Luís Turiba, escrito após a posso do presidente Lula em 2003
Precisei de uma vida inteira para viver o Lula lá. Daí, este
sentimento saudosista futurista. Meio século de vida e, finalmente, o
Lula lá. Este momento histórico justifica a existência (razão, sonho e
poesia) de uma geração de brasileiros: com o Lula lá, também estamos
lá. A nação, afinal, nos pertence. E é ela quem nos chama.
Precisei nascer em um Brasil pós-guerra, no Recife antigo de Manuel
Bandeira e João Cabral de Mello Neto. A viva lembrança de minha avó e
de minhas tias dando-me bolotas de feijão com farinha na boca. O lento
bonde de Engenho do Meio, a ruidosa torcida do Sport e a ponte sobre o
Capibaribe iluminada por lampiões parisienses. Desde aquela época,
Lula já estava lá: no meu velho pai, jornalista, comunista, dirigente
do partidão, correndo da polícia, organizando o movimento e a mudança
da família para o Rio de Janeiro. Precisei crescer embalado por
canções de Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi e Noel Rosa na doce voz de
minha mãe. Brincar de velocípede na Rua São Francisco Xavier, bem em
frente ao morro da Mangueira. Morar em Madureira, torcer para o
Flamengo, viver no Maracanã, desfilar na Portela, sofrer com os
dribles de Garrincha, estudar na Escola Técnica, jogar capoeira em
Olaria, não perder nenhum Fla x Flu, conhecer Cartola, Silas de
Oliveira, Martinho da Vila e Paulinho da Viola; amar o samba, a raça
negra, os Beatles e os Rolling Stones; frequentar a praia da Urca e as
areias de Ipanema. Precisei, enfim, ser carioca da gema para
compreender a grandeza deste dia. Aliás, precisei mais para me
credenciar a este Lula lá.
Na verdade, precisamos. Falo da minha geração, aquela que ingressou no
movimento estudantil em 68. Aquela que enterrou Édson Luís do
Calabouço, tomou a Catedral da Candelária, incendiou a Avenida
Presidente Vargas, frequentou o Zicartola, os ensaios da Mangueira e o
Cine Paisandú para assistir Glauber e Godard. A que fez a Passeata dos
Cem Mil e muito amor com as trotquistas do Colégio Sagrado Coração de
Maria. Abaixo à Ditadura! É proibido proibir. Sim, estamos no Lula lá
porque cantamos Vandré, Caetano, Gil, Milton, Tom, Vinícius e,
principalmente, Chico Buarque. Desfilamos na Banda de Ipanema com a
madrinha Leila Diniz. Lemos o Pasquim, o Movimento e o Bondinho.
Fugimos do AI-5 e caímos na clandestinidade. Paz e Amor, bicho, dê uma
chance à paz! Salve a Guerrilha do Araguaia! Vivemos em aparelhos e
comunas hippies. Tomamos ácidos, mas também assaltamos bancos para
financiar a luta armada. Vestimos roupas floridas, estudamos na USP,
ouvimos Sargent Peappers, lemos Grande Sertão: Veredas, conhecemos Mao
Tsé Tung e o baseado perfumado. A LSN e o LSD. A copa de 70, na
Avenida Paulista. John Lennon & Marighela; Che Guevara & João
Gilberto; as porradas do DOI-CODI, a tortura do delegado Fleury, mas
também o magnetismo poético dos irmãos Campos, a ousadia do Cinema
Novo, a luz de Carlos Drummond de Andrade, a voz de Gal Costa,
seminua, cantando: "eu sou uma fruta gogoia, / eu sou uma moça, /
samba que eu ensaiar, / mestre, não óia".
O lula lá é nosso! Vivemos intensamente para merecê-lo: é meu, é teu,
é de todos os que suaram, sorriram, choraram, cantaram, sofreram,
curtiram, lutaram, venceram, perderam, caíram, juntaram os cacos,
perderam-se para sempre ou foram abatidos na caminhada como a eterna
Jandira e o companheiro Tim Lopes. O Lula lá é, sobretudo, do povo
brasileiro e de seus magnos representantes que levantaram a cabeça, o
peito, a boca, a cuca, os pés, os braços e fizeram por intermédio de
uma costura política à maneira de Tancredo, a revolução dos 50 milhões
de votos. Portanto, rapaziada, essa responsa é nossa: sem medo de ser
feliz, mãos à obra.
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Luis Turiba
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Um comentário:
Digitação de Wellyson Marlon Jr.
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