segunda-feira, 14 de maio de 2012

RESA, NO MÍNIMO O MÁXIMO: ETERNO COMPANHEIRO

 
 
Resa: no mínimo o máximo*
 
Por Luis Turiba
 
"Ques que ti pance? Que chup-chup caju et no canse. Caaaanse! Et como
canse. Avec la castanhe...principalmant."
 
 
O poeta Resa, de tantas capas maravilhosas, grafismos mágicos e
objetos poéticos de múltiplos significados – na certidão Luis Eduardo
Resende de Brito, ex-editor gráfico da histórica revista de poesia
experimental Bric-a-Brac, que nos deixou prematuramente aos 56, no
início do último abril – adorava fazer essa citação com arte e
engenho.
No sorriso cheio de dentes que o caracterizava, parecia até um ator
quando puxava do seu repertório anedótico a performance: fazia
biquinho, rodopios e trejeitos. Tinha plena consciência de que estava
escaneando (ou sacaneando) a mania de eruditismo de certos
intelectuais brasileiros. Trouxe a brincadeira de Maceió, Alagoas,
onde está uma de suas peças mais significativas: um Cristo crucificado
com duas seringas
O dramático da brincadeira é que ela termina sendo uma caixa de
espelhos multiplicadores da própria vida dele como artista e ser
humano. Tudo no Resa era verdade absoluta e radical. Nada nele foi
"boi com abóbora", como disse o radialista Cristiano Menezes.
Absolutamente nada no seu traço era fácil ou facilitador. Resa foi o
operário do desing que acendeu a vela nos dois lados, gerando luz e
energia em tudo que riscou, pintou, bordou, bolou e pariu.
 
Amava trabalhar, enfrentar no silêncio criativo o branco da prancheta,
buscar boas soluções para desafios estéticos. Morreu como bem viveu,
desafinando o coro dos contentes do qual falou Torquato Neto, no
estilo "doce bad boy": de sexo, drogas e rock and roll.
Autor de todas as capas e da magistral programação visual das seis
revistas Bric-a-Brac editadas em Brasília, além do projeto Graphoesia
com 10 lâminas poéticas editados em serigrafia; e também de alguns dos
mais importantes livros da editora UnB, como "Noel Rosa, uma
biografia", de João Máximo e Carlos Didier. De sua prancheta nasceram
coleções infindáveis de cartazes e logomarcas da cultura brasiliense:
Martinica, Bom Demais, Feitiço Mineiro, etc. Também foi por mais de 10
anos programador visual da rede de hospitais Sarah em Brasília e
Salvador e do Clube do Choro de Brasília, com magníficos desenhos de
fundo de palco.
 
Resa chega a Brasília em 82 a convite do então secretário de Cultura,
o também poeta Reynaldo Jardim. De cara, monta uma coleção de cartazes
com poemas do então desconhecido Manoel de Barros. Mas já desembarcou
na capital com o passaporte carimbado pela respeitável bagagem de
trabalhos gráficos da juventude. Editou na saudosa revista Flor do
Mal, de Rogério Duarte; e fez parte do grupo Nuvem Cigana, no início
dos anos 70, tendo participado do Almanaque "Biotônico Vitalidade" com
o trabalho "a sétima face do dado", que ganhou nova versão em
calendário no ano passado, 40 anos depois. Foi o rei das letras Setes.
Parceiro gráfico de grandes poetas e aqui cito só alguns: Manoel de
Barros, Chacal, Claudio Lobato, Ronaldo Santos, Xico Chaves, Carlos
Nico (seu irmão e "bad-boy" da capa na Bric-a-Brac nº 6, a
derradeira), Angélica Torres Lima, Paulo José Cunha, Antônio Risério e
deste que vos escreve.
Resa lia muito, era designer letrado. De formação visual,
ex-aluno da escola do Parque Laje, era capaz de pegar um
verso estroncho e malanjambrado e transformá-lo num poema publicável.
Mas quando não gostava do dito, era implacável, capaz de picar o
original e fazê-lo voar em mil pedacinhos pela janela do 12º andar da
redação da Bric-a-Brac, em pleno Planalto Central do país. Fez isso
algumas vezes. "Ah, essa m ee r d aaaa...é impublicável". sentenciava.

E de tanto fazer cirurgias plásticas em poemas capengas, tornou-se
também ele um poema vestido por macacão jeans desbotado, cujo melhor
tradução é sua obra-prima, o poema "Tênis de beiço". Mas disso
falaremos depois. Voltemos à sua trajetória.
 
