sexta-feira, 26 de setembro de 2014

TRÊS OU QUATRO HISTÓRIAS DE CHICO BUARQUE

 

Luis Turiba

"Ouça um bom conselho/ que lhe dou de graça/ inútil dormir/ que dor não passa"

 

Venho aqui como poeta falar de um outro poeta: somos todos Chico Buarque.

Consciente de que este é um conceito genérico, quase uma palavra de ordem, quem sabe título de poema, espero que algumas histórias que vou contar aqui possam iluminar ainda mais o artista Chico Buarque, na sua poética e musicalidade do dia a dia. Ele é um pouco de todos nós também.

Luz! Queremos luz. Nada mais justo. Tanto para o artista, que na essência de sua obra sempre optou pelo olhar e sentimento do outro e para o outro; como para nós, que nos orgulhamos de tê-lo como um atento e detalhista fotógrafo musical, e mais recentemente literário, de nós mesmo, que na barriga da miséria nascemos brasileiros.

E como é bom saber que todos somos um pouco Chico Buarque de Hollanda.

Digo isso salivando poesia pelos cantos da boca, agradecendo ao Instituto de Letras da Universidade de Brasília pela realização deste simpósio acadêmico sobre um compositor popular que transcendeu a todas as academias – musicais, literárias, políticas, futebolísticas. Em suma: 70 anos é pouco para uma obra tão transbordante.

Na roda viva que vivemos, todos aqui presentes e os que estão circundando e circulando por este campus universitário, território vivo e livre de Darcy Ribeiro, certamente já viveram, vivenciaram, presenciaram circunstâncias e episódios das personas e dos personagens de uma de suas 600 e tantas canções. Por isso, reafirmo: as histórias de Chico são nossas histórias.

Isso não é novo. Pego emprestado esse conceito de Tárik de Souza, um dos mais refinados críticos da MPB que a minha geração conheceu. Tárik usa um termo de Ezra Pound – "antena da raça" – para definir essa encarnação do coletivo na obra desse compositor popular. Abre aspas:

"Ninguém como ele na MPB contemporânea interpretou com tal sabedoria a fantasia "dos infelizes", "dos desvalidos", e cantou o que "anda nas cabeças, anda nas bocas".

A citação de Tárik está no artigo "O que não tem censura nem nunca terá" publicado originalmente no livro "O som nosso de cada dia" e depois republicado em um outro livro "Chico Buarque do Brasil", da Editora Garamond em parceria com a Biblioteca Nacional, organizado por Rinaldo de Fernandes para os festejos dos 60 anos do compositor. Um livro escrito há 10 anos que mantém sua atualidade. Nessa edição, inclusive, há um artigo do querido José Castello – O carrossel iluminado.

Por cantar o coletivo da nossa gente, Chico não é um compositor de certezas, embora tenha sido considerado uma unanimidade nacional no início da carreira, na primeira metade dos anos 60. Transformou-se alguns anos depois, com o avançar da sua obra rumo aos problemas sociais do país, no artista-inimigo número um da ditadura militar. Foi de todos, o mais censurado.

Nessa época, todos vimos a Banda passar pela Roda-Viva dos Desalentos. Fomos operários da construção dessa nação e quantos de nós morreram na contramão atrapalhando o tráfego: guris e pivetes, malandros e damas, rainhas e cafetões, traídos e traidores de amores e de todas as dores do mundo.

Correndo da cana-dura e das encruzilhadas da vida, seguimos na travessia do tempo, com ele sempre nos cantando e encantando. No masculino e no feminino. Quantos descuidos dessas moças para com esse anjo safado em tempos de delicadezas e barras pesadas. E elas não são poucas: Carolinas, Madalenas, Teresas, Ritas, Januárias, Cristinas, Bárbaras, Joanas, Anas, Luisas, Helenas, Lígias, Beatrizes. Iracemas, e até Silvias. Quem aqui nunca jogou bosta na Geni que atire o primeiro coquetel molotov feito por Nina numa noite de Moscou?

