Nem tudo começou como manda o script. O ex-beatle Paul McCartney primeiro traiu a tal pontualidade britânica que tem marcado suas apresentações pelo mundo e começou o segundo e último show em São Paulo, ontem, no Estádio do Morumbi, na zona sul, com 13 minutos de atraso, às 21h43. Era uma colher de chá aos fãs que não chegavam ao estádio por causa da chuva e do trânsito. A apresentação foi diferente da primeira.

Mas tudo parecia estrategicamente pensado. Quando Paul surgiu no palco, de paletó vinho e cheio de brilho, a chuva tinha quase parado, o público já tirava as capas de chuva e o som não poderia estar melhor. O primeiro gesto do músico foi medir a temperatura da plateia. E como se estivesse tocando em uma chapa fervente, o ex-beatle deu a entender que o clima no Morumbi estava pelando.

Paul veio pesado para a segunda noite. Melhor do que sua abertura de domingo, com Venus and Mars, chegou com uma Magical Mistery Tour que parecia bater no peito de quem estava na plateia VIP. Foi um golpe certeiro, daqueles que criam reação imediata. Casais se abraçavam e pulavam juntos, amigos davam as mãos e erguiam ao alto. Nas arquibancadas, no entanto, o som chegava abafado, sem definição.

Ao final da música de abertura, sem dizer nada, Paul emendou Jet, hit do grupo Wings nos anos 70. E aí fez uma referência à música brasileira. 'Boua notche São Paulo, boua notche Brasil. Tudo bem na chuva?', disse, ainda que já não estivesse mais chovendo. E emendou um inesperado e gingado 'Chove, chuva', em referência à música de Jorge Ben Jor. E parte da plateia respondeu 'chove sem parar'. Seguiram-se hits como Got to Get You Into My Life e Let Me Roll It.

Depois de My Love, ele tocou I'm Looking Through You, e, em seguida, Two Of Us, duas músicas que não havia tocado no primeiro show na capital. Ele voltou a falar muito em português e improvisou uma música em que a única letra era 'São Paulo'. De novo, o momento mais emocionante da apresentação foi Hey Jude, com as 64 mil pessoas que lotavam o estádio cantando em coro. A previsão era de que o show durasse três horas.

Bis. Muitos fãs do ex-beatle foram ao Morumbi ontem pela segunda vez para acompanhar mais uma noite de rock. 'Uma vez só não é o suficiente. Ontem, ele não tocou Magical Mistery Tour. Hoje ele abriu o show com essa', comemorava Malone Cunha, que veio de Belém.

No Morumbi, mesmo ensopados, fãs fizeram o impossível para conseguir um lugar próximo do alambrado. As irmãs Lidiane e Viviane Almeida vieram do Rio, chegaram às 21h de anteontem e dormiram no chão para ficar no começo da fila.

Letícia Souto não reclamou. 'Pelo menos deu para ouvir o show inteiro do Paul anteontem. Ouvíamos as músicas e tudo o que ele falava', disse. Sueli Piñol estava acampada desde sexta-feira. Tamanha a ansiedade, a fã Rafaela Ely queria apressar o músico sob a chuva. 'Sir Paul, o senhor tem um show para fazer', brincou. 'Anteontem, fiquei muito perto da grade. Agora vou mais longe, para ver o espetáculo completo', afirmou.

Alguns fãs reclamaram de uma suposta falta de organização nas filas. Segundo membros de uma caravana carioca, a bagunça teria ocorrido quando juntaram a fila 2 à fila 4 e quem estava em primeiro lugar perdeu a preferência. Às 19 horas de ontem, apesar do trânsito, a entrada do público era tranquila.

DO MORUMBI

Água fria

A chuva mudou os planos dos camelôs. Ontem, um vendedor oferecia peças molhadas por R$ 20. 'Mas tenho secas, não se preocupe, não.' Na noite anterior, disse, faturou R$ 3 mil.

Drive My Car

Muita gente que tem casa com garagem nas imediações do estádio aproveitou para faturar. Antes do show, cobravam R$ 100, o dobro do valor pedido por guardadores de carro.

Birthday

Na primeira noite, a artista plástica Tomie Ohtake assistiu ao show de Paul McCartney da Sala Raí, um espaço reservado no estádio com o nome do jogador. Ela comemorava seus 97 anos.