segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

PERNAMBUCANOS NO RIO, UMA CRÔNICA DE MAURÍCIO MELO JÚNIOR

UM RIO PERNAMBUCANO

Essa mania que pernambucano tem de arribar. Num momento ou noutro da vida, por necessidade, pressão política ou desengano sentimental, a gente termina por correr trecho. Há os que ficaram na terra, como Gilberto Freyre, mas esse viajou tanto que hoje é nome de aeroporto. E algum leitor certamente vai lembrar do compositor Capiba. De minha parte acho que esse não se foi para justificar uma de suas belas frases: "Não quero ser um compositor carioca nascido em Pernambuco".

Temos um Capibaribe nos empurrando para frente, um Capibaribe que vence o mar e aí se torna água do mundo. Isso sem dizer de nossa capacidade antropofágica, nossa arte de transformar em nossa a terra alheia.

Outro dia ouvi numa rádio – coisa raríssima – a Orquestra Tabajara tocando um choro. Um amigo, bom conhecedor de música, proclamou:

- Veja que beleza, que coisa brasileira, mais que brasileira, carioca.

- Mas é o Espinha de Bacalhau, um chorinho de Severino Araújo, um sujeito que aprendeu a tocar clarinete em Limoeiro, em Pernambuco. – Respondi.

- E lá vem você dizendo que tudo que há no mundo nasceu em Pernambuco.

Não exagero, mas parte disso bem que é verdade. E no mais, essa história é antiga. No choro mesmo João Pernambuco, isso no início do século XX, já fazia escola no Rio de Janeiro com seu Interrogando. E ninguém retratou tão perfeitamente a alma carioca quanto o pernambucano Nelson Rodrigues. Seus personagens sem caráter, o marido que beijava a irmã da mulher, o padre de passeata, o subúrbio infestado de uma vida incrivelmente medíocre e fascinante, tudo tão Rio de Janeiro, tudo tão Nelson Rodrigues.  

De fato, temos farinha para todos os bisacos.

O protótipo do malandro carioca dos idos de 1930 foi Madame Satã. João Francisco dos Santos, cozinheiro de ofício, escandalizava a Lapa fazendo shows onde imitava as divas da época. Homossexual assumido, capoeirista de escol, era imbatível na briga. Costumava segurar na barriga e proclamar: "Pode vir que eu amasso, daqui prá cima eu sou macho". E era. Numa dessas brigas provocou a morte do compositor Geraldo Pereira. Foi preso. Saiu da prisão pouco antes de morrer, aos 76 anos. Pois bem, o cabra nasceu em Glória do Goitá.

Bom de briga por bom de briga temos ainda o Almir, o Pernambuquinho. Excelente jogador de futebol, disputava com Pelé o título de craque maior, mas não foi à Copa de 58 por conta de suas encrencas. Jogava pelo Vasco e encerrou a carreira no Flamengo quando, após perder uma decisão por três a zero para o Bangu, perdeu a paciência e bateu em todo time, isso mesmo, em todo time adversário. Esse Edmundo de hoje em dia é pinto pro nosso Almir.  

Pernambucano é assim. Se sente em casa em qualquer lugar que esteja. De Girau do Ponciano a New York. Mas no Rio de Janeiro a coisa é mais séria.

Antônio Maria, por exemplo, foi outro carioquíssimo pernambucano. O Menino Grande era em essência o espírito dos anos 1950. Cronista, locutor de rádio, jornalista, compositor e, sobretudo, boêmio, foi irresistível em tudo que fez, até nas polêmicas que armou. Uma de suas incontáveis brigas com seu amissíssimo  amigo Fernando Lobo – outro pernambucano – se deu por conta de um boato. Diziam que Fernando havia espalhado ser ele o verdadeiro autor da letra do clássico Ninguém me Ama. Maria foi implacável: "Se a letra fosse dele o verso de fracasso em fracasso estaria escrito com cedilha". Uma forma até elegante de chamar alguém de analfabeto, diga-se, mas grande injustiça.

Fernando Lobo foi genial como escritor, compositor e produtor cultural. Basta dizer que compôs o samba-canção Chuvas de Verão e a carnavalesca Nêga Maluca. Nos idos de 1940 chegou a empresariar grandes artistas brasileiros, como Carmem Miranda, nos Estados Unidos, mas não tinha vocação para a riqueza. Voltou pro Rio. Voltou a ser radialista e a passar horas de boêmia e boas conversas nas mesas do bar Vilariño. Produziu impagáveis programas musicais para a TV Cultura e, de lambuja, ainda era pai do brilhante compositor Edu Lobo, que não nasceu em Pernambuco por mero acaso, mas, em compensação,  escreveu o belíssimo frevo No Cordão da Saideira.

O bar Vilariño anda esquecido, mas foi ponto de um Rio ainda ingênuo, o Rio do Amigo da Onça, grande criação de Péricles, outro pernambucano.  Hoje a malandragem está mais para a esperteza que inspirou o malandro Bezerra da Silva, também um pernambucano. O resto da música se faz com esses roquezinhos românticos do Michael Sullivan, um sujeito grandão nascido em Batateira, mas que vive no Rio.

Parece sina, essa coisa de arribar pro Rio.

Agora mesmo tomei conhecimento de outro caso.

O poeta Luís Turiba, depois de levar uma carreira dos meganhas da ditadura, tomar uns tapas dos mesmos (escreveu o nome no livro Brasil: Nunca Mais), foi morar em Brasília e revolucionou a cena cultural da cidade. Pois bem, eu o encontro e ele me vem com a notícia: "Estou me aposentando". Quis saber o que iria fazer da vida. "Vou mudar pro Rio para estudar o samba". Logo o samba, esse balanço que o Frei José Fialho, em 1726, proibiu de ser tocado no sertão posto que era imoral a dança de homem com mulher. Turiba, que não liga muito para as proibições religiosas, já tem até o roteiro de um documentário praticamente pronto. Preciso dizer que esse cabra é do Recife?

Ô sina… E eu que queria escrever sobre o rio Capibaribe.    

Um comentário:

Anônimo disse...

Maurício querido,

Que texto maravilhoso. Valeu demais por ter me incluído entre tão ilustres pernambucanos.

Mas sua crônica me fez lembrar um livro que você tem de ler. MISTÉRIO DO SAMBA, do Hermano Vianna, sociólogo e antropólog, irmão do Herbert do PARALAMAS DO SUCESSO.

O livro é um BEABÁ pra quem tá estudando samba como eu. Conta uma das histórias, talvez a mais importante, de porque o samba de ritmo proibido transformou-se em marca maior da cultura brasileiro.

O livro conta uma visita que Gylberto Freire fez ao Rio, na década de 30, e foi levado por Sérgio Buarque de Hollanda e Afonso Arinos a ouvir "música de preto" com os Oito Batutas, conjunto de Pixinguinha. Daí, nasceu um amor entre intelectuais da classe domiante e o samba de raiz.

É maravilhoso e tem um PERNAMBUCANO mostrando que o SAMBA é que o o BAMBA.

AGRADEÇO TB SUA VISITA A FEIRINHA BRIC-A-BRAC

VALEU E ABRAÇÃO

DO RIO MANDO MEUS CONTATOS

TURIBANO