Sofremos na pele e na alma a censura e os horrores de uma ditadura que durou duas décadas e tivemos um retrato em branco e preto de um amor que volta sempre a enfeitiçar na desbotada parede de um lar de gente humilde no subúrbio da periferia.

Quanta sorte em tê-lo como fundo musical da nossa travessia. Chico contou nossas histórias como um bloco de vai passar num tempo-página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações. Com ele, o samba, nossa maior manifestação de identidade cultural, ganhou novos contornos. Foi um bloco de rua, ou de sujos como preferirem, tipo o Pacotão dos bons tempos, que revelou que "nossa pátria mãe tão distraída dormia sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações."

Enfim, Chico é um contador de histórias, não um historiador. Fazemos parte do seu mosaico de personas. Histórias onde o final não é feliz nem infeliz. Todas com suas insignificâncias, acontecências e incertezas. Histórias que rolam pelas tabelas e pelas cabeças. Mas Chico também tem as suas histórias.A primeira que quero contar aqui para vocês me foi segredada por seu parceiro e companheiro de geração Gilberto Gil, com quem tive a honra de trabalhar e conviver no Ministério da Cultura do primeiro governo Lula. O ex-ministro, por sinal, considera que Chico tem um papel "constituinte" da sua geração.

Gil e Chico se conheceram na época dos primeiros festivais da TV Record, nos idos de 65/66, num bar chamado Redondo, na Avenida Consolação, no centro de São Paulo, onde se encontravam artistas e intelectuais da época para criar e conspirar. Chico era estudante de Arquitetura da USP e Gil trainee da Gessy Lever na área de administração. Numa roda de violões, músicas e chopps, um mostrou ao outro canções inéditas que depois viriam a ser apresentadas nos festivais. Gil ficou impressionado com os sambas diferenciados daquele estudante e guardou boas impressões do moço de olhos cor de ardósia.

O tempo passou, Gil voltou para a Bahia para as festas de fim de ano com a família. Andando rumo ao elevador Lacerda, na cidade alta de Salvador, ele dá de cara de repente com um jovem cego, chapéu e óculos escuros, junto com duas outras moças, tocando violão e pedindo uma ajudinha. Aquele som e aquele jeito lhe soaram familiares e Gil parou para observar melhor a cena. Cismado, resolveu tirar a limpo a situação e chegou bem perto até conseguir identificar os olhos ardósia do cego de sotaque paulista. "Você aqui rapaz, dando uma de cego". Aí Chico gargalhou e respondeu: "Tô me virando pra conseguir algum para minhas férias."

Chico gosta de se misturar no povo. Embora tímido, adora andar pelas ruas das cidades. Quando está no Rio anda diariamente no Leblon, sempre com passadas largas, cabeça baixa, os pés "dez pras duas", sacudindo os braços.

A próxima história quem me contou foi a jornalista Regina Zappa que já escreveu pelo menos três livros sobre o nosso personagem. Essa história também está no livro já citado "Chico Buarque do Brasil", num artigo que Regina titulou como  "Vertigem".

"Já aconteceu de ele, divertidamente, encarnar suas próprias invenções, como no dia em que me deparei com um desleixado entregador de flores, diante da porta do prédio de uns amigos, onde eu ia para um almoço de aniversário. O motoqueiro de tênis, calça preta de moleton, camiseta escura e um capacete preto com um visor que escondia o rosto, esperava pacientemente que alguém abrisse a porta para entregar as flores. Perguntei se ele tinha tocado a campainha do terceiro andar e se já vinham abrir a porta. Fez que sim com a cabeça. Enquanto esperava, olhei a moto estacionada na calçada perto do portão, uma scooter de azul reluzente. Achei que aquilo não combinava muito com motoqueiro entregador de flores. Aí me deu um estalo. Era o Chico. Sabia que ele andava naquela época passeando incógnito pelas ruas do Rio, pilotando uma scooter azul e que ele tinha sido convidado para o almoço. Então aquele ali na minha frente com um vazo de orquídeas nas mãos, se passando por entregador de flores do aniversário, ao qual ele não compareceria, só podia ser o Chico.

