sexta-feira, 20 de junho de 2014

Fwd: Orlando Senna - O lado escuro da bola


O lado escuro da bola

Por Orlando Senna

 

A FIFA está completando 110 anos de existência e vivendo o clímax de seus envolvimentos com a prática de várias modalidades de corrupção. A FIFA, Fédération Internationale of Football Association, foi fundada no início do século XX por representantes da Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Suécia e Suíça para organizar torneios de futebol entre países. As primeiras Copas do Mundo aconteceram em 1930, 1934 e 1938, seguindo-se uma interrupção de 12 anos devido a Segunda Guerra Mundial. O torneio foi retomado em 1950 no Brasil e não aconteceram outras interrupções, o que significa que estamos vivenciando a vigésima Copa. Como quase em todas elas, a FIFA e o governo do país sede estão em conflito, no caso presente a presidente Dilma e Sepp Blatter, presidente da entidade, estão praticamente de relações cortadas.

O episódio mais marcante dos conflitos FIFA/países sedes (que só afloram depois que o país é escolhido e começam as negociações práticas) aconteceu na Copa de 1986, que ia ser na Colômbia e aconteceu no México, que já havia sediado a de 1970. Foi uma decisão emergencial, frente a uma inesperada desistência da Colômbia e o que vale lembrar é a justificativa apresentada pelo então presidente colombiano Belisario Betancur: "não se cumpriu a regra de ouro de que a Copa deve servir à Colômbia e não a Colômbia servir à multinacional FIFA. Não há tempo para atender às extravagâncias da FIFA e de seus sócios".

As conhecidas extravagâncias, que nesta Copa do Brasil foram apelidadas "padrão FIFA" e geraram insatisfação popular. O governo brasileiro anunciou que os gastos públicos com a Copa serão de cerca de 12 bilhões de dólares (25.6 bilhões de reais) e que, além da grande propaganda planetária do Brasil, os investimentos em infraestrutura significarão importante retorno para a população. A FIFA diz que gastou 2 bilhões de dólares mas não declarou o que vai receber ou já recebeu pela venda dos direitos de imagem dos jogos, pelo licenciamento de produtos e dos patrocinadores. Vale lembrar que a FIFA é uma organização sem fins lucrativos, conformada por federações futebolísticas de 209 países.

A corrupção se manifesta de maneira mais expressiva na engrenagem através da qual os países são escolhidos como sede. O escândalo da vez são subornos a dirigentes da FIFA para que Catar fosse eleito sede da Copa de 2022. Catar é um emirado absolutista, acusado de usar o trabalho escravo de imigrantes, com o maior índice de mortes de trabalhadores imigrantes do mundo, não tem tradição futebolística, não tem estádios mas tem muito dinheiro. Na semana passada o craque alemão Beckenbauer, campeão do mundo como jogador e como técnico, membro do Comité Executivo da entidade, foi proibido de participar de qualquer atividade futebolística por 90 dias por "motivos éticos", "por se negar a cooperar com a investigação de corrupção na escolha de Catar".

O interessante é que a própria FIFA é quem se encarrega de investigar acusações contra seus dirigentes e, claro, não dá em nada a não ser em uma pequena maquiagem no fato. Bom exemplo é o de João Havelange, o brasileiro que "modernizou" a FIFA durante sua gestão de 24 anos como presidente. Segundo a Justiça suíça, Havelange e seu genro Ricardo Teixeira, presidente da federação brasileira, receberam propinas da Adidas no valor de 45 milhões de reais e devolveram apenas cinco milhões e ficou por isso mesmo.

Não vou fazer lista de corruptores passivos e ativos da FIFA, qualquer pessoa medianamente interessada em futebol conhece o assunto, que, aliás, não sai da mídia. É um mundo misterioso de cartolas internacionais e intocáveis que, ao mesmo tempo, fazem acontecer o maior espetáculo da Terra, promovem negociatas ilegais e gigantescas com governos e empresas e gozam de impunidade. Em vez de fazer uma lista longuíssima, prefiro expor a mentalidade de dois desses cartolas, o suíço Sepp Blatter, e o francês Jérôme Valcke, secretário geral da entidade e negociador da Copa do Brasil. 

Para mostrar como pensam basta uma frase de cada. Sobre a questão do Brasil mudar a lei que proibia bebida alcoólica nos estádios, porque a FIFA tem um contrato com a cervejeira Budweiser, Valcke disse, em entrevista coletiva: "talvez eu pareça arrogante mas isso não negociamos, deverá estar na lei o fato de que nós teremos o direito de vender cerveja". O governo obedeceu, o álcool voltou aos estádios, Valcke mostrou seu poder, bateu o pau na mesa. Blatter, na CNN, dando uma ideia para tornar o futebol feminino mais popular: "elas devem usar calções mais curtos". A questão é: como parar (afastar, processar, prender) esses poderosos meliantes machistas autoritários e continuarmos tendo as Copas do Mundo, amadas por bilhões de pessoas? Não sei a resposta, mas ela deve existir. 

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