, segundo estimativas do próprio Cemaden. Há outros estudos que falam em prejuízo de 8% do PIB nos últimos três anos de estiagem.

Este órgão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem um plano nacional para aumentar a resiliência da sociedade brasileira diante de tais catástrofes. Foi construída até uma rede observacional para monitorar todo território nacional, com base em três mil sensores que acompanham os fenômenos meteorológicos de todo o País, podendo avaliar com rapidez inundações, alagamentos bruscos, deslizamentos, secas.

Quem coordena essa rede é o engenheiro hidrólogo Mario Mendiondo, argentino com mestrado e doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-Doc Sênior do Center for Environmental Systems Research da University of Kassel, Alemanha.

Para Mendiondo, a estiagem é um fenômeno conhecido da sociedade brasileira, especialmente por causa do nosso semi-árido nordestino. "Em 1953 houve aqui no Sudoeste uma seca de grande magnitude. Mas as estiagens têm suas dinâmica própria, não são ciclos estacionários. A seca que esvaziou o Cantareira é superior a de 53, pois já dura dois anos e afeta especialmente o eixo Rio-São Paulo, que hoje é ocupado por grandes populações e grandes produções agrícolas também."

De qualquer maneira, no seu entender, é fundamental melhorar a tecnologia de previsões e novos elementos para o bom trato de água. No Japão é chamada rede observacional - radares climáticos e pluviométricos - é 20 vezes maior que a brasileira, para um país cujo tamanho é um pouco maior que São Paulo.

Nos últimos dois anos, diz Mendiondo, o Japão investiu U$ 4 bilhões na sua rede observacional para aumentar a resiliência diante dos desastres naturais - muito em função do tsunami de 2011.
"A pobreza na sociedade moderna pode ser medida entre os que tem e os que não tem essa rede observacional de defesa. É necessário construir uma Política Nacional que mantenha e aperfeiçoe a rede. O Brasil precisa aumentar os financiamentos em prevenção de risco", afirma o coordenador do Cemaden.

Segundo ele, a grande maioria dos municípios brasileiros não possuem secretarias de gestão e risco contra os desastres naturais. "Conta-se nos dedos de uma mão", comenta. Normalmente são secretarias ligadas ao meio ambiente ou ao planejamento urbano, tudo muito tímido, pois os municípios não possuem Planos Diretores de Ocupação do Solo.

"Não se pode sair por aí dando alvarás de construção em morros, encostas, áreas de riscos e deslizamentos. Os centros urbanos vivem alagando com a menor chuva e não há sinalização próprias nem política de comunicação. Poderíamos evitar inúmeras mortes com placas sinalizadoras, avisos óbvios e rápidos de fazer. Mais de 40% da população brasileira não têm nenhum tipo de proteção contra a elevação de níveis das águas das chuvas. E isso acontece em Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. Falta o planejamento óbvio e sinalizações básicas", desabafa o coordenador do Cemaden.

Enquanto isso, de Sendai, no Japão, chega a mensagem básica para todas as governanças do mundo: "Desastres naturais, muitos dos quais são agravadas pelas alterações climáticas, afetam significativamente o desenvolvimento sustentável no planeta. Evidências indicam que a exposição de pessoas e bens em todos os países tem aumentado mais rapidamente diante da vulnerabilidade, gerando novo risco e um aumento constante em desastres com perdas significativa para a economia, o social, a saúde, o impacto cultural e ambiental, a curto, médio e longo prazo, especialmente em nível local e da comunidade.

Ou seja: a aplicação do novo marco de Sendai "requer um forte compromisso das lideranças políticas e será vital para o êxito de futuros acordos sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável". Entre as sete recomendações de Sendai, a última diz ser necessário "aumentar substancialmente a disponibilidade e o acesso a sistemas de alerta precoce de riscos múltiplos e informações de risco de desastres e as avaliações para o povo até 2030. Diante dessas recomendações, Mario Mendiondo afirma que, apesar de investimentos não satisfatórios, o Brasil está no caminho pois possuiu os marcos regulatórios legais e planos para o saneamento básico, a água, o solo e a proteção contra desastres naturais.

