terça-feira, 8 de dezembro de 2009

ALMIRA, UMA POETA QUE NASCE PRONTA

A loucura branda de Almira Rodrigues
 
Luis Turiba
 
Quando uma poeta se inaugura, madura e já quase certa, como é o caso de Almira Rodrigues (se lusa fosse seria cantora de fados), deveríamos decretar feriado nacional, tocar os sinos, cantar os hinos, estender o tapete letrado das pompas e circunstâncias.
 
Deveríamos, mas ela chega silenciosamente como bem convêm a uma artesã da linguagem. Ou melhor; bordadeira de palavras. E palavras são nuvens, vão e vêm. Palavras são afetos que dizem amém. Daí o título do seu livro inaugural: "Afetos e Palavras", onde podemos saborear um longo poema dividido e redividido com seus ecos que sempre voltam e reafirmam em tiradas charmosas, algumas repletas de sensualidades.
 
Palavra é a ferramenta, o batom na boca desta carioca-mineira-brasiliense que herda em seus poemas uma certa síntese cínica & mineiríssima de Adélia, uma sabedoria à moda antiga de Cora e/ou uma transcendência juvenil de Ana Cristina César. Foi nessa pescaria que ele criou seu poemário.
 
Logo de cara, Almira visa: "acomodo palavras em afetos", pois "quando fumava os afetos eram tênues, esfumaçados sem o cigarro."
 
Sua poesia é composta até pelos inexpressivos barulhos. Com eles, ela desembaralha poemas como no fino fragmento "barulhos"
 
"a cidade é múltipla
cada qual tem a sua
a minha tem barulhos
de dia descarto-os
de noite
os barulhos de fora
vêm buscar os de dentro
a bagunçam meu sono
para espantar o susto
faço poesia"
 
E assim, de sonoridade em sonoridade, de sutilidades e gentilezas, a linguagem feminina desabrocha ao longo do livro até os poemas-síntese "delicadeza" e "desejo"
 
"tome cuidado
com todo que toca
com o que pega
inclusive comigo
sobretudo comigo
eu quebro
eu estrago"
 
desejo
 
deixou o alimento
e o desejo à vista
pendurado no varal
fico embebida por seus movimentos
crio linhas e linhas de caminhos até você
fico toda enrolada
bom será
que você também
fique enrolado em mim"
 
Gostoso de ler esses versos apaixonadamente femininos, pois o ser-mulher ama e, portanto, poetisa diferentemente, o ato de amar: "alguns afetos/ precisam de palavra para tomar corpo/ senão viram fantasmas."
 
Como em "intimidade":
 
construir intimidade
coisa tão profunda
leva tempo
sinto-me tão cansada
 
Ou no quase hai-kai oferecido "mão e boca"
 
não me segures
com a mão se podes
me agarrar com a boca
 
Tudo acaba em "magia"
 
passei anos e anos
te abraçando com os olhos
te beijando com os dedos
(....)
poder das fadas e das bruxas
dá no mesmo
 
São as "mutações" provocadas pelo amor:
 
"o amor fica sólido
o corpo líquido
a alma gasosa"
 
É assim, no equilíbrio entre as palavras e os afetos, os amores e desabores, que se construiu a poesia desta caloura madura, pois conscientemente optou por só publicar já na madureza de uma vida repleta de atos participativos e existenciais.
 
palavra
 
a palavra falta
a palavra sobra
vez em quando fica na medida
 
poesia viva
 
"me confortam as palavras/ tábuas em mares de afetos/ virar poeta talvez seja uma solução/ sair pintando tudo de palavra/ até não encontrar mais palavra/ então/ virar poesia viva/ errante"
 
E assim, trabalhando com sentimentos que ficam do "comprimento do mundo", a poeta Almira apresenta sua "credencial" para participar do Grande Livro do Poema Universal, aquele que é escrito por todos os homens, todas as mulheres, cuja base é a busca de uma linguagem própria com suas células mátrias que são as palavras. Pá, lavras.
 
 
Brasília, 25 de outubro de 2009
 

Um comentário:

Ana Costa disse...

Maravilhoso sua descoberta de Almira, amiga de tantos e tantos anos, das caminhadas pelas mulheres...
Beijo de Dotorana