terça-feira, 31 de maio de 2016

E SE DILMA VOLTAR?

ITAMAR GARCEZ, para o blog do Moreno, em O Globo

A conveniência da presidente Dilma Rousseff (PT), a afastada, de retornar ao Palácio do Planalto beira o insondável. À vontade no papel de opositora-mor da República de Michel Temer, o interino, ela aparenta almejar o regresso. Para o PT, no entanto, o melhor desfecho é menos evidente.
 
Afinal, os descaminhos, a recessão econômica e os malfeitos deixados por Dilma prosseguem em marcha batida. Melhor adentrar a história como vítima ou como incompetente?
 
No retorno à política, ela encontrará parlamentares habituados, depois de 13 anos, a frequentar o Planalto e a residência oficial do presidente. Enquanto Temer faz dos rapapés palacianos sua rotina, Dilma sempre preferiu cercar-se de acólitos, que, receosos das invectivas, restringiam suas manifestações ao vocativo imposto: "Sim, senhora presidenta".
 
Voltará ela a enxotar dos salões presidenciais os parlamentares que hoje lá transitam com desenvoltura? Como fará a mandatária para recompor a maioria parlamentar que chamou de "golpista"? Dirá que sua monotemática campanha foi apenas arroubo retórico?
 
Na economia, seu eventual regresso encontrará um caixa deficitário de R$ 170,5 bilhões, o maior da história. Produzido por sua gestão, trata-se de impeditivo para alavancar os projetos sociais que, afora a estabilidade econômica, popularizaram seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
 
Além disso, o anúncio do retorno de Dilma será a centelha para frear investimentos, embargar novos empregos e convulsionar mais as ruas. O pragmatismo de Temer cederia lugar à política econômica furta-cor da mandatária regressada, entre a ortodoxia envergonhada e a heterodoxia voluntarista.
 
No campo policial, como confidenciou o ex-presidente da República, José Sarney (PMDB), a volta de Dilma vai se deparar com a "metralhadora" da Odebrecht. E, em que pesem os reclames dilmistas de que a operação Lava-Jato mira apenas o PT, são o mandatário plantonista e seu partido que acabam por se tornar o alvo principal de investidas "denuncistas".
 
Vide as manchetes dos matutinos, que, dia sim, outro também, desferem petardos contra a cúpula peemedebista. Aliás, munição que, oportunista, o PT dispara agora contra Temer como se antes desconhecesse as fraquezas do velho aliado.
 
Por outro lado, se permanecer na posição vitimada, de que foi destituída por um golpe, poderá seguir em frente na senda propagandística desenhada como narrativa escapatória. Na oposição, trincheira onde o PT é mestre, arquitetará o fracasso do sucessor - pavimentando a volta ao poder em 2019.
 
A tudo isso somam-se as injunções políticas das lideranças petistas. Boa parte do PT e dos movimentos sociais despreza a afastada. Culpam-na pelo fracasso petista.
 
Toleram-na apenas por ser incontornável tê-la como títere na linha de frente oposicionista. Olívio Dutra, petista crítico e de boa cepa, pondera, em entrevista ao Valor Econômico, que "neste momento, o PT vai aprender muito mais se perder".
 
Enquanto alguns petistas hesitam entre voltar ao poder para fazer mais do mesmo e buscar a refundação, a legenda continuará interpretando seu papel de vítima, tendo Dilma como protagonista. Diante do torvelinho de denúncias a tese do golpe tenta ofuscar a mácula inapelável de uma sigla que se enxovalhou com as mesmas práticas que denunciava nos oponentes.
 
E Temer com isso?
 
Na política, o adversário de hoje é o aliado de amanhã. Quem tiver este escrúpulo procure outra ocupação. No entanto, nesse momento é improbabilíssimo que PT e PMDB voltem a compor, pois disputam o mesmo espaço. Assim, restam ao interino poucas alternativas para se efetivar na presidência.
 
A mais óbvia é entregar o governo, e sua alma, ao Senado. Somente os 81 integrantes da Câmara Alta têm o poder de transmutar o mandato interino em definitivo. Cargos, sinecuras, liberações orçamentárias e outros inconfessáveis regalos mimariam os senadores até que, talvez em agosto, a imolação senatorial de Dilma seja consumada.
 
Mais trabalhosa, a investida em ações que sinalizem mudanças efetivas na economia pode render ao noviço créditos entre seus apoiadores - desde que evite polêmicas, como a reforma previdenciária. Se não pode consertar nenhum estrago da predecessora em pouco tempo, pode reverter as expectativas agourentas que travam o país há mais de dois anos.
 
A encarniçada refrega política não vai parar. Há uma eleição municipal em outubro; e a sucessão presidencial, diante da barafunda partidária, foi antecipada. Porém, a cidadania incomoda-se menos com a escaramuça política quando a inflação está controlada, o emprego garantido e a renda banca o sustento, ainda que este cenário represente um alento futuro.
 
Outra iniciativa é propagandística. Levando-se em conta que os milhões de eleitores que foram às ruas, o empresariado, os banqueiros, a mídia e a maioria dos parlamentares não desejam a volta de Dilma, o interino pode advertir, entre uma mesóclise e um latinismo, que, ruim com ele, pior com ela.
 
Em pouco mais de duas semanas de governo, Temer enfrenta reveses aos borbotões - parte por conta de suas próprias iniciativas. Parte pela inescrutável Lava-Jato. Outra porção por seus incômodos aliados, como o deputado Eduardo Cunha (PMDB).
 
