sexta-feira, 25 de abril de 2014

A TECNO-BOSSA DE GILBERTO GIL

 

Por Luis Turiba

 

"Há cada 100 anos um mestre aparece entre nós(...) E a cada 25 um aprendiz", Gilberto Gil

 

A ideia de gravar um CD com sambas habitou a cabeça do mestre Gilberto por mais de dez anos. Quando era ministro da Cultura no primeiro governo Lula, ele parou de compor, começou a falar do assunto e a pensar num provável repertório digno para tal projeto. No dia 11 de fevereiro de 2003, em pleno carnaval, Gil recebeu em Recife um livro que lhe deixou muito entusiasmado: "A Pré-História do Samba", do pesquisador Bernardo Alves. Descobriu ali que samba é (também) uma palavra tupi-guarani e que a primeira roda de samba brasileiro foi feita entre índios e portugueses no dia que Cabral desembarcou em Porto Seguro. Há 500 anos. Vida que segue....

 

Onze anos depois desse episódio significativo, quando as cortinas se abrem no Teatro Net do Rio de Janeiro para o espetáculo "Gilbertos Sambas, lá está ele sentado num banquinho, violão virtuoso em punho, cercado por músicos-meninos. Começa o concerto cantando "Aos pés da Santa Cruz"  e a gente logo se lembra de João Gilberto. A certeza de que ali está um seguidor, um prosseguimento tropicalista/pop do mestre da Bossa-Nova vai se confirmando a cada nova canção.

 

Gil materializou sua musa via João. Sabemos que ele nunca foi de começar show sentado em banquinho. Sempre foi explosivo, dançante e de cara sacudia seu público. Mas agora está diferente. Não teve aquele clássico "boa noite, Rio" ritmado nas palmas do público. No palco a reverência, a concentração, o samba contido, a batida do seu violão gilberteano.

Mas o bom ouvinte, logo percebe que há uma batida pop-tecnô por trás daquele releitura, uma espécie de homenagem também aos índios tupinambás que receberam os portugueses com sua percussão. Sim, ao revisitar as bossas-sambas de João (e suas próprias), Gil avança, quer no canto altamente concentrado, pesquisado e sofisticado até onde a voz alcança; quer nos arranjos combinados com o filho Bem Gil.


São muitas ousadias nessa nova musicalidade do mestre. Discretas, algumas quase imperceptíveis, mais todas mexem muito com a gente. Fica no ar aquele gostinho de quero mais. A começar com o canto eletrônico de "O Pato" (Jayme Silva e Neusa Teixeira, 1960) e suas brincadeiras com a plateia. Neste número, o acordeom de Mestrinho faz a diferença, assim a percussão de Domenico Lancellotti; e os efeitos especiais de Bem Gil. 


Ao cantar a música ícone do movimento Bossa Nova de João Gilberto, "Desafinado", a ousadia sonora tecnô de Gil e seus meninos alcança  "vôo de brigadeiro" sem desafinar. Há sons urbanos, ruídos esquisitos crescentes e há até quem tenha ouvido uma sirene de ambulância e/ou polícia, mas nada disso incomoda ou estranha, ao contrário; entranha e nos insere corajosamente no hino.


No show, Gil vai além do CD  e termina se soltando conforme avança. Ao cantar "Rosa Morena", de Dorival Caymmi, samba lançado em 1942 pelo conjunto Anjos do Inferno. Aliás, dizem que é Caymmi é quem guia Gil até João. Forma-se assim a Santíssima Trindade da música baiana. Isso fica claro em Milagre, quando Moreno Veloso entra em cena para o auxílio luxuoso dos sons extraídos de um prato, coisa que ele aprendeu com Dona Edith no Recôncavo Baiano.


Ao voltar para o planejado bis (teve até estudos nas redes sociais sobre as músicas que seriam cantadas), Gil reencontra dois de seus grandes sambas. "Eu vim da Bahia" gravado magistralmente por João e o clássico "Aquele Abraço", feita na sua despedida para o exílio, quando os milicos lhe mandaram para Londres. Mas seu Rio de Janeiro já havia sido saudado antes, com a apresentação do novo samba "Rio, eu te amo", uma declaração à cidade tão contraditória, onde ele explora e brinca com os dois sentidos da palavra rio (a conjugação do verbo rir) e o choro (conjugação do verbo chorar). A samba é tão gostoso que a plateia apreende rapidamente seu sonoro refrão e já o canta em cena, batizando-o assim como um clássico precoce. É mais um samba de sucesso na certa, de um Gil gilberteano que continua na estrada a caminho dos 72. Para a roda ficar melhor só falta qualquer dia desses João chegar numa de suas apresentações e entrar em campo para bater uma bola com o mestre-aprendiz. 

 

 

 

SERVIÇO

 

Agenda da turnê nacional do show Gilbertos samba:
* Rio de Janeiro (RJ) - 5, 6, 11 e 12 de abril de 2014 no Theatro Net Rio
* Salvador (BA) - 16 e 17 de maio de 2014 no Teatro Castro Alves
* Recife (PE) - 21 e 22 de maio de 2014 no Teatro Shopping Rio Mar
* Natal (RN) - 23 de maio de 2014 no Teatro Riachuelo
* São Paulo (SP) - 19 e 20 de julho de 2014 no Teatro Shopping Vila Olímpia
* Belo Horizonte (MG) - 6 e 7 de setembro no Palácio das Artes
* Porto Alegre (RS) - 19 de setembro de 2014 no Teatro do Bourbon Country
* Novo Hamburgo (RS) - 20 de setembro de 2014 no Teatro Feevale

  





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