"Chico é você?" A porta se abriu, ele entregou a flor, recebeu a gorjeta e saiu em direção a sua moto curvando-se de rir, deu um adeusinho e zarpou pela cidade, montado no anonimato, divertindo-se com a própria travessura".

Agora, a última história, que me é muito cara e me traz muitas saudades boas, pois envolve Dona Lourdes, uma mulher que não está mais entre nós, mas que viveu à frente de seu tempo. Dona Lourdes foi minha mãe e desde cedo me ensinou a amar a música, os Beatles e os Rolling Stones. Ela, alagoana, também transformou-se em personagem das histórias desse moço Chico.

Lourdes e Alderico Toribio, que fez parte da equipe do dicionarista Aurélio Buarque de Hollanda, foram morar no Recreio dos Bandeirantes, para além da Barra da Tijuca, bairro longínquo, muito mato e terreno baldio, na hoje superpopulosa Zona Oeste carioca.

 

Quando eles foram morar no Recreio, o bairro era realmente um desertão distante da Barra. Mamãe ficou logo amiga da vizinhança. Seu papo era irresistível. Naquele ambiente, se bem me lembro, moravam Fábio Júnior; o general-presidente (na época) João Figueiredo, que se recuperava da sua cirurgia cardíaca; e no quarteirão a frente estava o campo do Politheama, time do Chico Buarque.

Pois não é que Dona Lourdes se dava com todo mundo. Ela tinha gosto por fazer sucos, era sua paixão. Fazia suco de tudo. E quando o general Figueiredo passava em frente da sua casa fazendo caminhadas de recuperação cardíaca, ela lhe oferecia sucos de mangaba, de abacaxi com morango, de manga com gengibre, sabores exóticos da sua alquimia doméstica.

Com Chico fez amizade que durou anos. Ele lançava um LP e trazia pra ela autografado. Estão todos bem guardados. Também, a cada grande jogo que tinha no Politheama, ela levava sucos para todo mundo saborear no final. Consta a lenda que o Politheama jamais perdeu em casa. Mas mamãe não entendia nada de futebol. O que ela gostava mesmo era de fazer sucos para o Chico.

Um dia Chico lhe fez uma encomenda especial. "Vem um pessoal de fora jogar aqui. Posso lhe encomendar uns 10 sucos diferentes? Eles querem provar as frutas brasileiras. Tá aqui o dinheiro!"

Dona Lourdes, óbvio, não aceitou o dinheiro, mas no dia combinado levou num carrinho mais de 15 jarras de sucos diferentes e algumas misturas mágicas. Tinha até de jaca, jabuticaba, pitanga, amora, saputi. Terminado o jogo, os sucos de Dona Lourdes fizeram o maior sucesso com aqueles negros cabeludos.

À noite, por telefone, perguntei sobre o jogo. Inocentemente, ela me contou: "Filho, eram uns negros bonitos, com umas tranças cumpridas, que suaram muito com o calor do Rio. Adoraram os sucos, beberam tudo, não deixaram uma gota. Principalmente depois que fumavam uns cigarrinhos cheirosos e passavam de mão em mão".

Ou seja: Dona Lourdes, entre tantas coisas que realizou nesse mundão, saciou a larica de Bob Marley e sua banda The Wailers depois de uma pelada esfumaçada no campo do Politheama.  E por tabela, palavra tão utilizada no repertório buarqueano, acabou se transformando também numa personagem viva de uma das muitas histórias de Chico.

 

 


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

CHAMPANHE OU CACHAÇA?

Por André Gustavo Stumpf, Jornal de Brasília


Ninguém ainda decifrou o enigma chamado Marina Silva. Nascida em um seringal no Acre, Amazônia Ocidental, alfabetizada na adolescência, dona de uma carreira política interessante, duas vezes senadora da República, ministra importante no governo Lula, tem história e vivência na política. Não é noviça, embora seja jovem aos 56 anos. Sobreviveu às dificuldades naturais de quem nasce no lugar errado. O interior do Acre não é fácil para ninguém.