"Precisamos criar na sociedade uma consciência idêntica a já existente para o tratamento do lixo. Travar a batalha da comunicação, levar o assunto para a grade escolar nos vários graus. Trazer essa agenda para os vários níveis de governança, desde o federal até o municipal. Nossos políticos precisam lutar por emendas voltadas para essa causa e ter uma sociedade melhor e mais preparada para enfrentar secas, inundações e outros problemas climáticos. Entre os Brics - China, África do Sul e Rússia - estamos na liderança; mas precisamos caminhar para se igualar a países do Primeiro Mundo", propõe ele.

E finaliza: "tratar bueiros sem levar em consideração as mudanças climáticas, é coisa do passado. Vamos olhar para o futuro."


quinta-feira, 12 de março de 2015

TÁ DIFÍCIL, MANO!

Luis Turiba


Jovem, negromestiço e morador de uma quebrada qualquer em uma grande cidade brasileira. Esta condição já é quase um atestado de culpa ou um passaporte para a desexistência. Pouco importa se trabalha ou estuda. Nossa juventude corre risco.

No meio caminho não há somente pedras ou esgoto a céu aberto. Assim, do nada, você pode ser alvejado na puxada do gatilho e no estampido do cão. Fiquem espertos. Ou, na melhor das hipóteses, ser algemado e enjaulado como cachorro louco num desses camburões que lembram navios negreiros da pós-modernidade. Aí, é trauma para sempre ou um X a mais nas estatísticas.

Tá difícil, Mano; reconheço. Nos últimos tempos tem acontecido quase de diariamente como uma chuva de balas perdidas. Os confrontos se multiplicam especialmente nas áreas de chapa quente. Em alguns casos, o assunto chega à televisão, ao noticiário como recentemente, quando soldados foram presos por fuzilar um jovem na Palmeira e o Comandante do Batalhão exonerado por tentar confundir o mal-feito com o direito. Semanas atrás, uma passeata de jovens indignados foi dissolvida à bombas, porrada e tiros, transformando a Maré numa espécie de Soweto do século XXI. É muito ONG pra pouca onda. Dois corpos ficaram no chão. Esse estado de barbárie (falamos do Estado Ismalico, mas tantas vezes ela está em nosso próprio quintal) trás dor, medo e pavor para dentro dos nossos lares. É um Rio de Janeiro nada glamoroso, especialmente quando uma mãe aguarda a chegada do seu filho que, como milhares de outros jovens de 20 anos, foi a praia com a galera e terminou sendo levado ao bofetões para uma delegacia no Leblon acusado por um roubo do qual não faz a menor ideia. E o mais grave: da rua até a DP, ficou sem o celular, o anel e o cordão do pescoço. No fim, o delegado mandou soltar, pois nem passagem ele tinha: mas e daí?  Dentro da lógica do absurdo, talvez tenha tido até sorte.

"Rio de ladeiras, civilizações, encruzilhadas/ cada ribanceira é uma nação". Esse verso de Chico Buarque revela a nova geografia carioca que não está nos cartões postais. É nesse ambiente que o extermínio planta suas raízes. O assunto está na ordem do dia da Segurança Pública do Rio e de outras grandes cidades, como Salvador. Como escreveu Marcus Faustini  em recente crônica: "A naturalização da morte de jovens de origem popular no Rio precisa ter fim, antes que morra a força pela mudança de quem fica." Ainda é possível não exterminar a esperança.


