Ricardo Teixeira renuncia à presidência da CBF após 23 anos no cargo

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A licença médica tirada por Ricardo Teixeira tinha muito mais em jogo. Nesta segunda-feira, o presidente em exercício da CBF, José Maria Marin, anunciou a renúncia de Teixeira como mandatário do futebol nacional depois de 23 anos no poder através de uma carta de despedida. Além disso, o dirigente carioca também deixou o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo de 2014. Os dois órgãos serão presididos a partir de agora por Marin.

"Presidir paixões não é uma tarefa fácil. Futebol em nossos país e associado a duas imagens: talento e desorganização. Quando ganhamos, exaltam o talento. Quando perdemos, a desorganização. Fiz o que estava ao meu alcance. Renunciei à saúde. Fui criticado nas derrotas e subvalorizado nas vitórias. Deixo definitivamente a presidência da CBF com a sensação de dever cumprido", afirmou na carta Ricardo Teixeira, que promete cuidar da saúde e ficar com sua família, mas se coloca a disposição para continuar colaborando com o futebol brasileiro.

Na semana passada, Ricardo Teixeira pediu licença médica de 60 dias, prazo máximo estipulado pela CBF, e colocou José Maria Marin em seu lugar. Os boatos sobre sua renúncia surgiram há cerca de um mês, mas em reunião realizada há menos de duas semanas Teixeira recebeu apoio das federações.

23 anos no poder - O presidente da mais importante organização esportiva do país trocará a sede da Barra da Tijuca pela nova residência da família em Miami, onde pretende dedicar mais tempo à esposa, Ana Carolina Wingand, à filha Antônia.

Os rumores sobre a saída de Ricardo Teixeira do cargo que ele exerceu com mão de ferro por mais de duas décadas começaram em fevereiro. À medida que novas informações surgiram, a saída parecia mais próxima. Até que, nesta quinta-feira, a notícia tornou-se oficial.

A gestão de Ricardo Teixeira foi marcada pela oposição entre conquistas dentro dos gramados e denúncias fora dele. Nos últimos 23 anos, a seleção brasileira conquistou duas Copas, o país ganhou o direito de sediar um Mundial, e a CBF tornou-se uma instituição rentabilíssima, de contratos multimilionários. E Teixeira viu seu nome envolvido em polêmicas e denúncias.

Depois de sobreviver ao chamado "voo da muamba", após a Copa de 1994, e a duas CPIs, Teixeira conseguiu se reeleger em 2003 e 2007. A escolha do Brasil para sede do Mundial de 2014 ampliou o mandato do dirigente para até 2015.

A partir de 2010, entretanto, o nome do presidente da CBF voltou a estar ligado às páginas policiais. O jornalista escocês Andrew Jennings, da BBC, afirmou que dirigentes fecharam um acordo com a corte de Zug, na Suíça, para não terem seus nomes revelados no caso Fifa-ISL.

Segundo Jennings, o acerto foi feito por Ricardo Teixeira e João Havelange, que teriam recebido propina da ISL, antiga empresa de marketing esportivo parceira da Fifa. Ambos teriam devolvido parte do dinheiro recebido à Justiça, com a condição de não terem seus nomes revelados.

No dia 27 de dezembro de 2011, a Justiça ordenou que a Fifa abrisse em até 30 dias os documentos do caso ISL, o que ainda não aconteceu, mas deve ocorrer nas próximas semanas.

Pesa contra Teixeira, também, a descoberta das relações tortuosas com a empresa Ailanto, investigada por superfaturamento no amistoso entre a seleção brasileira e a de Portugal, em novembro de 2008. O caso foi revelado pela Revista ESPN de setembro de 2011 ­ na quarta-feira, a Folha de S.Paulo divulgou documentos que comprovam a ligação do dirigente com a empresa.

Mudança de planos ­ A saída de Ricardo Teixeira no início de 2012, a dois anos da Copa do Mundo no Brasil, representa uma mudança de planos com relação ao discurso do dirigente. Em entrevista à revista Piauí, de julho de 2011, o presidente havia deixado bem claras suas intenções.

"Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Porque eu saio em 2015. E aí, acabou", disse Teixeira à repórter Daniela Pinheiro.

No fim daquele mesmo mês de julho, o Rio de Janeiro recebeu o sorteio dos grupos das Eliminatórias da Copa do Mundo. Antes e durante a cerimônia, a presidenta da república, Dilma Rousseff, evitou o mandatário da CBF ­ ela preferiu associar sua imagem à de Pelé, uma das principais atrações da festa.