Ela ultrapassou com dificuldades o bombardeio cerrado promovido pelo Partido dos Trabalhadores para defender a candidata Dilma Rousseff. Jogaram tantas bombas na adversária que elas também explodiram junto aos petistas. Dilma subiu pouco nas pesquisas de opinião. Marina conservou-se no seu segundo lugar. Aécio somou mais alguns pontos na tabulação dos institutos de pesquisa de opinião.

Modelo - O governo Dilma já mostrou a que veio. Se o PT continuar no poder vai repetir os mesmos erros, porque a visão da presidente, sobretudo na área econômico-financeira, já está declarada. Ela enxerga o mundo por intermédio de lentes dos anos setenta do século passado. Foi o período da chamada substituição de importações – que teve por objetivo trazer mais empresas para o Brasil, defender as existentes por intermédio de proteção tarifária e esquecer de dar qualidade e bom preço ao consumidor brasileiro. O modelo se inspira também no tripé iniciada, muito lá atrás, por Getúlio Vargas, que contempla, um banco de fomento, no caso o BNDES, incentivo a empresas nacionais e controle político dos sindicatos. Quem criou essa fórmula foi, na verdade, Benito Mussolini, na Itália.

Não haverá novidades no eventual segundo governo Dilma. Ela vai conservar a maneira autocrática de governar. Parece personagem adequada para viver numa atmosfera soviética. Burocracia e poder juntos. Tudo muito lento, descolado da realidade e imposto ao povo pela publicidade oficial. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que se conservou íntegro e a salvo do aparelhamento ocorrido na Petrobras, mostrou que a desigualdade aumentou no país e o desemprego voltou a assombrar os trabalhadores. Especialistas dizem que a economia brasileira é como uma vaca a caminho do brejo. Vai chegar lá. Só depende da velocidade da vaca.

Deve ser por essa razão que a Bolsa de Valores brinca com os resultados das pesquisas de intenção de voto. Quando a candidata Dilma perde, as ações sobem de preço. Quando a petista melhora, as ações mergulham. Esse ente mítico chamado mercado, composto por investidores de todos os calibres, não confia na presidente da República. Empresários também não. O resultado é a falta de confiança no futuro, o sério problema da desindustrialização, custo Brasil em alta e, por último, inflação e desemprego. Nada disso aconteceu de uma semana para outra. Trata-se de um processo que ocorreu nos últimos dois ou três anos. Quem sustentou o contrário, perdeu. Até o otimista Guido Mantega, que tentou colorir o quadro cinza, perdeu o emprego. Foi demitido por antecipação.

Minas - Aécio Neves é o dono do projeto liberal do PSDB. Curioso é que o mineiro não conseguiu até agora falar diretamente para o eleitor. Ele foi tragado pelo denuncismo da campanha e se submeteu aos ditames do marketing eleitoral. Virou um candidato a procura do personagem. Os próprios mineiros não lhe estão concedendo vantagem esperada. Ele perde em Minas para Dilma Rousseff. Seu candidato, Pimenta da Veiga, está numa distância considerável do principal oponente, que é do PT. Aliás, em Minas é o único estado onde o Partido dos Trabalhadores pode ganhar a eleição para o governo. Perde em todo o país.

Marina continua a ser enigmática. Seu projeto de governo é um amontoado de propostas. Há para todos os gostos. Algumas pessoas à sua volta indicam tendências, mas ela não se mexeu até agora para indicar nenhum assessor ou conselheiro. É discretíssima e poucos a conhecem de perto. É reservada. Não permite brincadeiras, embora ao contrário da presidente Dilma, não seja grosseira. Trata-se de pessoa de bom trato. Tem sorte. Não tinha partido político. De repente, caiu em seu colo não apenas a legenda partidária, mas também uma candidatura pronta.

