sexta-feira, 27 de junho de 2014

Fwd: Orlando Senna - O lado luminoso da bola

O lado luminoso da bola


por Orlando Senna


A Copa do Mundo 2014 terminou a fase de grupos ontem, dia 26, com a classificação de 16 países, metade dos que iniciaram a competição. Começa amanhã, dia 28, as oitavas de final, da qual sairão oito países para as quartas de final e, em seguida, restarão quatro países para disputar as semifinais e a final. As oitavas são consideradas a fase mais cruel, é o mata-mata, quem perde sai. Muita coisa ainda pode acontecer até o encerramento no dia 13, mas o perfil desta Copa já se delineou. Um perfil que engloba a igualação técnica, tática e física das equipes de países com tradição em Copas, antes tidos como os grandes do futebol, e dos que eram tidos como pequenos, e a nitidez com que se apresentou o conceito de "futebol moderno" nos estádios do Brasil. As frases mais ouvidas até agora das comissões técnicas foram "não existe mais jogo fácil" e "não existem mais times bobos".

O "futebol moderno" que está nos estádios e na boca do povo não tem o sentido clássico da mesma expressão, referindo-se à regulamentação geral desse esporte na Inglaterra, em 1836, quando cidades jogavam com regras próprias, impedindo torneios entre os times. Creio que a definição correta seria futebol contemporâneo e tem a ver com a evolução natural desse esporte ao longo de quase dois séculos e, principalmente, com o avanço veloz das tecnologias científicas e audiovisuais nas últimas décadas. Essas tecnologias criaram condições para uma preparação exponencial dos atletas e dos sistemas táticos e estiveram (estão) ao alcance de países pobres e em desenvolvimento, gestando o nivelamento técnico-tático-físico de seus times.

O futebol mantém seus princípios e suas regras essenciais, o que mudou foi a maneira de aplicá-los. Mantém seus fundamentos (passe, chute, cabeceio, controle, condução, drible, domínio, marcação), o que mudou foi o modus operandi, foi como potencializar, maximizar, o passe longo e a visão de jogo, o drible curto e a posse de bola, os esquemas táticos e o vigor dos jogadores percorrendo 12 quilômetros em uma partida e atingindo a velocidade máxima de 45 quilômetros por hora, com preparo físico superior a maratonistas e velocistas. Os desenhos táticos criaram novas relações de entendimento e distância entre defesa, armação e ataque (na trilha, por exemplo, do jogo envolvente da seleção da Holanda 1974, a Laranja Mecânica, e do tique-taque do Barcelona e da seleção espanhola dos últimos anos). Enfim, um futebol ao mesmo tempo mais rápido e mais cerebral, superando ou unindo as vertentes do futebol-arte e do futebol-força, que disputaram a supremacia durante anos.

Menciono dois cases da fase de grupos: EUA, país grandão considerado futebolisticamente um anão, e Costa Rica, país pequeno em todos os sentidos, inclusive no futebol. Nos EUA aconteceu a conquista de um vasto público onde antes havia pouco interesse pelo "esporte bretão", apesar do esforço de empresários, da contratação de Pelé e Beckenbauer para jogarem no New York Cosmos, de sediar a Copa de 1994. O desinteresse persistiu até a vitória de 2 a 1 dos EUA sobre Gana e recrudesceu, como em um passe de mágica, no empate dramático com Portugal. A partir daí, multidões se reuniram em praças e clubes para ver e celebrar os jogos. A Casa Branca recebeu uma petição pública, com milhares de assinaturas, solicitando que fosse decretado feriado nos dias de jogo do time dos EUA. Quem iria imaginar? Sabemos que a cultura dos EUA é essencialmente ligada à competição e à vitória e o fato do time deles ter condições reais de ser campeão do mundo mudou a relação com esse esporte. 

Antes da Copa, o diagnóstico da mídia e da opinião esportiva era que Costa Rica era "presa fácil", os adversários iam aproveitar para fazer saldo de gols. Ainda mais porque estava no Grupo da Morte, com três campeões mundiais pela frente. Passou por cima dos três, brilhou intensamente, está nas oitavas. Sempre existiram as "zebras", os times que surpreendem, mas já não se trata disso, se trata de qual dos times, todos igualados tecnicamente, tem mais inteligência e habilidade instintiva. O espetáculo mudou e acho, depois de ficar atento a mais de dez Copas, para bem melhor. Uma amiga tica, ou seja, costa-riquenha, leu minha última postagem aqui, O lado escuro da bola, e mandou um e-mail interessante: "escreva sobre o lado luminoso: Costa Rica". Pois é, luminoso.

 


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