ITAMAR GARCEZ, para o blog do Moreno, em O Globo
A conveniência da presidente Dilma Rousseff (PT), a afastada, de retornar ao Palácio do Planalto beira o insondável. À vontade no papel de opositora-mor da República de Michel Temer, o interino, ela aparenta almejar o regresso. Para o PT, no entanto, o melhor desfecho é menos evidente.
Afinal, os descaminhos, a recessão econômica e os malfeitos deixados por Dilma prosseguem em marcha batida. Melhor adentrar a história como vítima ou como incompetente?
No retorno à política, ela encontrará parlamentares habituados, depois de 13 anos, a frequentar o Planalto e a residência oficial do presidente. Enquanto Temer faz dos rapapés palacianos sua rotina, Dilma sempre preferiu cercar-se de acólitos, que, receosos das invectivas, restringiam suas manifestações ao vocativo imposto: "Sim, senhora presidenta".
Voltará ela a enxotar dos salões presidenciais os parlamentares que hoje lá transitam com desenvoltura? Como fará a mandatária para recompor a maioria parlamentar que chamou de "golpista"? Dirá que sua monotemática campanha foi apenas arroubo retórico?
Na economia, seu eventual regresso encontrará um caixa deficitário de R$ 170,5 bilhões, o maior da história. Produzido por sua gestão, trata-se de impeditivo para alavancar os projetos sociais que, afora a estabilidade econômica, popularizaram seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além disso, o anúncio do retorno de Dilma será a centelha para frear investimentos, embargar novos empregos e convulsionar mais as ruas. O pragmatismo de Temer cederia lugar à política econômica furta-cor da mandatária regressada, entre a ortodoxia envergonhada e a heterodoxia voluntarista.
No campo policial, como confidenciou o ex-presidente da República, José Sarney (PMDB), a volta de Dilma vai se deparar com a "metralhadora" da Odebrecht. E, em que pesem os reclames dilmistas de que a operação Lava-Jato mira apenas o PT, são o mandatário plantonista e seu partido que acabam por se tornar o alvo principal de investidas "denuncistas".
Vide as manchetes dos matutinos, que, dia sim, outro também, desferem petardos contra a cúpula peemedebista. Aliás, munição que, oportunista, o PT dispara agora contra Temer como se antes desconhecesse as fraquezas do velho aliado.
Por outro lado, se permanecer na posição vitimada, de que foi destituída por um golpe, poderá seguir em frente na senda propagandística desenhada como narrativa escapatória. Na oposição, trincheira onde o PT é mestre, arquitetará o fracasso do sucessor - pavimentando a volta ao poder em 2019.
A tudo isso somam-se as injunções políticas das lideranças petistas. Boa parte do PT e dos movimentos sociais despreza a afastada. Culpam-na pelo fracasso petista.
Toleram-na apenas por ser incontornável tê-la como títere na linha de frente oposicionista. Olívio Dutra, petista crítico e de boa cepa, pondera, em entrevista ao Valor Econômico, que "neste momento, o PT vai aprender muito mais se perder".
Enquanto alguns petistas hesitam entre voltar ao poder para fazer mais do mesmo e buscar a refundação, a legenda continuará interpretando seu papel de vítima, tendo Dilma como protagonista. Diante do torvelinho de denúncias a tese do golpe tenta ofuscar a mácula inapelável de uma sigla que se enxovalhou com as mesmas práticas que denunciava nos oponentes.
E Temer com isso?
Na política, o adversário de hoje é o aliado de amanhã. Quem tiver este escrúpulo procure outra ocupação. No entanto, nesse momento é improbabilíssimo que PT e PMDB voltem a compor, pois disputam o mesmo espaço. Assim, restam ao interino poucas alternativas para se efetivar na presidência.
A mais óbvia é entregar o governo, e sua alma, ao Senado. Somente os 81 integrantes da Câmara Alta têm o poder de transmutar o mandato interino em definitivo. Cargos, sinecuras, liberações orçamentárias e outros inconfessáveis regalos mimariam os senadores até que, talvez em agosto, a imolação senatorial de Dilma seja consumada.
Mais trabalhosa, a investida em ações que sinalizem mudanças efetivas na economia pode render ao noviço créditos entre seus apoiadores - desde que evite polêmicas, como a reforma previdenciária. Se não pode consertar nenhum estrago da predecessora em pouco tempo, pode reverter as expectativas agourentas que travam o país há mais de dois anos.
A encarniçada refrega política não vai parar. Há uma eleição municipal em outubro; e a sucessão presidencial, diante da barafunda partidária, foi antecipada. Porém, a cidadania incomoda-se menos com a escaramuça política quando a inflação está controlada, o emprego garantido e a renda banca o sustento, ainda que este cenário represente um alento futuro.
Outra iniciativa é propagandística. Levando-se em conta que os milhões de eleitores que foram às ruas, o empresariado, os banqueiros, a mídia e a maioria dos parlamentares não desejam a volta de Dilma, o interino pode advertir, entre uma mesóclise e um latinismo, que, ruim com ele, pior com ela.
Em pouco mais de duas semanas de governo, Temer enfrenta reveses aos borbotões - parte por conta de suas próprias iniciativas. Parte pela inescrutável Lava-Jato. Outra porção por seus incômodos aliados, como o deputado Eduardo Cunha (PMDB).
Nada, ou quase nada, pode fazer o novato mandatário contra os juízes da Lava-Jato, Sergio Moro e Teori Zavascki, o fechado, que ditam os rumos da investigação. Assim, sobram escassas alternativas e acelerada contagem regressiva.
Paparicar senadores, urgir para que o ministro Henrique Meirelles endireite a economia e convencer os eleitores que ele, Temer, é remédio menos amargo são as possibilidades de ocasião. A outra hipótese é a volta de Dilma e suas imprevisíveis consequências.
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