André Gustavo Stumpf
Números não costumam mentir. As três últimas pesquisas de opinião realizadas em nível nacional revelam que a popularidade da presidente Dilma Rousseff caiu algo em torno de trinta por cento nos últimos dois meses. Os descontentes com seu governo chegam também a trinta e poucos por cento. E o pessoal que acha ruim ou péssimo está muito perto desses índices. Enfim, um desastre total. É sempre possível pensar que amanhã será melhor que hoje. E na política é preciso sonhar muito, sonhar alto.
Talvez resida aí o principal entrave na atual administração. Sonha pouco e sonha baixo. O governo não sai do lugar, não apresenta soluções inovadoras e se complica com suas próprias propostas.O mais novo contencioso é com os médicos de todo o país. Eles são contra a importação de colegas estrangeiros que começariam a trabalhar aqui sem que suas credenciais e conhecimentos sejam submetidos a controle nacional. Além disso, há a distância provocada pelo idioma diferente. Resultado é que os médicos estão em greve e abandonaram todas as mesas de negociação.
Sonho - No Congresso não é diferente. Os políticos estão preocupados com as suas demandas pessoais. E o governo, montado numa superestrutura partidária, que é uma confusão de siglas ou sopa de letras, não possui liderança, nem rumo. O que vale é o interesse individual.A presidente faz e o parlamento desfaz. Enquanto isso, a inflação sobe, o desemprego começa a aparecer na linha do horizonte e a atividade econômica se retrai. É difícil prever melhoria no ambiente político com este complexo cenário econômico.
O pano de fundo não admite otimismo, exceção feita ao ministro Guido Mantega, da Fazenda, que é uma espécie de Candide – de Voltaire – no governo federal. Ele projeta números sensacionais, crescimentos fabulosos e não parece se sentir diminuído quando suas estimativas ficam muito longe da realidade. Cada um vive no mundo que deseja. As pesquisas revelam as conseqüências do que foi criado pela imaginação do pessoal da área econômica do governo. Desmancharam a lua de mel com a presidente, perturbaram as relações políticas e definitivamente provocaram completa revisão nas perspectivas eleitorais de 2014.
É preciso notar que a presidente Dilma já está em final de governo. Ela terá o segundo semestre ano e algo em torno de três ou quatro meses no próximo ano. Depois começará a Copa do Mundo, com 32 times. É possível que os protestos voltem às ruas. O futebol paralisa o país. E os tumultos também. Os governadores, com raras exceções, estão com o prestígio no chão ou abaixo dele. Não terão autoridade para conter nada. E se a inflação não der trégua, a ira popular será ainda mais incisiva. Não adianta procurar razões ocultas. Elas estão diante dos olhos. Não vê quem não quer.
A Copa será um sucesso apesar dos governantes e dos dirigentes esportivos. Será semelhante à visita do Papa Francisco pelo Brasil. O argentino deu um show de sensibilidade, educação, gentileza e coragem. Ele é latino-americano, não tem medo de cara feia. Sabe conviver com a pobreza. Andou em carro popular, de janela aberta. Distribuiu beijos, abraços, abençoou quem viu pela frente. Foi uma festa, mesmo quando o povo cercou seu veículo, em frente à Central do Brasil, ele não se incomodou. É coisa rara ver um argentino ser generosamente acolhido no Rio de Janeiro.
O sucesso da visita papal deve-se a ele. A programação foi toda errada. Planejaram a vigília em local sem acesso de veículos,na região de Guaratiba. Choveu. O terreno virou um lamaçal que inviabilizou o que havia sido previsto. O surpreendente frio e chuva – doze graus em Copacabana é absurdo – não atrapalhou a festa. Mas o metrô do Rio não funcionou. A segurança sofreu quando o carro do Bispo de Roma ficou preso num engarrafamento. No final deu tudo certo. Seu sorriso e seu bom humor suplantaram todos os obstáculos.
Sucesso -A copa do Mundo no Brasil, que assusta os cartolas da Fifa, também será um sucesso de público, de renda e de qualidade do esporte. O brasileiro supera suas dificuldades. A explosão popular resulta da noção de que o cidadão paga impostos europeus e recebe tratamento africano. Dinheiro há para construir estádios de futebol ou financiar os projetos megalômanos de Eike Batista. O país deixou de ser pobre. Ele é mal administrado. Essa percepção chegou ao povo, que decidiu ir para as ruas. Mais de 80% dos entrevistados na mais recente pesquisa disseram estar de acordo com os protestos.
A perspectiva é de uma notável renovação política nas próximas eleições.Essa situação faz lembrar 1974, quando o governo militar começou a dar os primeiros sinais de fraqueza. Inflação alta, dívida externa, dificuldade por todos os lados. O PMDB elegeu 16 senadores e iniciou o caminho que ira desembocar na Assembléia Nacional Constituinte, sob a liderança de Ulysses Guimarães. No entanto, candidato a presidente,Ulysses ficou longe da vitória. O povo sabe se orientar para o novo ou para aquele que promete a mudança e o novo tempo.Naquele caso, deu Collor na cabeça. Mas depois, Itamar Franco arrumou a casa.
Os grandes eventos colocaram o Brasil, bem ou mal, nas manchetes dos principais jornais do mundo. Mas também fizeram com que os brasileiros descobrissem o Brasil. As velhas práticas oligárquicas não mais são toleradas.O pessoal quer mudar. Quer estar sintonizado com o século 21. Quem souber interpretar este anseio terá boas chances de subir a rampa do Palácio do Planalto.É preciso perceber a direção do vento. Tempo de mudar.
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