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Por Luis Turiba, de TÓQUIO
A bola vermelha da bandeira do Japão parece traduzir um alerta permanente desse país tão repleto de signos, cerimônias e significados, contra as constantes intempéries da natureza que teimam em atingir seu pequeno território. Isso sem falar dos bestiais vacilos humanos contra sua civilização.
Visitar o Japão é conviver com uma história milenar de tradição, superação e busca da modernidade. Não dá para esquecer aquele país do pós-guerra, no início dos anos 50, literalmente arrasado por dois cogumelos nucleares jogados em cima das cidades de Hiroshima e Nagasaki. Impossível apagar esse pesadelo de nossas memórias.
Também não é possível esquecer que no início deste ano, um terremoto de proporções gigantescas, seguido de uma tsunami arrasadora, destruiu parte do Norte do território japonês e atingiu a usina nuclear de Fukushima, mostrando uma certa fragilidade no manuseio deste tipo de energia. A segunda economia do mundo balançou e foi seriamente atingida; o mundo ficou assustado e o povo japonês buscou saída no seu tradicional silêncio zen.
Seis meses depois da abalo sísmico, quem chega ao aeroporto de Narita para visitar Tokio, depois de uma viagem que dura cerca de 30 horas, via Londres, encontra um Japão pulsante, sem sinais públicos de depressões, com seu povo trabalhando, vivendo e produzindo normalmente. Estradas e cidades foram reconstruídas e sua economia já caminha para zerar o déficit do seu PIB talvez ainda esse ano. Segundo informações do jornal Nikkei, a produção global das montadoras japonesas deve somar quase 23 milhões de veículos no ano fiscal 2011, volume muito próximo do recorde atingido em 2007. Ainda segundo a reportagem, Toyota, Nissan, Mitsubishi e Honda pretendem fabricar mais de 13 milhões de veículos no segundo semestre do atual ano fiscal, que vai de outubro a março de 2012.
Nos hotéis e nos restaurantes pode-se ler, com a ajuda de uma intérprete, pedidos de desculpas por micros cortes de energia em alguns serviços, como tempos de banhos quentes ou volume do ar condicionado. Coisas triviais.
Espetáculo pirotécnico
O certo é que o Japão festejou com uma grande queima de fogos de artifício sua quase total recuperação interna. No último dia 27 de agosto, um sábado, Tokio parou para celebrar o fim do verão e o fim do luto pelos mortos no terremoto de 11 de março. Foram duas horas de foguetório em volta do rio Sumidagawa, que corta vários bairros da capital japonesa.
O maior espetáculo pirotécnico aconteceu no bairro boêmio de Asakusa, onde se localiza o conjunto de lindíssimos e históricos templos budistas de Tokugama, um Shogun (guerreiro) que ali reinou em 618. Assim como a nossa festa de Yemanjá, no reveillon de Copacabana, milhares de pessoas se dirigiram ao bairro. As japonesas, especialmente as mais jovens, vestiram seus mais belos quimonos de gueixas, com cintos e laços extraordinários, quase lembrando ikebanas, e desfilaram com delicadas sandálias. Jovens casais, grupos de amigos, famílias inteiras (sem vírgula) sentavam-se pelas ruas interditadas com pratos de sushis, tempurás e outras iguarias. Garrafas de saquê e vinhos de todas as nacionalidades eram consumidos alegremente, enquanto no céu os fogos desenhavam figuras, chuvas lisérgicas, ideogramas de fogos de toda natureza.
Normalmente é nessa data – 27 de agosto – que a principal avenida de Asakusa é fechada para o desfile das escolas de samba do Japão. Para assistir a esse desfile, japoneses com suas maquinhinhas fotográficas sempre apostas disputam os melhores lugar entre as quase 500 mil pessoas que assistem ao skindô-lelê de brasilidade. Esse ano, em função do luto pelos mortos no terremoto, não houve o desfile, que já é uma tradição há 31 anos. Mas o samba brasileiro se fez presente e as nove maiores escolas de samba – Alegria, Liberdade, União, Bárbaro, Arrastão, Vermelho e Branco, Festança, Lamuza e a campeoníssima Saúde, que é verde e rosa, inspirada na Mangueira – se reuniram no porto conhecido como "Nariz de Elefante" de Yokohama, a duas horas de Tóquio.
Foi uma emoção à parte assistir e documentar esse desfile, especialmente quando uma bateria com 350 ritmistas tocou por quase 40 minutos um samba quente, bom, com pinta de Sol Nascente.
Entre a tradição e a modernidade
...E de repente você se perde pelas ruas de Tokio. Sai da rua principal onde fica o hotel Waveblue, próxima a estação do metrô em Asakusa, e dobra à direita numa estreita e mal iluminada viela, de aspecto sombrio e com pequenas casas de dois andares. A noite já vem chegando. Você segue adiante, vira à esquerda e vai andando dobrando esquinas aleatoriamente rumo a lugar nenhum.
Quando se dá conta, está perdido. Agora, então, sente-se num filme de Kurozawa. Anda ao sabor do vento como se estivesse hipnotizado pelo encanto de nada entender, e você simplesmente está do outro lado do mundo. Entra num empoeirado antiquário e vê que uma peça milenar de um cavalo em ferro de um histórico samurai. Custa 180 mil yenes e no seu bolso só 10 mil yenes. Fica pra próxima.
Siga adiante e surgirá à sua frente uma pequena porta que dá acesso a uma loja sinistra, de onde exala um cheiro forte e totalmente desconhecido. Ali funciona um armazém de peixes secos. Grandes, pequenos, miúdos. Em caixas, em sacos. Aquilo lhe paralisa os sentidos e você respira profundamente, fecha os olhos, sente o aroma do Oriente. Uma lágrima escapa-lhe pelo olho direito. Arigatô gozaimashita, você está realmente no Japão.
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