CABARÉ "BURACO DA LACRAIA" ROUBA A CENA NA LAPA
Por Luis Turiba
O teatro tem de ter algo da vida real, mas ao mesmo tempo é obrigatório transcendê-la. É desse exercício pendular entre o "aqui e agora" e a utopia imaginária, que nasce a sensação de pertencimento contido em todo sonho estético. Algo que parece até fácil, mas "puxa! por quê não pensei nisso antes?"
Gosto muito das comédias. Uma das funções do teatro é fazer rir, gargalhar de quase fazer xixi, desopilar o fígado tão sofrido das contrariedades cotidianas. Rir ainda é o melhor remédio, mas contentar o público não é missão fácil. A vida anda dura, companheiro.
Mas de repente a gente descobre uma trupe que está vencendo essa olimpíada. Há seis meses, na calada da noite, o "Buraco da Lacraia Dance Show", uma peça fora dos prumos e dos cânones do teatrão comercial, domina a cena teatral da renascida Lapa.
São cinco atores que fazem performances musicais representando com alegria (a prova dos nove do Modernismo) e criatividade uma espécie de cabaré alemão musical/nonsense num dos espaços gays mais cultuados do Rio de Janeiro: o Buraco da Lacraia (Rua André Cavalcante, 58, Lapa).
Espaço micro, poucas mesas, muita gente de pé, casais héteros e gays. Cerveja "grátis" e, quem quiser, uma caipirinha no capricho. No palco, luzes disformes que mais parecem uma suburbana árvore de Natal montada com peças vindas da China vendidas por camelô no Saara.
Os cinco atores entram em cena cantando um estranho hino com toque evangélico de nos causar arrepios: "entra no meu buraco/ entra que tem bebida/ a vida de artista é dura/ eu não pago minhas dívidas/ recebo minha entidade/ minha pomba-gira ri". Parte do público canta junto, pois conhece a peça que se desenvolve numa linguagem karaokê.
A partir daí, o palco vira um grande Programa do Chacrinha com direito a abacaxis e bacalhaus voando pela sua cabeça. São quase 15 diferentes esquetes musicais que nasceram do laboratório vivo desses seis meses de tentativas, erros e acertos. Pra começar, um Pintinho Amarelinho canta o clássico infantil numa linguagem "zaum/qualquer coisa" com sotaque alemão de cais do porto. A partir daí tudo vai se desenrolar magicamente como num carrossel de surpreendentes recordações da cena musical popular brasileira.
Música de churrascaria? Tem a "Boate Azul", sucesso em puteiros do interior do Goiás, uma das boas interpretações de Sidney Oliveira. Há uma sub-Maria Betânia recitando ridiculamente "Cartas de Amor são Ridículas" de Fernando Pessoa; enquanto um casal refaz a ridícula cena de amor do Titanic; Bibi Ferreira, hilária, trêmula e passada, cantando "Milord" em um francês pragmático; as frustradas tentativas de uma sambista eletro-rítmica em acertar o passo do samba e até uma Amy Winehouse cantando "Falso Brilhante."
As apresentações são sempre às 23 horas das sextas-feiras. A peça é um desses milagres da cultura carioca. Quem ainda tem na memória o impacto do "Trata-me Leão" do grupo Asdrubal Trouxe o Trombone, na década de 70, com toda aquela surpreendente força amadorística que quase todo começo potencial deve ter. Não sei se estou errado, mas me lembrei.
Patrícia Pinho, a atriz da trupe, me contou que tudo começou em Maio deste ano com R$ 2.500,00 em caixa. "A ideia era fazer quatro espetáculos e pronto!" O sucesso foi tanto que, recolhendo grana daqui e dali, estão em cartaz há seis meses, sempre de casa cheia (120 por noite), e uma perspectiva de transformar-se em um "Cabaré Móvel" durante o verão carioca.
Há na peça duas cenas que, se você não se segurar, vai sair molhado do teatro. A primeira é totalmente incorreta do ponto de vista político-comportamental. Puristas ficam chocados quando a cantora cega Kátia, amiga de Roberto Carlos, interpretada magistralmente pela própria Patrícia, entra no palco do Chacrinha como uma fissurada tarada, apalpando e se esfregando em quem vê pela frente. Declara-se "uma piranha visionária da música" faz um estonteante strip-tease ao som do rap "Kátia Flávia" de Fausto Fawcett, numa versão de Luis Lobianco, o ator que faz a Betânia e a Bibi.
A outra cena tem tudo para se eternizar na história do teatro musical-escrachado carioca. O ator Eber Inácio canta "Escrito nas Estrelas", trazendo à cena o encontro romântico inusitado e quase erótico entre a Princesa Leia e o Darth Vader, da ópera espacial "Guerra nas Estrêlas", num inusitado dueto entre o tom quase agudo-passarinho de Teté Spíndola, e a voz metálica tenor de Darth Vader. A cena se completa com uma meteórica participação de uma alienígena humanóide, encenada por Letícia Guimarães.
Mais detalhes não vou contar. Aposto nesse buraco e recomendo. Tem tudo para ser sucesso quente verão que se anuncia. A peça é a cara da Lapa, desse Rio andrógino, gaiato, inventivo, escrachado, cantante e dançante que hipnotiza terráqueos dessas e outras praças e planetas. Procurem se inteirar, portanto. O riso é um reino e gargalhadas fazem voar. Afinal, ninguém deve se levar muito a sério nessa vida cheia de buracos da Lacraia.
3 comentários:
Lindo o texto e maravilhosa a apreciação, Turiba!
Sou suspeitíssimo pra falar dessa peça porque já assisti uma pá de vezes. A cada vez que assisto, rio e me divirto mais! Realmente não há nada comparável por aqui e a irreverência é realmente de outro mundo.
Aos que têm incontinência, caprichem no fraldão porque vão precisar!
Emocionado com o texto! Traduz perfeitamente todo nosso tesão! Somos devotos deste show. Chorar de rir e lambuzar-se de cerveja é sério, vital. Beijos!
Luis Lobianco
poxa que maravilha!!!!!! que honra sua descrição beijos mil na bunda pat pinho
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