quinta-feira, 29 de novembro de 2012

ANA LÚCIA PARDO QUER SABER QUAIS SÃO "AFETOS E UTOPIAS NA ERA DIGITAL"

ENTREVISTA COM ANA LÚCIA PARDO, coordenadora do Ciclo de Debates "Inter-Agir"


Por Luis Turiba

 

Ana Lúcia Pardo é atriz, jornalista, gestora e pesquisadora de cultura e de arte contemporânea. Gaúcha, veio para o Rio de Janeiro fazer teatro. Foi além: é mestre em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ. Foi do Ministério da Cultura na Era Gil e assessora do presidente da Comissão de Cultura da ALERJ. É curadora e coordenadora dos Ciclos de Debates que nas edições de 2006, 2007 e 2010  receberam o nome de "A Teatralidade do Humano" e nesta edição foi chamado de "Inter-Agir: no palco, na rua, na rede, na cena contemporânea".

 

Aqui, ela faz um breve balanço do ciclo que neste segundo semestre ocupou o espaço Oi Futuro Flamengo e afirma que "as redes sociais ganharam novas dimensões transformando-se em verdadeiro novos palcos".

 

Pergunta – Depois de trazer tantas cabeças coroadas e internacionais – como por exemplo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, o alemão multimídia Florian Thalhofer, o professor de filosofia da USP Vladimir Safatle, o sociólogo francês Michel Maffesoli e outros - para debates temáticos com o público, pensadores e artistas brasileiros, o "Inter-Agir" resolveu agora escancarar e abriu para a galera ocupar a cena. Por que essa democratização?

 

Ana Lúcia Pardo – A idéia de fazer esse ciclo de debates parte das inquietações do nosso tempo, que também são as minhas inquietações. Buscamos criar um espaço de troca, de misturas de linguagens, áreas de pensamento, saberes, procedências, coletivos, experiências e tribos, junto com alguns teóricos, artistas e grupos que, no meu entendimento, poderão oxigenar com seus questionamentos e intervenções. Para escrever, criar, inventar, convocar as pessoas para o encontro, parto do princípio de que é preciso refletir sobre a sociedade em que estamos inseridos, o campo social, cultural, ecológico, econômico. Não só olhar a sua aldeia, a sua comunidade e o seu entorno, pois vivemos numa aldeia global, de forma que a crise mundial e os indignados nas ruas e redes nos outros países me atinge diretamente, não posso ficar indiferente ao que acontece do meu lado ou do outro lado do mundo. Mas não basta se inquietar e tornar-se um espectador da vida, nem mesmo estar auto-centrado, resultando em um mundo de protagonistas e de coadjuvantes, acredito que a construção e possível transformação sempre serão coletivas, mas este é o desafio, pois a nossa tendência é querer conduzir sozinhos o processo, pois no campo de incerteza que vivemos e numa sociedade competitiva, somos impelidos a disputar cada vez mais, a estar no foco, buscar o reconhecimento e acumular para consumir. Por isso, estou movida a ampliar a rede e caminhar em outra direção.

 

 

P – Mas por que abrir para a galera, para o desconhecido?

 