Desde então, as tentativas de reaproximação entre Ricardo Teixeira e Dilma Rousseff foram frustradas

Em dezembro de 2011, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, anunciou que Ricardo Teixeira havia pedido desligamento da entidade máxima do futebol e também do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014. A movimentação do brasileiro foi interpretada como a desistência definitiva de qualquer pretensão de se candidatar à presidência da Fifa ­ Michael Platini, atual mandatário da Uefa, é o favorito nas próximas eleições.

Em seus 23 anos de CBF, Teixeira não criou um discípulo que pudesse ser apontado como seu substituto natural. De acordo com o estatuto da entidade, assumirá o cargo o vice-presidente mais velho ­ José Maria Marin. Dirigente da velha guarda e ex-candidato à prefeitura de São Paulo, Marin voltou ao noticiário recentemente por colocar no bolso uma das medalhas destinadas aos jogadores do Corinthians na premiação da Copa São Paulo.

Veja a carta de renúncia de Ricardo Teixeira na íntegra:"Ser presidente da CBF durante todos esses anos representou na minha vida uma experiência mágica. O futebol, no Brasil, é mais que esporte, mais que competição. É a paixão que envolve, é o sofrimento que alegra, é a fidelidade que unifica.

Por essas razões, pensei muito na decisão que ora comunico e pensei muito no que dizer sobre minha decisão.

Presidir paixões não é tarefa fácil. Futebol em nosso país é sempre automaticamente associado a duas imagens: talento e desorganização. Quando ganhamos, despertou o talento. Quando perdemos, imperou a desorganização.

Fiz, nestes anos, o que estava ao meu alcance, sacrificando a saúde, renunciando ao insubstituível convívio familiar. Fui criticado nas derrotas e subvalorizado nas vitórias. Mas isso é muito pouco, pois tive a honra de administrar não somente a Confederação de Futebol mais vencedora do mundo, mas também o que o ser humano tem de mais humano: seus sonhos, seu orgulho, seu sentimento de pertencer a uma grande torcida, que se confunde com o país.

Ao trazer a Copa de 2014, o Brasil conquistou o privilégio de sediar o maior e mais assistido evento do mundo, se inseriu na pauta mundial, alavancou mais a economia e aumentou o orgulho de todo o povo brasileiro.

Tentei, no limite das minhas forças, organizar os talentos. Nas minhas gestões, criamos os campeonatos de pontos corridos e a Copa do Brasil, aumentamos substancialmente as rendas do futebol brasileiro, desenvolvemos o marketing e, principalmente, vencemos.

Hoje, deixo definitivamente a presidência da CBF com a sensação do dever cumprido. Não há sequência de ataques injustos que se rivalizem à felicidade de ver, no rosto dos brasileiros, a alegria da conquista de mais de 100 títulos, entre os quais duas Copas do Mundo, cinco Copas América e três Copas das Confederações. Nada maculará o que foi construído com sacrifício, renúncia e dor.

A mesma paixão que empolga, consome. A injustiça generalizada, machuca. O espírito é forte, mas o corpo paga a conta. Me exige agora cuidar da saúde.

Em obediência ao estatuto da CBF, mais precisamente ao disposto em seu artigo 37, você, meu vice-presidente e ex-governador de São Paulo, José Maria Marin, passa a presidir a CBF. A você, desejo sorte, para que o talento se revele na hora certa; discernimento, para que o futebol brasileiro siga cada vez mais organizado e respeitado; e força, para enfrentar as dificuldades que certamente virão.

Deixo a CBF, mas não deixo a paixão pelo futebol. Até por isso, a partir de hoje e sempre que necessário, coloco-me à disposição da entidade. Reúno-me com mais força à minha família, que entendeu minha missão, apoiou-me sempre e me faz ainda mais feliz.

Agradeço de maneira especial aos presidentes de clubes e das federações estaduais, aos dirigentes e colaboradores da CBF, amigos leais em quem sempre encontrei apoio incondicional para o desempenho de meu trabalho.

À torcida brasileira, meu muito obrigado. Nunca me esquecerei das taças sendo erguidas. Elas estão no coração de cada um de nós. Elas são um pedaço do Brasil."

Ricardo Terra Teixeira