Restou o violento fogo de barragem promovido pelo marketing do Partido dos Trabalhadores. É bombardeio para destruir tudo que estiver vivo no território adversário. Além de manter o poder, os petistas que estão há doze anos no poder não querem retornar a vida de antes. Eles desfrutam das mordomias governamentais e dos bons empregos. Deixar de usufruir essa doce vida é difícil. Então vale tudo para se manter no poder e permanecer em posição de mando. O líder do MST já prometeu invasões todos os dias, todos os momentos, caso a presidente Dilma não seja reeleita.

O PT na oposição, depois de ter experimentado o gosto de exercer o poder, será ainda mais rancoroso. Vai ser uma oposição devastadora. Pior se a presidente for a Marina, que já foi do PT, integrou o ministério do ex-presidente Lula e não esconde suas desavenças pessoais com Dilma Rousseff. No fundo, é uma violenta briga das mulheres, cada uma com sua luta, sua vontade e sua fibra. Nenhuma das duas é ingênua. Até agora, no segundo turno Marina, leva. Mas nada indica que este é o cenário definitivo. O bombardeio não vai parar até que a última luz se apague no território inimigo seja destruído. É vida ou morte. Emprego ou desemprego. Champanhe ou cachaça.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

DUAS MULHERES, UM SÓ DESTINO -

EM QUEM VOTAR?

 

Luis Turiba

 

Uma lembra a Mônica, com aquele dentinho saliente e seu jeitão de gerente sempre mandona. E já avisou ao Cebolinha: "se for reeleita, você está fora". Refiro-me a presidente Dilma.

A outra, Marina, é quase um espelho oblíquo da Olívia Palito. Magrinha com seu corpo retilíneo quase curvo, andar cadenciado, estilo zen, voz em um tom abaixo. Ah...mas quando fala, dispara e emociona: parece que tomou uma boa porção de espinafre, daqueles de levantar Popaye.

Ambas, assim como as personagens dos desenhos infantis, estão no inconsciente coletivo do brasileiro. Aliás, estão também no consciente do aqui/agora, no sonho/delírio de um Brasil que ainda busca lugar de destaque na civilização moderna.

Duas mulheres, a mesma árvore. Dois destinos, um só cargo, o maior de todos, a presidência da República do Brasil, com seus 200 milhões de habitantes. Ambas filhas do governo Lula, para o bem ou para o mal.

Aqui é a terra do possível. Depois do sociólogo uspiano, do operário do ABC, da ex-presa política/torturada pelo Doi-Codi; a cortina política se abre para a seringueira de pele escura e negros cabelos de graúna.

A "Sra. da Silva", como a chamou o New York Times, mudou a história desse emocionante processo eleitoral. Dilma demorou a acordar do letárgico sono de quem dormia em berço esplendido a espera de mais quatro anos de mandato. Até que a luz vermelha piscou no partido da estrela.

Foi a morena Marina quem estonteou o acomodado mundo político brasileiro. Ao substituir Eduardo Campos criou novos cenários. Talvez, ela possa a ser reflexo silencioso das mobilizações de julho de 2013. Um dia, quem sabe, Dilma ainda lhe será grata.

Junto com a resiliência, veio a tática do medo e da distorção de fatos a qualquer preço. Estratégia antiga, surrada e burra, que já foi usada contra Lula em 2002 e não colou. Dá a impressão que o PT deseja ressuscitar a Regina Duarte, só que a seu favor. Ninguém pode ter medo da realidade, principalmente se deseja ser presidente de um país tão complexo e surpreendente como o Brasil. A realidade às vezes surta. Perder o poder deve ser realmente desesperador.

Ter uma mulher na presidência da República não é novo, pois Dilma é candidata à reeleição. O novo mesmo é a disputa entre essas duas mulheres, o que permite um olhar mais feminino sobre a nação, seus traumas, tramas e processos . Por isso, vivemos um momento realmente único tamanha a riqueza/encrenca que a vencedora terá pela frente. Até Aécio, que tenta respirar, já se deu conta desse quadro.