Reconhecimento nacional
 
Resa começou a fazer carreira solo na passagem do século XX para o 21.
Mas agora é o poeta-mestre Augusto de Campos que conta essa história
em texto de apresentação do livro Cartas Marcadas, Poesias Visuais,
uma espécie de catálogo da exposição com o mesmo nome:
"Ele tenta agora uma outra aventura, um novo desafio, propondo-se
apresentar um conjunto de trabalhos visuais que pedem exposição e
livro próprio. Pertencem àquele gênero de trabalhos que não se pode
classificar ou tabelar facilmente. Wagner Barja (diretor do Museu da
República, em Brasília) incluiu com justeza alguns deles na exposição
Obranome, dedicada precisamente a esse espaço ou "vão" (expressão de
Barja) interdisciplinar da poesia-arte visual. São trabalhos que se
posicionam numa linha intermediária entre objeto-poema e/ou
poesia-plástica, aquilo que o norte-americano Dick Higgins, discípulo
de John Cage e integrante do grupo Fluxus, denominou "intermídia".
E prossegue Augusto de Campos: "Com elementos do cotidiano, cartas de
baralho, prego, agulhas, pequenas esferas metálicas, palha de aço,
alfinetes, dados, constrói ele um universo minimal que parece conter
interrogações inquietantes. Dados e cartas de baralho acentuam,
dominantes, o caráter lúdico dessas formações artísticas ambivalentes,
a que os títulos apensados pelo artista, carregados de humor – ao modo
de Satie, Klee, Duchamp, Joan Brossa, parentes próximos ou remotos –
dão a nota verbal, poética."
Para o poeta concreto paulista, "a nova aventura a que se propõe Resa"
é "obra de "amor e humor" que oscila entre o real e o irreal, a
plasticidade e a poesia, num vôo plástico, demasiadamente plástico,
mas também poético, demasiadamente poético, ao mesmo tempo rigoroso e
aberto."
Já a produtora e curadora Marília Panitz diz que "Resa foi um escritor
de objetos, inventor de uma língua sem som, ou talvez povoada por
ruídos de dados sendo jogados, de peões sendo deslocados no tabuleiro,
de cartas batendo umas nas outras ao serem embaralhadas."
Ao montar a exposição "Miserere Nobis", em 2010, Resa foi fundo,
radicalizando nos seus poemas-objetos com retratos da realidade
brasileira pinçados de crueldade e humor. Essa exposição mereceu
artigos, citações e interpretações, com destaque para poema Sabor da
Sobra do cantor e compositor Chico César.
"Cada oratório é uma casa de favela com seus segredos expostos/ com
seus templos profanados/ dourado sangradouro de ouro sagrado/ ê ê ê
vida de engodo/ é o gasguito falando do engasgado" (...) "a nação em
armas/ a pátria de pistolas / todo homem de bem tem direito a seu
revólver/ seu fuzil/ a uma metranca sensual bem lubrificada/ um homem
sem armas é uma mulherzinha / a vida real meus amigos não é uma
reunião de ong não/ o buraco é mais embaixo/ então capricha na mira."
Seguiu sua trilha caprichando na mira. Embaralhando ainda mais as
Bric-a-Bracs, invertendo os calendários, revelando a sétima face do
dado, buscando sua matéria-prima nas mais antigas feiras de
antiguidades, como a da Praça XV. Enquanto enfrentava seu câncer, tão
radical como sua obra, ele, o operário do traço, jamais parou de
trabalhar. Preparou uma exposição que será apresentada em agosto com
poemas inéditos em forma de livros sagrados e/ou profanos. Depois
enjaulou gaiolas para se libertar. Fez cartazes e logomarcas para o
Clube de Engenharia.Ou como diz o próprio Chico César: "sobre o
insalubre coração de pedra do mundo/ o artista prepara as próprias
sobras/ em seu canto de genuflexão e ofertório/ Resa reza.
Descansa em paz, mano. Sua obra não sobra.
 
•       O título deste artigo foi extraído do poema Resa, do Chacal,
publicado na contra-capa do livro  "Cartas Marcadas – Poesias Visuais
 

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Turiba, genial seu texto e edição sobre o nobre amigo e poeta Resa. Quando cheguei do Chile o conheci em Uberaba e me presenteou com um maravilhoso desenho de "Negrinho do Pastoreio" personagem marcante de nosso lendário popular. Guardo até hoje esta obra, a carvão, como uma relíquia e um atestado de boas vindas na volta ao Brasil. Tínhamos pouco mais de vinte anos e conversávamos o dia inteiro sobre poesia e arte. Fomos nos reencontrar no Rio, pouco depois, na Nuvem Cigana. Nossos encontros foram sempre alegres e satíricos sobre a realidade brasileira. Resa nos ajudou muito, com seu humor e criatividade, naqueles tempos de chumbo grosso.Toda homenagem é pouca para um dos mais aguerridos resistentes que atravessaram momentos marcantes em nossas vidas.

abração

Xico Chaves

Anônimo disse...

Turiba, belissimo teu artigo sobre-e-para o Resa !... comovida homenagem e maravilhoso compacto, esclarecedor escrito contando a personalidade e obra de nosso Artista. Participo contigo, e todos amigos, amigas, e Família do Resa, nas saudades pela partida... Mas ele já mesmo agora está voltando, pra conviver conosco, o Resa de sempre, seja hoje, ontem ou amanhan... digo pra vocé isso que vocé já sabe, e muito melhor que eu, saravá,
mas digo pra que vocé saiba que na saudade pelo Resa estou aí com toda nossa gloriosa galera Bric-a-Brac .
Abbrazzzone <<< Zuca Sardang