Luis Turiba*
Desconstrução. Ninguém escapou dela. Nós, eleitores, também fomos totalmente desconstruídos pelo virulento tsunami eleitoral que o Brasil acaba de viver.
Mesmo reservando-se, todos fomos atingidos pelos seus ecos e efeitos dessa onda como pedestres distraídos em meio a um tiroteio de balas de prata perdidas . Não há ciência que explica tal dinâmica. A história ainda se redesenha aos nossos pés. As fendas são profundas, os abismos perigosos, os atalhos tenebrosos. Os brasileiros saíram quase nocauteados desse ringue.
Estamos aos cacos e tentamos agora juntá-los. Vitoriosos e derrotados, pois são cacos de certezas e incertezas; de sonhos e pesadelos; de confianças, promessas, medos, mágoas e ilusões. Cacos políticos e ideológicos; de marketing e malandragens; de dívidas e compromissos. E nem toda cola-tudo, cola tudo.
Sim, o PT venceu. Dilma foi reeleita, é a nossa legítima presidenta por mais quatro anos. E daí? Isso é o lado óbvio ululante da história. Aos vencedores, as batatas. Aos derrotados, o choro livre. A democracia escolheu o seu projeto para o país. Mas a ficha ainda caiu verdadeiramente.
São muitas as contas a fazer de todos os lados, há muitos feridos a recolher nos diversos campos de batalha. Afinal, participamos de uma espécie de MMA eleitoral, onde bater do joelho pra cima, com rabo de arraia e dedo no olho, se tornou algo tão corriqueiro como não se beber um copo de água em São Paulo. Sem inocentes nem delicadezas, reinventamos a lei nazista na comunicação tropicalista: mentira + meia mentira + mentira em dobro = quase verdade falsa.
Foi uma eleição clip-pesada. Nem bem a corrida começou, caiu avião. Dentro dele um candidato da esperança nordestina. E até agora, ninguém explicou direito essa tragédia – mesmo sabendo que tragédias não se explicam. Das cinzas, surge uma candidatura santificada por novas ideias e cabeças. Havia algo de novo no ar, além do clássico FlaxFlu político que se repete há 20 anos. Marina se pintou, se enfeitou mas não colou. Foi desconstruída em pleno vôo com requintes de cinismo e sordidez.
Dizem que em política não há traição: há rearranjos. Desarranja daqui, rearranja dali, de novo na pauta do país o antigo e conhecido clássico Tucanos versus Petistas, os vermelhos contra os azuis. Palavras ganharam novos significados, espaços e múltiplos usos: aparelhamentos, pobres, ricos, social, corrupção, mudança, inflação, educação.
E todos nós caímos dentro do ringue cibernético da web. Afora os políticos, famílias se dividiram, casais se separaram, primos contra primos; tios versus cunhados; amizades se desfizeram. Até a nossa maior empresa, orgulho nacional, a Petrobras, passa por acusações gravíssimas. Nesse processo sedento de poder, todos nós xingamos e dançamos como cegos de ilusão no baile autofágico da desconstrução.
Somos 141 milhões de eleitores batendo títulos e miolos. Sete milhões não votaram, 30 milhões anularam o voto. Quem analisa isso? Ou 37 milhões não têm nenhuma importância? O país ficou geograficamente cortado. No Norte/Nordeste, os vermelhos. Do sudeste para baixo, os azuis. Como reconstruir nossa geografia tropical? Como remisturar as cores vivas?
Sábia e tranquila, a líder maior da Dilma estendeu a bandeira branca de Oxalá no meio do terreiro e pediu diálogo. Aécio Neves, com sua capa de 50 milhões de votos, também falou em recosturar a unidade nacional. Presidente eleita e líder da oposição, desanuviam os ânimos. Um nova e histórica peleja se descortina no horizonte. Reforma política e mudanças generalizadas. Amigo meu, Nico do Cavaco, fez um samba há anos atrás, para o Suvaco do Cristo, onde antevia: "Oh venham ver/ Oh venham ver Vera Cruz/ A luta dos peles vermelhas/ Contra os casacos azuis."
Agora é o momento de acender uma vela de sete dias ao eleitor desconstruído. O poeta Torquato Neto escreveu e Gilberto Gil cantou no tropicalismo, quando a ditadura prendia e torturava brasileiros, entre os quais a presidente Dilma Rousseff: "Eu brasileiro confesso/ minha culpa meu pecado/ meu sonho desesperado/ meu bem guardado segredo/ minha aflição." Ao contrário da canção, aqui não é o fim do mundo, mas estivemos bem próximo. Respirar fundo e se reconstruir - eis a missão.
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