No mês passado foi realizada em Sendai, Japão, a Terceira Conferência Mundial sobre a Redução do Riscos de Desastres Naturais. Além de cabeças coroadas, participaram representantes dos 187 Estados membros da ONU. Na ocasião foi acordado um novo marco para reduzir nos próximos 15 anos a mortalidade e as perdas econômicas produzidas por essas catástrofes. São sete as recomendações.
A última conferência foi em Hyogo, também no Japão, em 2005. Na época, já se apontava a necessidade de se construir uma agenda global e coletiva de resiliência diante dos desastres naturais.
De lá para cá avançou-se pouquíssimo. O relatório base da conferência diz que "ao longo desses 10 anos, os desastres continuam produzindo um fardo pesado. Mais de 700 mil pessoas perderam a vida, mais de 1,4 milhão de pessoas ficaram feridas e cerca de 23 milhões foram desabrigadas pelos desastres. No geral, mais de 1 milhão e 500 mil pessoas foram afetadas por desastres de várias maneiras. Mulheres, crianças e pessoas em situação de vulnerabilidade (idosos, crianças, doentes) foram desproporcionalmente afetados. A perda econômica total foi de mais de U$ 1,3 trilhões. Além disso, entre 2008 e 2012, 144 milhões de pessoas foram deslocadas por catástrofes."
O Brasil foi representado em Sendai pelo climatologista Carlos Nobre, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Afinal, somos parte significativa dessa macabra estatística com nossas enchentes, alagamentos e desabamentos. De mais a mais, há dois anos enfrentamos uma estiagem na região Sudeste com repercussões diretas no abastecimento d'água, no custo energético e na produção agrícola/ alimentar. Seca está que começou em 2013 e, além de esvaziar inúmeros reservatórios, já comeu um dígito do PIB nacional neste período, segundo estimativas do próprio Cemaden. Há outros estudos que falam em prejuízo de 8% do PIB nos últimos três anos de estiagem.
Este órgão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem um plano nacional para aumentar a resiliência da sociedade brasileira diante de tais catástrofes. Foi construída até uma rede observacional para monitorar todo território nacional, com base em três mil sensores que acompanham os fenômenos meteorológicos de todo o País, podendo avaliar com rapidez inundações, alagamentos bruscos, deslizamentos, secas.
Quem coordena essa rede é o engenheiro hidrólogo Mario Mendiondo, argentino com mestrado e doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-Doc Sênior do Center for Environmental Systems Research da University of Kassel, Alemanha.
Para Mendiondo, a estiagem é um fenômeno conhecido da sociedade brasileira, especialmente por causa do nosso semi-árido nordestino. "Em 1953 houve aqui no Sudoeste uma seca de grande magnitude. Mas as estiagens têm suas dinâmica própria, não são ciclos estacionários. A seca que esvaziou o Cantareira é superior a de 53, pois já dura dois anos e afeta especialmente o eixo Rio-São Paulo, que hoje é ocupado por grandes populações e grandes produções agrícolas também."
De qualquer maneira, no seu entender, é fundamental melhorar a tecnologia de previsões e novos elementos para o bom trato de água. No Japão é chamada rede observacional - radares climáticos e pluviométricos - é 20 vezes maior que a brasileira, para um país cujo tamanho é um pouco maior que São Paulo.
Nos últimos dois anos, diz Mendiondo, o Japão investiu U$ 4 bilhões na sua rede observacional para aumentar a resiliência diante dos desastres naturais - muito em função do tsunami de 2011.
"A pobreza na sociedade moderna pode ser medida entre os que tem e os que não tem essa rede observacional de defesa. É necessário construir uma Política Nacional que mantenha e aperfeiçoe a rede. O Brasil precisa aumentar os financiamentos em prevenção de risco", afirma o coordenador do Cemaden.
Segundo ele, a grande maioria dos municípios brasileiros não possuem secretarias de gestão e risco contra os desastres naturais. "Conta-se nos dedos de uma mão", comenta. Normalmente são secretarias ligadas ao meio ambiente ou ao planejamento urbano, tudo muito tímido, pois os municípios não possuem Planos Diretores de Ocupação do Solo.
"Não se pode sair por aí dando alvarás de construção em morros, encostas, áreas de riscos e deslizamentos. Os centros urbanos vivem alagando com a menor chuva e não há sinalização próprias nem política de comunicação. Poderíamos evitar inúmeras mortes com placas sinalizadoras, avisos óbvios e rápidos de fazer. Mais de 40% da população brasileira não têm nenhum tipo de proteção contra a elevação de níveis das águas das chuvas. E isso acontece em Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. Falta o planejamento óbvio e sinalizações básicas", desabafa o coordenador do Cemaden.
Enquanto isso, de Sendai, no Japão, chega a mensagem básica para todas as governanças do mundo: "Desastres naturais, muitos dos quais são agravadas pelas alterações climáticas, afetam significativamente o desenvolvimento sustentável no planeta. Evidências indicam que a exposição de pessoas e bens em todos os países tem aumentado mais rapidamente diante da vulnerabilidade, gerando novo risco e um aumento constante em desastres com perdas significativa para a economia, o social, a saúde, o impacto cultural e ambiental, a curto, médio e longo prazo, especialmente em nível local e da comunidade.
Ou seja: a aplicação do novo marco de Sendai "requer um forte compromisso das lideranças políticas e será vital para o êxito de futuros acordos sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável". Entre as sete recomendações de Sendai, a última diz ser necessário "aumentar substancialmente a disponibilidade e o acesso a sistemas de alerta precoce de riscos múltiplos e informações de risco de desastres e as avaliações para o povo até 2030. Diante dessas recomendações, Mario Mendiondo afirma que, apesar de investimentos não satisfatórios, o Brasil está no caminho pois possuiu os marcos regulatórios legais e planos para o saneamento básico, a água, o solo e a proteção contra desastres naturais.
"Precisamos criar na sociedade uma consciência idêntica a já existente para o tratamento do lixo. Travar a batalha da comunicação, levar o assunto para a grade escolar nos vários graus. Trazer essa agenda para os vários níveis de governança, desde o federal até o municipal. Nossos políticos precisam lutar por emendas voltadas para essa causa e ter uma sociedade melhor e mais preparada para enfrentar secas, inundações e outros problemas climáticos. Entre os Brics - China, África do Sul e Rússia - estamos na liderança; mas precisamos caminhar para se igualar a países do Primeiro Mundo", propõe ele.
E finaliza: "tratar bueiros sem levar em consideração as mudanças climáticas, é coisa do passado. Vamos olhar para o futuro."
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