Como escreveu recentemente o poeta mineiro Ricardo Aleixo, está havendo "uma ilusão de ética". Acho até que ele não se referia ao contexto eleitoral, mas assumo o deslocamento.

A Petrobras, por exemplo, que já foi a joia da nossa coroa, virou ultimamente a Geni da recente história do Brasil. As denúncias do ex-diretor (e hoje delator premiado) Paulo Roberto começam a boiar e são de uma gravidade estratosférica.

desta vez não adianta culpar a mídia golpista. Quem apura é a Polícia Federal, órgão acima de governos e partidos. Não se tampa o pré-sal com peneiras. A maior empresa do país não pode mesmo ser refém do jogo político e das conveniências partidárias. A Petrobras nesse jogo é o Brasil e nossas mulheres-candidatas precisam ter propostas claras para tirá-la (a Petrobras) do lamaçal de propinas e corrupção onde foi jogada.

Esse é um teste hercúleo para quem tem sua base política-parlamentar acusada de corrupta por um corrupto arrependido. É óbvio que tudo terá que ser checado e pré-checado, mas onde tem óleo tem petróleo. Dilma vai dizer que nada sabe, mas vive um novo inferno astral. De repente a sua Central de Boatos foi atingida por um míssil amigo.

É de Alfredo Sirkis a afirmação: "há uma campanha milionária desesperada usando a "técnica Goebells" (minta, minta e minta, sempre vai ficar alguma coisa): Marina vai acabar com o pré-sal, tomar os royalties do Rio, privatizar a Petrobras, é fundamentalista, contra os gays, e mais qualquer outro absurdo que ocorra aos ficcionistas de plantão." Com a delação de Paulo Roberto, o Paulinho, todos esses argumentos foram por terra.

Aliás, a esquerda brasileira vive um cego processo autofágico onde calúnias, mentiras e arrogâncias mascaram temas e debates essenciais para o Brasil dar um novo grande salto, depois da era FHC e de Lula. A  Amazônia, por exemplo, está virando um canteiro de obras e o desmatamento voltou a subir este ano. E o governo permanece inerte. O debate político passará ainda por outros temas fundamentais como a reforma política, a reconstrução de uma Política Cultural digna; etc.

E outros mais que precisam ser aprofundados, como: modelos de matrizes energéticas, recursos hídricos, as grandes obras hidroelétricas, direitos humanos, racismo, fim da tortura, direitos LGBT, reforma educacional, direitos indígenas e dos povos da florestas e meio-ambiente. Temas que são absolutamente fundamentais para o nosso futuro.

Pois é isso: Marina e Dilma foram ministras do primeiro governo Lula. Vieram da mesma célula, do mesmo DNA, mas evoluíram de formas diferentes. A atual presidente significa uma opção séria pelo continuísmo da atual política econômica e social do PT; e pelo mando político – chamam também de "governabilidade "- da histórica turma do PT e do PMDB, com Renan, Sarney, Sérgio Cabral, Collor, Maluf, Garotinho e Lobão.

Marina chega como uma incógnita e não como um pacote fechado. Para os que buscam caminhos, saídas e soluções diferentes das que estão sendo apresentadas há 12 anos, para quem já se cansou da política de aparelhamento da companheirada; Marina pode mexer com estruturas dos podres poderes viciados pela eterna continuidade do só "nós que sabemos fazer." Gosto quando ela se compromete a convocar as melhores cabeças do país. Este sopro diferente nos traz certo alento e não medo, pois o Brasil é maior que tudo isso.

Uma nova alquimia se apresenta no país da antropofagia. Uma voz feminina se eleva numa política viciada em machos. Acusá-la por ser religiosa e/ou compará-la a Jânio Quadros e a Collor é raso, vazio e de uma tolice imensurável. Na verdade, um desrespeito à inteligência dos  eleitores que somos nós, os verdadeiros patrões da mulher que comandará nossos destinos.