segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CARNAVAL DO RIO DÁ LIÇÃO MUNDO RAIVOSO

Por Luis Turiba
O Rio de Janeiro é uma cidade tão intensa em todas as suas atividades cotidianas – seu povo, a natureza, trânsito estressado, ações sociais, culturais, policiais, etc – que você tem a impressão que está sempre perdendo alguma coisa importante em algum lugar imaginário.

Para quem vem de 36 anos de Brasília, a capital dos espaços urbanos burocráticos e conspiratórios, como venho, essa sensação ganha dimensões transcendentais.

Em Brasília, ao se sair de casa ouvindo o gorjear dos pássaros, o canto dos galos e um latido de cão perdido na imensidão do cerrado, levasse alguns quilômetros por avenidas largas até surgir algum acontecimento digno de registro. Às vezes, um dramático desastre de trânsito encurtava essa demanda e congestiona sua visão.

No Rio, mal você bota os pés na rua, começa a acontecer tudo ao mesmo tempo agora. A cidade tem seu frenético ritmo, um pulsar repleto de zumbidos, tiques nervosos e surpresas inebriantes. É disso que se alimenta o carioca.

Um vendedor de biscoitos pode quebrar bem cedo o jejum ao gritar seu pregão a plenos pulmões enquanto você desce a rua barbeado e perfumado: "rooooooooooosquinha! Quem quer comer minha roooosquinha!!! Tá quentinha e é goooooostosa!". Pronto, só isso já cria uma ambientação teatral na cena urbana. E você vai andando pelas calçadas que são verdadeiras feiras permanentes onde mulheres exuberantes desfilam suas gorduras encantadoras como se estivessem em passarelas fashions.

Dependendo de onde você mora, isso piora (ou melhora) e muito. Tem um doido em cada esquina e uma esquina para milhares de freadas e buzinadas. Um maluco de bicicleta, um camelô artista, um artista sem platéia. Funcionários da prefeitura com lambretas de baianos azucrinando seus ouvidos ao cavucar esgotos, fiações e outras conexões.

Quando se chega na semana pré-carnaval que estamos vivendo, esses micros acontecimentos multiplicam-se numa dimensão inconcebível. Uma simples saída do Cordão do Bola Preta arrasta 100 mil pessoas pela Avenida Rio Branco. Mas isso não é nada, pois espera-se um milhão na manhã do próximo sábado quando o centenário bloco abre oficialmente o Reinado de Momo.

A carnaval de rua do Rio já ultrapassou em muito as dimensões do de Salvador. Para esse ano, as previsões mais otimistas dão conta de seis (6) milhões de pessoas nas ruas brincando em quase 300 blocos, bailes, escolas de sambas e de bambas. A cidade ferve e tome beijo na boca, muito mais por conta das mulheres que dos homens. É o prazer pelo prazer... e muito prazer em não te conhecer.

Jovens, jovens, como é bom ser jovem. Ele lê com atenção o que está escrito entre um vagão e outro do Metrô: "Não abra essa porta! Perigo de Morte por choque elétrico". Bem, o que ele faz? Abre a porta e passa corrente de um vagão para o outro desafiando a sorte e a morte.

Enchem a cara de vodka num calor de 44 graus e baixam enfermaria para sessões de glicoses na veia. Mas sem eles não existiria carnaval no Rio de Janeiro, pois são eles que fazem a beleza da festa com seus irresponsáveis desafios e seus cânticos de guerra e paz, subindo e descendo, ratatara ratatara.

E aí se juntam em blocos com nomes sui generis como "Já que pegou amassa", "Vem min mim que sou facinha", "Rola preguiçosa", "Que merda é essa", etc.

Ontem, domingão de Flamengo campeão, além do adorável "Suvaco do Cristo" que passou a sair às 9 da matina para evitar superconcentrações, fui no bloco dos Malucos Beleza – o "Tá Pirando, Pirado, Pirou". Só num carnaval como o do Rio de Janeiro é possível se fazer com sucesso um bloco que há sete anos desfile sua ação contra manicômios, hospícios e outras prisões da mente e do pensar. O bloco sai com o patrocínio da Petrobrás e da ONG Brazil Foundation.

Desfilou do Pinel para a Urca de Roberto Carlos  com o enredo "As 7 Maravilhas do mundo: ver, ouvir, provar, amar, sentir, rir e fazer fotossíntese". O genial samba de Nico da Cavaco, Roni e Bisqui da Fatinha dizia lá pelas tantas: "O Tá Pirando não vem de Win Wenders/ Com seus anjos morrendo de inveja/ Mirem-se no exemplo dessa flor/ Ama a luz mesmo cega/ Bethoven compôs sendo surdo/ A nona sinfonia genial/ Maestro assopra o apito/ Chegou o carnaval." 
E assim o Rio encarna o grande hospício do "Vai Passar" do Chico dando lições ao mundo nebuloso que ainda é possível se viver com alegria, ritmo e zoeira. 

 

 

Um comentário:

Cacá Pereira disse...

Turiba, somo ambos cúmplices do carnaval. Carnaval é uma explosão no coração do mundo, que é a parte do corpo planetário que batuca. Se batuca, balança, se balança canta,cantando versa, rima, emociona.Carnaval é o contágio de um vírus vital chamado alegria. Nossa fantasia é cor no corpo, nossa máscara não esconde, revela um povo. E nossa ginga sugere: "mundo nebuloso, entre na luz e seja eterno por três dias"...