A cada manhã eu resisto por todos nós e por mim, nesse país onde o sol também testemunha e cala como nós a cada segundo, como as gargantas arranhadas e os olhos agrisalhados.
A cada manhã crio em mim um novo pasto, um cabrito, um punho fechado e um aberto para lutar e afagar, fazendo questão absoluta de não errar de rosto e não marcar de sangue a boca de um amigo nem manchar de Amor a cara de fera dos homens que são só lobos.
A cada manhã renasço e insisto, reespero (mesmo que à tarde desespere) e acredito que haverá um dia em que serão bandeiras e, não, lenços brancos que cobrirão o espaço; que serão risos , não, lenços brancos que revestirão o cais e os aeroportos; que sairá das vozes não um gemido estertor mas um grito humano e de guerra, como guerreiros que somos da Vida, insistentes sobreviventes de um túnel que nunca será (e)terno.
A cada manhã, eu - que andei léguas e quilômetros nas praças de outras gentes, senti e vi o frio, a Dor e a fome e amei sempre loucamente, me lembro da minha cidade (azul como o céu em dia de sol), do meu vizinho, do companheiro que na cadeira do ônibus me diz nos vergões dos seus silêncio e rosto como vai indo a Vida; me lembro que mesmo morrendo levarei sempre a esperança comigo, e Irecê, e San Sebástian do Rio de Janeiro, y as manhãs cinzas de sangue que durante tanto tempo nos têm cortado os olhos e amassado o coração como se ele fosse um simples maço de cigarros vazio; e da visão intrínseca de milhões de bocas rotas, desdentadas, comendo fogo e o pão que o Diabo amassou por ordem de quem, eu não sei), a cada dia que passa e repassa.
A cada manhã me suicido por ter que falar e calar essa mesma língua, que é minha, mas sei que não são praças longínquas que me têm nada a ver.
A cada manhã tenho saudades do tempo que não sei e daquele que não sei se era feliz, e saudades das saudades que me corroeram durantes cinco longos anos e meio de exílio; mas também a cada manhã tenho certeza de que faço parte desta cidade(azul como um céu em dia de Céu aberto), das paredes – e, não, dos muros desse país; do mijo dos transeuntes, da boca de cada um, das mãos que ora me afagam, ora me empurram, ora me apertam e apertam a campainha do ônibus e descem pra trabalhar; dos olhos encardidos que olham e guardam cada facada no peito estraçalhado de cada homem que se chama brasileiro, cuja profissão é a esperança, cujo destino é incerto e desconhecido, cujo próximo segundo pode ser a Presidência de República, um carro sobre a cabeça, uma overdose de heroína, cocaína ou porrada, um tiro no meio da testa ao sair do edifício ou à porta do trem.
Dentro deste país moram Homens e dentro deles um anjo de ferro, de aço, de fogo,
que se chama Solidão. Dentro deles moram Homens e a cada manhã tenho mais certeza disso.
E acredito em cada uma que começa, como se nunca tivesse sabido o que fosse o depois.
Nesse país moram Homens e nessa cidade, também.
Nesse país moram homens e mulheres, meu(s) amore(es), quando começam todas as manhãs.
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Feliz ano todo
Marcia de Almeida
Editora
www.emdiacomacidadania.com.br
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