sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

FANTASIA UTILITÁRIA


Fantasiado de banquinho


Luis Turiba


Esse ano sai fantasiado de "banquinho".


Fui aos blocos, às bandas, aos bailes e às praças do carnaval carioca carregando e utilizando, sempre que fosse preciso, minha fantasia de "banquinho azul".

Ela (ou ele) me custou – já que não tive patrocínio- 24 reais em uma Lojas Americanas. Sinceramente, 24 até que saiu barato, pois a fantasia em questão teve mil e uma utilidades.


Só não consegui levá-la à Sapucaí, onde desfilei de Crô na bateria da São Clemente, tocando cuíca. Cheguei a pensar num efeito especial a la Paulo Barros, onde o banquinho se inserisse no contexto rítmico e...; bem, deixei pra lá: preferi sustentar-me firme duas horas em pé, pois a dupla fantasia poderia atrapalhar o andamento da escola.


Mas cá entre nós, fantasia, além de prática e útil, estava repleta de significados e significantes sociais, políticos e eco-sustentáveis. Primeiro, meu banquinho é extremamente anatômico, designer pós-moderno e desmontável em fração de segundos. Apesar de ter assento de plástico, não é um "mala" como Renan Calheiros. Ao contrário: carreguei-o como uma levíssima bolsa tipo essas plumas que saem dos bumbuns das rainhas de bateria. Desmontado, ao andar, ainda me serviu de bengala.


Explico: recentemente tive dois nervos ciáticos da perna esquerda pinçados pelo disco da coluna. No tratamento, a perna direita foi superutilizada e uma antiga distensão muscular (mal curada) na batata da perna direita,voltou a me incomodar terrivelmente. Como era carnaval, resolvi deixar "a dor em casa me esperando/ e brinquei e sambei vestido de rei/ quarta-feira sempre desce o pano". 

Daí o banquinho. Doía a panturrilha, eu parava, abria-o, sentava e continuava a brincar. E assim, aprendi a dançar sem sair da fantasia.


Mas meu querido banquinho transcendeu, começou a fazer outros tipos de atendimentos carnavalescos extra-existenciais.

Alguns exemplos: no "Aconteceu" de Santa Teresa, a fantasia virou realidade. O banquinho deu sustentabilidade a jovens que se excederam no teor alcoólico. De cara, serviu de assentamento para alguém que excedia também em massa corpórea. Outra precisava respirar fundo e reencontrar o prumo, pois lá estava o banquinho generoso.


Já no final do bloco, uma foliona bem mais preparada para ser encaçapada pela primeira Lei Seca que aparecesse à sua frente, sentou-se no banquinho para buscar oxigênio e beber H2O. Foi assim que ele, banquinho, tomou sua primeira vomitada carnavalesca. Como "lavou, ta novo", a fantasia seguiu seu destino como uma dessas super bundas que no carnaval são totalmente independentes de suas donas. 


Vida que segue: foi na histórica Praça XV, no badalado baile do Boitatá, que a fantasia de banquinho fez seu primeiro atendimento de emergência. De repente, uma fantasiada catapuum; cai ao chão. Ao ser socorrida, a boca da moça sangrava mais que vítima de bala perdida. Pra onde levar a paciente? Ora, sentem a dita cuja no banquinho cirúrgico, pega um pano e muito gelo para estancar a sangria. Meia hora depois, lá estava a vítima em plena folia novamente. Dez! Nota 10 pro banquinho no quesito emergência.


Logo após, a fantasia já estava atendendo a um senhorzinho beirando aos 80, que se divertia ao som de marchinhas como "Máscara Negra" de Zé Keti. Cansado, ele experimentou a fantasia.

E esta foi a regra básica do nosso carnaval: cansava, sentava. Com a ajuda do banquinho e da minha animada/amorosa acompanhante foliona, fomos longe. Furamos blocos, irrompemos ruas, superamos buracos e calçadas, atravessamos histórias e fizemos o carnaval acontecer.


Em todos os blocos, lá estávamos com a fantasia-utilitária. O banquinho ainda serviu de mesinha para latinhas de cerveja, energéticos e petiscos perigosos. Passou a ser plataforma de descanso coletivo para aqueles que tinham coragem de declarar seu cansaço no último dia de carnaval.


Quando chuviscou, nem me lembro aonde, coloquei-o sobre a cabeça e nesse quesito ele também passou no teste: foi um fantástico guarda-chuva de pouca telha.


Mas bom mesmo foi quando sentei na fantasia em plena faixa de pedestres do Largo do Machado, como um solitário Beatles na sua Abbel Road particular. Foi aí que o banquinho justificou sua existência kármica. A poucos quilômetros dali, em pleno Aterro do Flamengo, uma banda chamada "Sargento Pimenta" transformava o repertório de Lennon&McCartney em belíssimas marchinhas.


Aí o banquinho não resistiu e saiu dançando sozinho.


Luis Turiba é poeta, articulista, cuiqueiro e capenga


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