sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Fwd: Orlando Senna - Agosto

AGOSTO

Por Orlando Senna

Agosto é considerado, em várias culturas, como um mês de azares e tragédias. Na Europa essa visão negativa do oitavo mês do calendário possivelmente teve início, segundo alguns historiadores, no século XVI com o episódio conhecido como Noite de São Bartolomeu, em Paris: em agosto de 1572 a rainha mãe da França, a católica Catarina de Médici, ordenou o massacre de milhares de protestantes. Segundo os católicos da época foram dois mil mortos, segundo os protestantes foram 70 mil. A partir de então, vários acontecimentos desastrosos acontecidos durante os agostos são enumerados pelos que se interessam por esses temas estranhos, entre eles o começo da Primeira Guerra Mundial em 1914, as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945, a construção do Muro de Berlim em 1961 e por aí vai.

O mês de agosto foi inventado por Otávio Augusto, primeiro Imperador romano, sobrinho e filho adotivo de Júlio César, o primeiro César, homenageado com o mês de julho. Otávio, que se auto proclamou Augustus (ou seja, sagrado), também queria um mês com seu nome e surgiu agosto, que antes se chamava sextilis por ser o sexto mês. Otávio Augusto rebatizou o mês, que passou a ser o oitavo no calendário e a ter 31 dias (como julho). Ao contrário da fama azarada desse mês, seu governo de quase meio século ficou conhecido como Pax Romana, um período em que não aconteceram invasões "bárbaras" ao império. Mas, para não fugir tanto à regra, Otávio Augusto morreu em agosto. Os numerólogos dizem que a má fama ou a maldição de agosto não tem nada a ver com o fato de ser o oitavo mês, com o número oito, que representa o resultado do que foi feito no passado, um prêmio ou um castigo segundo o que o indivíduo ou grupo fez. E, como sabemos todos, o oito deitado representa o infinito.

Em alguns países da América Latina, como México e Brasil, o mito do "mês do desgosto" é bem forte. No Brasil, alimentado pelo suicídio de Getúlio Vargas em 1954, pela renúncia de Jânio Quadros em 1961, pelo misterioso acidente de carro que matou Juscelino Kubitschek em 1976, pela morte de Glauber Rocha em 1981, pela morte de Miguel Arraes em 13 de agosto de 2005 e de seu neto Eduardo Campos no mesmo dia e mês deste ano de 2014. Glauber era impressionadíssimo com os azares de agosto. No agosto de 1976 ele apareceu em minha casa, no Rio, inquieto porque sentia que alguma coisa muito grave ia acontecer no Brasil, na política brasileira. Temia que o azar de agosto alcançasse Jango Goulart, que estava na Argentina. Era o dia 22 de agosto e ainda não sabíamos que Juscelino Kubitschek morrera na Via Dutra. A morte de Jango, até hoje sob suspeita de assassinato, ocorreu quatro meses depois, em dezembro do mesmo ano. Glauber subiria ao céu dos poetas e profetas exatamente cinco anos depois, também no 22 de agosto. 

Imagino como Glauber estaria inquieto no início deste agosto que está terminando, se entre nós ainda estivesse. É que estamos vivendo um agosto muito especial na história calendária, um tipo de agosto que nenhum de nós viverá outra vez: um agosto com cinco sextas-feiras, cinco sábados e cinco domingos, fenômeno que só acontece a cada 823 anos. Feliz setembro para todos, feliz primavera para o Brasil.

Por Orlando Senna


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