quinta-feira, 29 de julho de 2010

GERAÇÃO "CABEÇAS" VOLTA A SE ENCONTRAR EM BRASÍLIA

Recebi do produtor Neio Lúcio carta convite para participar de um "Encontro Cabeças", que será realizado dia 14 de agosto no Parque da Cidade, onde relembraremos os primeiros encontros culturais de uma geração (quase) totalmente brasiliense que resolveu encarar o vazio criado pela ditadura militar com arte, ou seja: pintura, dança, poesia, teatro e muita música.  Leiam o convite para o revival:

Primeiras informações.

Caros amigos,

Antes de dar começo a correspondência com informações sobre as intenções iniciais desse projeto, peço-lhes licença pra narrar um episódio que me aconteceu, não faz muito tempo:

Eu me encontrava dentro de um elevador abarrotado de gente e desconfortável silêncio, quando um homem apareceu acompanhado do seu filho de pouco mais de cinco anos idade. Um belo menino com olhar estupendo. Nem bem se acomodaram e o garoto foi logo dizendo: Pai! (Pausa... sempre existem pausas nos diálogos entre pais e filhos) Pai... - e insistiu, puxando a manga do paletó do homem. Estou com saudade de sorvete! Intrigado com a aplicação que o moleque deu a palavra, decidi abandonar meu silêncio também. Agachei-me para que nossos olhos esbarrassem e, no exato momento que isso se deu, perguntei: O que é saudade pra você? Ele revirou várias vezes os olhinhos na órbita como se procurasse o esconderijo da resposta e, seguro de havê-lo encontrado, tornou a me olhar e disse: É vontade de outra vez!

Agora puxo eu a manga do paletó de todos os nós para perguntar: Como é possível se comemorar os 50 anos de Brasília, ou seja, cinco décadas, sem um projeto que se dedique a retratar os acontecimentos artístico-culturais da década de setenta e oitenta que, como sabemos, foram as mais criativas e representativas de quase todas as expressões artísticas jovens desta cidade?

Desde que me pus a pensar no assunto tenho envidado esforços para elaborar projeto que se mostre capaz de valorizar essa geração de gente afeiçoada aos princípios de modernidade plantados em Brasília. Sinto nascer em mim à saudade vigorosa desse menino e noto algo de semelhante nas diversas pessoas com quem me encontro na eventualidade. O entendimento deste sentimento está norteando o empreendimento que se destina ao abrigo afetuoso, coletivo e cooperativo dessas tantas "saudades" esparramadas em solidão pelas ruas de uma Brasília agora metropolitana.

"A cidade, como instituição, é relapsa com a sua história". Foi o que me disse outro dia um homem de pouco riso e completamente careca, outrora um daqueles meninos lépidos que viviam nos Concertos Cabeças. Mas nós podemos atuar para mudar esse quadro, juntando e organizando disciplinadamente a história das nossas vivências, sobretudo porque elas se confundem com a cidade, especialmente aquela sui generis urbis, Brasília dos anos 70 e 80. Arrisquei minha convicção em plena faixa de pedestre e ganhei sorriso do menino que apareceu nos olhos do homem circunspeto.

Tenho consciência que o projeto precisa nascer acompanhado dos princípios que faziam produzir os nossos gestos e, fundamental, que o de agora possa reavivar em cada uma das pessoas envolvidas o indispensável sentimento de "pertencimento", sem o qual o esforço de pouco valerá.

Por tanto, o Encontro Cabeças, a ser realizado no dia 14 de Agosto, na Praça das Fontes, no Parque da Cidade, nada mais é que o nosso convite para reunião afetuosa dessa geração de gente e agentes das artes da cidade. E gostaríamos muitíssimo que todos abrissem generosamente suas gavetas, baús, armários, arquivos para doarem fotos, testemunhos, textos, depoimentos, gravuras, imagens, cartazes, programas, enfim, guardados materiais e imateriais que somados possam enriquecer a memória desse tempo.  

Cabeças - Centro Brasiliense de Arte e Cultura tem intenção de organizar este dispersado patrimônio para dar começo aos trabalhos de construção de "possível museu". Afinal, museus são espaços que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. São pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes. Ele é a presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o objetivo de propiciar à ampliação de campo das possibilidades de construção identitária, da percepção crítica da realidade. A democratização do acesso, uso e produção, servem, sobretudo, para a promoção da dignidade da pessoa humana. Por isso, inicialmente, a construção desse "SITE" onde todo material reunido até o momento será agrupado, para posterior organizada disponibilização.

O ciberespaço se consagrou nos dias atuais como mecanismo de grande acesso as informações, agilidade e expressiva interatividade. Ao hospedarmos os conteúdos nesse ambiente, estaremos imprimindo velocidade a estas informações históricas para que possam também servir aos tempos atuais. Pessoas de todos os cantos vão poder atuar no enriquecimento das lembranças por meio de seus depoimentos pessoais, podendo e sobretudo devendo vir a se tornarem agentes depositários de documentos históricos de toda espécie.

Nesse momento estamos compondo grupo de trabalho, recebendo sugestões e colaborações participativas para o gerenciamento desta ferramenta, de maneira a mantê-la "atualizada dos acontecimentos passados e enriquecida dos conteúdos não somente saudosos". Trata-se do nascimento do "museu do nosso pertencimento e vivências com a cidade", com interessados acessando os conteúdos e também pessoas afins por intermédio das salas de conferências. Porque ainda que tenhamos produzido diversos materiais pertinentes ao tempo para este momento do "Encontro", seguramente haverá muito a ser contado e garimpar pacientemente estes conteúdos, certamente vai representar inestimável contribuição para a história da cidade e para esta expressiva geração de brasilienses com dedicadas colaborações para sua humanização.

Aguardamos todos vocês, sem exceção ou exclusão.

Saudade,

Neio Lúcio

 

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Há vida além dos shoppings.
Parabéns por sua iniciativa!
Abs,
Floriano