Nada, ou quase nada, pode fazer o novato mandatário contra os juízes da Lava-Jato, Sergio Moro e Teori Zavascki, o fechado, que ditam os rumos da investigação. Assim, sobram escassas alternativas e acelerada contagem regressiva.
 
Paparicar senadores, urgir para que o ministro Henrique Meirelles endireite a economia e convencer os eleitores que ele, Temer, é remédio menos amargo são as possibilidades de ocasião. A outra hipótese é a volta de Dilma e suas imprevisíveis consequências.
 
-----
 

sábado, 14 de maio de 2016

O MINC E A ALMA BRASILEIRA

Por Luis Turiba

 

O Ministério da Cultura (MinC) foi criado em  15 de março de1985 pelo então presidente Tancredo Neves. No dia da sua posse, Tancredo foi internado, operado e não assumiu, sendo substituído pelo seu vice José Sarney.


O MinC, portanto, surgiu junto com a Nova República para atender aos anseios de artistas, intelectuais, professores, pensadores e produtores de arte e cultura que participaram da campanha das Diretas Já e da eleição indireta de Tancredo Neves, pondo fim a 21 anos de ditadura. O primeiro ministro da Cultura foi o então deputado José Aparecido que, de imediato nomeou um negro (Carlos Moura) e um índio (Cacique Marcos Terena) como assessores diretos. Foi seu primeiro ato.


O MinC se tornou a Casa da Cultura dos que queriam e desejavam pensar a cultura brasileira do ponto de vista simbólico, estrutural, econômico e artístico. Foi a partir da nomeação de Moura que surgiu a proposta de criação da Fundação Palmares para políticas públicas culturais afro-brasileiras. O ministro Aparecido não esquentou a cadeira, pois atendeu a um pedido do presidente Sarney e virou governador indireto de Brasília. No governo Sarney, passaram pelo MinC intelectuais do porte do economista Celso Furtado e do acadêmico e dicionarista Antônio Houaiss. Personalidades como Ziraldo, o poeta negro Adão Ventura, o historiador Angelo Oswaldo participaram e criaram o ministério.

No governo Collor, o MinC se apequenou. Em 12 de abril de 1990 foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à Presidência da República. Essa situação foi revertida pouco mais de dois anos depois, já no governo do presidente Itamar Franco, quando foi criada a Lei Roaunet de incentivo à cultura.


Em 1999, no governo FHC, foram ampliados os recursos e a estrutura foi reorganizada. O ministro Francisco Werfort passou a aplicar a famosa Lei Roaunet captando recursos para projetos culturais. A lei atendeu e atende a produtores culturais do país, mas não consegue bancar com seus recursos direcionados a milhares de pequenos produtores. Esse gargalo ainda não foi resolvido.

Em 2003, o MinC passou a viver a chamada "Era Gil" da cultura brasileira. Ao ser convidado e nomeado para o ministério, o cantor e compositor tropicalista Gilberto Gil, resolveu atender ao chamado do presidente Lula que lhe disse: "vá lá e faça como você faz no palco". E Gil fez mesmo: montou uma equipe competente de "cabeças iluminadas" e saiu pelo Brasil dançando e cantando, anunciando as boas novas. No seu discurso de posse, falou em "do-in antropológico", que massagearia pontos vitais momentaneamente desprezados ou adormecidos do corpo cultural do País. O "do-in"  serviu para "avivar o velho e atiçar o novo", segundo o poeta e antropólogo Antônio Risério, criador da expressão.


O MinC passou a ter uma estrutura densa: uma Secretaria Executiva com três diretorias (Gestão Estratégica, Gestão Interna e Relações Internacionais), seis Representações Regionais (nos estados de MG, Pernambuco, Pará, RJ, Rio Grande do Sul e São Paulo; além de seis Secretarias: Fomento e Incentivo à Cultura, Políticas  CulturaisCidadania CulturalAudiovisualIdentidade e Diversidade Cultural e Articulação Institucional.


No governo Dilma o MinC perdeu a pulsação. O principal projeto da Era Gil – os Pontos de Cultura – não avançou. No meio do caminho, a presidente nomeou a cantora Ana de Hollanda, irmã do Chico Buarque. Recursos foram cortados e pouco foi feito.

Apesar de parte do movimento cultural ter se engajado no movimento "Não vai ter golpe", contra o impeachment da presidente, existia uma latente insatisfação de artistas, pensadores e produtores de arte e cultura com a performance do Minc nos governos Dilma. O ministério ficou à míngua e o governo devendo muito ao mundo da cultura.


Sabemos que a cultura brasileira tem pulsação própria e merece um tratamento de honra no topo da nossa existência planetária. Cultura deve ser tratada pelo seu simbolismo como parte fundamental da formação do nosso povo, dos seus costumes, da memória, da criatividade infinita da nossa gente. Vejamos o exemplo do samba e seu valor simbólico, até como produto de exportação.  A Cultura como encontro de raças e necessidade lúdica para enfrentarmos o dia-a-dia de nossas lutas, prazeres e sobrevivências. Cultura como ação social civilizatória. Mas que fique claro: não cabe ao Estado fazer Cultura, mas promover e apoiar o desenvolvimento da sociedade como direito básico da cidadania.


Assim, sem olhar atenciosamente para a cultura brasileira com o devido respeito que sua história merece, o novo governo tropeça na brasilidade. Não basta tão somente um ministério, pois mistério sempre há de pintar por aí. A questão é mais profunda: temos que valorizá-la no seu conjunto. Afinal, cultura não é somente a cereja do bolo, mas cesta básica também. Faltam cultura e mulheres no governo Temer.