Luis Turiba, jornalista e poeta


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

JE SUIS CUICÁ

O som da cuíca é um patrimônio imaterial da cultura popular carioca – no mundo não há outro igual
Numa bateria de 280 componentes, são 28 cuícas marcando o ritmo na mesma levada com tons diferenciados
Lá e cá, com uma bossa dobrada no meio
Umas choram, outras riem, a maioria gargalha
Tudo funciona como numa alucinada orquestra de couros
Ao longo de 90 minutos – uma partida de futebol – você toca ali no meio de redemoinho.
Vira também uma cuíca: corpo e instrumento num só embalo
Somos, portanto, homens-cuíca ladeamos por homens-surdo, homens-caixa, homens-tamborim
Mas somos cuícas
Flutuamos...voamos...dançamos...gargalhamos
As cuícas tocam para os chakras dos umbigos das mulatas
As rainhas, quando realmente majestades, se derretem ao som imantado das cuícas da Sapucaí
As bichas enlouquecem
Na fiel bateria da São Clemente cuícas surfam em ondas
O estridente som dos agogôs de quatro bocas nos completam
Há dez anos desfilo na Sapucaí e este ano me senti genuinamente uma cuíca
Mugindo como boi, buzinando como caminhão, abduzido pelo som circulante em êxtase deslumbrante
Cuíca não sente dor, nada pensa: é zen transcendental
Cuíca não sente o tempo passar e faz a plateia delirar
Cuíca não é o principal instrumento, mas é o molho de pimenta
Cuíca bebe água, suor e lágrimas pelo gorgurão
Durante 90 minutos fui uma cuíca e não queria mesmo ser outra coisa, pois o meu som fazia o maior espetáculo da Terra.
Deus salve as cuícas: je suis cuicá

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

TANCREDO NEVES, CULTURA E A NOVA REPÚBLICA


Luis Turiba

 

Foi Tancredo Neves quem me apresentou a Jorge Luís Borges. Isso em fevereiro de 1986, Buenos Aires, última escala do giro internacional que o então presidente civil eleito (pelo Colégio Eleitoral) fez ao mundo civilizado para apresentar ao papa e a governantes aliados - Portugal, Itália, França, EUA, México e Argentina - o novo Brasil que nascia depois de 21 anos de ditadura militar. 

A ditadura foi derrubada com o povo nas ruas e o pelo voto indireto. A este movimento chamou-se Nova República e se concretizou com um viés cultural. A velha raposa mineira tinha um compromisso político com pensadores, acadêmicos e intelectuais que se engajaram na sua campanha contra o governista Paulo Maluf. O deputado José Aparecido seria seu Ministro da Cultura, uma nova pasta criada para os artistas no processo de redemocratização. 

No seu livro "Diário de Bordo", o embaixador Rubem Ricupero, que acompanhou Tancredo Neves na histórica viagem internacional , assim descreve o encontro do Bruxo com a Mago argentino: "Borges está quase completamente cego e é acompanhado por uma jovem secretária de nome asiático [...]. Com 84 anos, parece relativamente bem, come com certo apetite embora evite carne e alguns tipos de alimentos. Adota às vezes um tom cínico e provocativo. A jovem secretária é Maria Kodama, com quem se casaria anos depois."

Por sugestão de Tancredo, o então jovem repórter aqui foi recebido por Borges e Maria Kodoma no apartamento do sétimo andar de um prédio com escadas em forma de caracol num subúrbio de Buenos Aires. "Estamos dirigindo uma coleção com 100 escritores. São 100 volumes, cada um com um prólogo. Escolhemos aqueles de uma grata leitura. Tive que viver 85 para cumprir esse objetivo.(...)  Também vou publicar um livro chamado Atlas, com colagens, fotografias, recordações e textos curtos. É um Atlas com muitas partes do mundo: Irlanda, Inglaterra, Japão, Egito, Grécia, Califórnia. Muitos países e lugares."

Borges foi uma espécie de padrinho internacional de Tancredo, cuja base cultural esteve presente em toda a campanha. Um mês antes de sua eleição (15 de janeiro), ele fez o Comício da Juventude na praia de Boa Viagem, em Recife, para se despedir da campanha. Artistas, roqueiros, celebridades e desportistas compareceram. Mas por pouco a vaca não foi pro brejo. A empolgação (verão tropical, loucuras e rock and roll) era tanta, que algumas mulheres foram atacadas na praia e a polícia teve que intervir. Tancredo ficou zangadíssimo com aquilo, deu uma bronca no neto-secretário Aécio Neves e chegou a falar mal da juventude roqueira. Nova crise. Teve que voltar atrás, porque na época o Roberto Medina estava lançando com uma tremenda mídia o primeiro Rock In Rio. Deixaram o dito pelo não dito, pois as reais tensões e futuros acordos eram focados para o desmonte da máquina burocrática da ditadura.

