INSTALAÇÕES HUMANAS SUBSTITUEM PLUMAS E PAETÊS
Por Luis Turiba
Sou um mangueirense histórico. Menino criado na Rua São Francisco Xavier, fiz da Estação Primeira da Mangueira um espaço familiar da minha juventude. Ali, entre a linha do trem, a quadra e o Buraco Quente, aprendi quase tudo de samba, ouvi Cartola, assisti Delegado e cantei sambas e mais sambas com mestre Jamelão. Mangueira teu cenário é uma beleza. Teu morro sempre foi um pedaço da minha existência.
Desfilei inúmeras vezes pela verde-e-rosa e fui campeão algumas vezes, com Braguinha e Chico Buarque, por exemplo. O surdo 1 da Mangueira mora no meu coração. Em minhas artérias, sua marcação cala forte.
Este ano, porém, me dedique a Beija-Flor de Nilópolis. Como poeta e morador de Brasília, ajudei no que foi possível a construção do enredo "Brilhante ao Sol do Novo Mundo, Brasília: do sonho à realidade, a Capital da Esperança."
Assisti e documentei em vídeo toda a construção do enredo, desde as primeiras reuniões em março/abril, quando o vice Paulo Octávio e o ex-secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, foram à Cidade do Samba negociar o patrocínio para o enredo.
De cara, percebi ali que Selmynha Sorriso era uma pessoa muito além da porta-bandeira nota 10 de todos os carnavais carioca. Uma mulher vibrante, líder, bela, brasileiramente consciente e ligada na evolução do País. Fiz com ela uma amizade especial. Ela e o impecável Claudinho.
Nesse processo, fui indicado por Gorgulho para receber os carnavalescos Alexandre Louzada, Bira e Fran Sérgio, acompanhá-los na cidade e abrir a eles todos os segredos da história da construção de Brasília. Juntos, visitamos mil lugares, do florido do cerrado ao Açougue Cultural T-Bone, voamos de helicóptero, surfamos no Lago Paranoá, mergulhamos em todas as dimensões da história da cidade.
Quando Laila veio aqui ouvir os sambas dos compositores de Brasília, também estive presente e até compus um samba enredo que foi classificado aqui, com outros três, e chegou a ser cantado na quadra em Nilópolis – o que foi uma honra para este sambista amador. Mas foi tudo muito vivo, dinâmico, um processo amoroso.
Fomos ao Rio inúmeras vezes, o documentarista Maxtunay e eu. Filmamos tudo em todos os detalhes. Documentamos os carros alegóricos ainda nas armações de ferro. Fizemos a emoção da escolha do samba enredo; os ensaios na Sapucaí, a escola se preparando para o desfile. Mais de 20 horas de filmes.
Ontem, torcemos ardentemente pela vitória da Beija. Primeiro, porque Brasília precisa elevar seu alto astral. A quadrilha que tomou conta do Buritinga jogou muita merda do ventilador da capital. Brasília está acima de toda essa bandalheira e seu povo sofrido precisa se elevar. Depois, porque todo o material que fizemos teria muito mais valor no mercado dos documentários com a vitoria da Beija.
Não deu. A Beija-Flor ficou em terceiro lugar. Muito bem: venceu o bom senso e uma nova proposta de valor estético para o carnaval carioca.
Há três anos acompanho o trabalho plástico e evolutivo do carnavalesco Paulo Barros. Acabou o carnaval das plumas e paetês. Agora, vale o humano, a instalação de corpos, seus movimentos, suas cores. Surge um novo conceito de desfile e beleza para as escolas de samba do Rio de Janeiro.
A Unidos da Tijuca vinha na cola deste campeonato há três anos. Venceu e mereceu vencer. Os demais carnavalescos terão agora que repensarem suas propostas, seus conceitos, suas idéias.
A Beija-Flor falou de Brasília. Mais de uma maneira antiga. A Grande Rio, vice-campeã, contou magistralmente a história do Sambódromo. Também nada de novo. Quem fez mesmo magia e diferença neste 2010 foi Paulo Barros e sua experimental Unidos da Tijuca.
Valeu a beleza, a ousadia, a nova estética do samba carioca, que ganhou um certo ar planetário e universal. Daqui pra frente o espetáculo do carnaval carioca tem novo paradigma. Viva a Paulo Barros e suas instalações humanas.