Brasília está vivendo o seu pior astral em seus 50 anos de vida neste dezembro de 2009.
Nunca vi tamanha crise ética-existencial em 30 anos de cidade.
Pior mesmo do que nos tempos da ditadura, quando a ordem era prender e arrebentar.
A cidade não tem outro assunto a não ser falar e falar do escândalo da dinheirama da propinagem que rolava entre secretários, deputados distritais, empresários e até o próprio governador do DEM. Tudo orquestrado e fartamente documentado por um X-9 corrupto.
Um horror que não pode ser perpetuado.
Na noite da última quarta-feira (9/12), horas após a cavalaria da PM ter massacrado um grupo de estudantes que protestava contra a corrupção (que agora é crime hediondo), pude respirar um pouco mais aliviado ao comparecer a três lançamentos de livros de poesia, em três espaços culturais distintos.
Enfim, algo auspicioso! Palavras enfeitiçadas.
Passei primeiro no lançamento do poeta Nicolas Behr. Niki é uma reserva moral, poética e cultural de Brasília. Se alguém encarna a alma brasiliense, com seus transes e angustias, é ele, o Poeta.
Lanço "O Bagaço da Laranja", uma continuação do seu premiadíssimo livro "Laranja Seleta". Escrevi no blog que o Bagaço era o lado rebelde do Seleta. E é. Curtam esse poemeto:
"o poeta-patrão
abre o livro-caixa
e demite o poema
nega aumento à rima
dá férias para a gramática
o leitor fica de aviso prévio
(o crítico insiste na ficha de inscrição)
posso falar com o Sr.
agora que o ser.
está mais calmo?
quem disse
que estou mais calmo?"
Depois fui abraçar Almira Rodrigues , cuja apresentação do livro "Afetos & Palavras" tive a honra de escrever. Dela selecionei dois poemas.
nebulosa
de onde estou não me enxergo toda
só pedaços de mim
quem sabe posso me juntar
em outro canto de visão
ou então
esperar um tempo
em que os pedaços se juntem
por simples atração de si mesmos
pausas e despedidas
em nosso tempo
não faremos mais despedidas
só pausas
tem pausa que dá saudade
tem pausa que arranca pedaço
conheço as duas
para quê tenho que jejuar de você?
tenho medo do primeiro e do último encontro
(entre pausas)
saírem desafinados
queria-os sempre harmoniosos
e tenho medo
que você vá embora
de mim
de vez
Por último, fui rever o poeta-amigo Eudoro Augusto, que lançava no Beirute o seu livro "A Natureza Humana".
Eudoro está na viagem poética desde os anos 60 e fez parte do transcendente livro "26 Poetas Hoje", de Heloísa Buarque de Hollanda, que lançou no mercado os chamados poetas marginais.
Dedico a vocês dois poemas de Eudoro.
ENCANTADA
Linda linda linda
Você é linda e acho que te conheço.
Com certeza não é do baile funk
Que tanto eu não mereço
Talvez seja de um sonho iluminado
Ou quem sabe de um filme forte.
Em qualquer desses casos
Por favor não me acorde.
PÓRTICO DOS FUNDOS
Afinal de contas
nem gosto tanto assim de poesia.
Gosto mais de música. Só música
sem palavras nem aplausos.
De pintura. Só pintura
Sem teoria ou mensagem.
De cinema. Só cinema
Sem mesa redonda
nem voto popular.
E da vida. Só a vida
Sem título
sem vínculo
sem legendas.
2 comentários:
Já dizia Lobato: "Um país se faz com homens e livros" ... e claro, com muita poesia! Só mesmo versos iluminados para nos tirar da angústia de ver escancarada a tal Caixa de Pandora!
beijo pra você, querido!
Angélica Torres para mim
beleza, turibinha, é isso aí!
enfrentar essa guerra com a poesia como arma ajuda lindamente no sambalelê que essa laia de gente podre tem de tomar pra se mandar, de preferência, do planeta!
não sei se vou poder ir te ver, mas dou a maior força pra esse seu recital
bjocas
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