Enquanto isso, o futuro presidente adoecia em silêncio. Notávamos quando ele fazia cara do muxoxo vez por outra. Ao escolher seus ministros, dispensou na moral o então senador sociólogo Fernando Henrique Cardoso e ainda lhe aconselhou: "Diga aos jornalistas que o convidei, mas que você não aceitou." Assim era Tancredo. Dona Antônia, sua secretaria, mandava mais que a maioria dos ministros. Mas ele  não teve tempo de praticar a democracia-cultural. A doença o derrubou e Sarney, que já havia escrito "Marimbondos de Fogo", assumiu. Mas a base de um futuro Ministério da Cultura, hoje tão disputado, estava montada.

Foi nesse clima que Zé Aparecido nomeou seus dois principais assessores no MinC: um negro e um índio. O advogado Carlos Moura avançou no espaço e criou a Fundação Palmares. O cacique-piloto Marcos Terena trouxe a cultura indígena para a pauta antropológica brasileira. Tancredo adorava ouvir Fafá de Belém cantar. Mas a história foi tomando seu próprio rumo: Sarney dispensou Francisco Dornelles e inventou o Plano Cruzado, Aparecido foi nomeado governador de Brasília. O MinC passou pelas mãos e pelas cabeças de gente como o economista Celso Furtado e o acadêmico Antônio Houaiss. Depois, Collor derrotou Lula. Mas aí, já é outra história.


Luis Turiba é jornalista e poeta. Cobriu toda a campanha de Tancredo Neves e fez a viagem internacional com o presidente eleito em 1985. Editou em Brasília a revista Bric-a-Brac. Atualmente, mora no Rio de Janeiro onde publicou em 2014 o livro de poesia 'QTAIS" pela editora 7Letras

 



terça-feira, 6 de janeiro de 2015

UM CORREDOR CULTURAL PARA O RIO-450


Por Luis Turiba


O centro do Rio de Janeiro tem todos os ingredientes para se constituir num dos maiores Corredores de Convivências de Culturas do planeta. Pense na Times Square, em Nova Iorque; na Plaza Mayor, em Madri; ou no calçadão do Centre George Pompidou, em Paris. Imaginou: o centro cultural do Rio pode ser ainda maior. Basta querer, mexer, transformar, conectar os entes.

Da Praça Mauá ao aeroporto Santos Dummond existe um corredor onde funcionam centros culturais, museus, escolas, bibliotecas, polos gastronômicos, teatros, rádios, clubes, sindicatos, blocos carnavalescos e auditórios. A cultura pulsa, mas não se articula para tornar-se um tsunami de inquietações.

Consideremos a Avenida Rio Branco como eixo central, começando na Praça Mauá, onde estão o MAR, o quase pronto Museu do Futuro, a sede da histórica Rádio Nacional, o morro da Conceição e a Pedra do Sal; até a Cinelândia, onde o Theatro Municipal brilha. Nessa legendária praça, centro político de grandes acontecimentos, ainda convivem a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Arte, a ABL e o MAM, vizinho do Santos Dummond que liga o Rio a SP, Beagá e Brasília.Do lado direito da Avenida Rio Branco, está o Clube de Engenharia com seus 130 anos de história e o Sindicato dos Jornalistas; isso sem falar da vizinha e agitada Lapa, com dezenas de espaços musicais; e a nova Praça Tiradentes. Do outro lado da calçada, no corredor rumo à Praça XV, onde circulam diariamente quase dois milhões de cariocas (incluindo os que moram em Niterói); vamos encontrar magnificamente espalhados, quase formando um quadrado de vida própria, o CCBB, a Casa Brasil-França, o CCECT, a Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Caminhando ali por trás, vamos encontrar um dos maiores polos gastronômicos do Centro, com dezenas de restaurantes, bares e cafés entre a Candelária e a Praça XV. Nesse mesmo contexto está o histórico Passo Imperial  e ao seu lado a sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), localizada em um dos mais simbólicos palácios  que os colonizadores portugueses nos deixaram. A ALERJ está geograficamente no centro desse desarticulado Centro de Convivências e pode funcionar como um sol, iluminando e unindo essa galáxia de cultura, arte, conhecimento e lazer. Pela sua tradição e forca politica, pode muito bem plugar todos esses espacos para um Rio 450 Anos. E olha que não falamos da ABI, da OAB, dos espaços ligados ao SESC, SENAI, da Firjan. Vamos pensar nisso?