ALP - Lá no início do Ciclo, em 2006, procuramos colocar na centralidade a teatralidade do cotidiano, da rua, o que nos interessava era considerar que a arte não estava circunscrita somente ao artista, ao teatro, ao palco. Creio que a minha experiência com o teatro feita com os servidores da Funarte, com os camponeses do MST, com crianças em situação de rua, me fez observar o indivíduo comum, não ator, que não escolheu ou teve oportunidade de seguir o ofício da arte, um potencial enorme de expressão e uma disponibilidade e até necessidade de sair de seu personagem diário e ser um outro, sair do funcionário que costuma carregar consigo a burocracia, a instituição e não assume nunca uma autoralidade, que na mudança de gestão perde o cargo, fica esquecido, no caso da Funarte e do MinC, esse servidor costuma fazer acontecer o projeto de criação e o sonho dos outros; ou de um camponês, cujo personagem está impregnado na pele, no chapéu, nas ferramentas que usa; ou no estigma carregado pelos jovens e crianças que vivem na rua que são vistos somente como uma ameaça. Essa arte da vida cotidiana, da vivência, me interessa explorar, pois ela é libertadora e por valorizar mais o processo do que o resultado está grávida de possibilidades. Além disso, o uso do palco tem uma dimensão política, coloca na centralidade da cena algo sob a luz, é feito para ocupar a Ágora e tomar o bastão. Atualmente as redes sociais tornaram-se também o formato de palcos, espaços de representação e cada vez mais as manifestações e movimentos políticos assumem também feições artísticas. Ou seja, a arte cada vez mais perpassa todas as dimensões do humano. É, portanto, por conta disso, que resolvi que o ciclo precisava trazer essas expressões a partir de suas inquietações. Que urgências essa nova galera têm? Que tipo de propostas e caminhos encontraremos a partir daí? Só indo lá pra ver, é uma aposta no escuro, não temos o resultado, mas muita gente está entrando na rede e se inscrevendo. No final das apresentações, pretendemos fazer uma roda de conversa, um fórum para trocar as impressões sobre as urgências do momento.

 

P- Ao longo desses seis anos de ciclos, você acha que valeu a pena? As coisas estão realmente interagindo?

 

ALP- Observo que o nosso ciclo certamente que vem influenciando alguns teóricos, artistas, acadêmicos, universidades, que passaram a discutir e até a criar disciplinas voltadas para a Teatralidade, livros, textos e determinados projetos culturais e sociais que passaram a se embasar nessa concepção. Porém, ao mesmo tempo que partimos de um conceito, não temos somente uma linha de pensamento ou de linguagem artística nestes encontros, portanto, não são fórmulas prontas que buscam serem seguidas, seria contraditório à construção coletiva. Bertolt Brecht sempre defendeu um teatro crítico, mas segundo ele, quem transforma a realidade é o público. Essas pessoas que comparecem aos debates do Ciclo, que participam, são essas que irão interferir na realidade. Não tenho a pretensão de dizer que estamos fazendo a transformação, se conseguir instigar, provocar, inquietar e ser provocada também, estou satisfeita, pois também saio igualmente impactada por outras questões em cada encontro.

 

P- Em todos os debates desse ano, a cultura cibernética da Era Digital esteve presente tematicamente.  Ao mesmo tempo, essas conversas foram realizadas num espaço todo conectado como o Oi Futuro do Flamengo. Houve uma integração dos temas com o espaço?

 

ALP- Sim, claro. O Ciclo "Inter-Agir" tinha como objetivo também discutir a Era Digital e o que impacta nas artes e na vida cotidiana. Como o mundo digital e multimídia dialoga com as linguagens artísticas, como as novas ferramentas digitais ajudam as novas maneiras de criação. A natureza do teatro é ser uma arte presencial, mas mesmo o teatro está dialogando com a Era Digital. Vimos aqui no Oi Futuro uma peça que começou no palco, saiu para as ruas, mas foi transmitida para um grande público via internet na plateia e também muita gente estava on line. Então, as redes sociais são também outros palcos além do palco italiano, a arena, a caixa preta do teatro presencial. Porém, como grupo Teatro Para Alguém, essas fronteiras foram rompidas pois tínhamos a cena acontecendo no palco italiano e virtual na rede ao mesmo tempo. Outros palcos, portanto, surgem com a rede e são também grandes espaços de representações. O mundo está cada dia mais teatralizado, espetacularizado, já dizia Guy Debord. Trouxemos bastante essas teatralidades das ruas e dos diversos palcos. Percebo que as pessoas não querem mais ser somente espectadores ou consumidores, depositárias de produtos, de espetáculos, de cultura que se tenta levar para elas pois todos têm uma história, uma origem, algo a transformar e um rico potencial no campo dos sentidos para exercitar. As redes se revelaram essa grande arena de ideias, protestos, manifestações, vídeos, músicas, dança, enfim, canais de expressão, muito para falar tão somente da vida cotidiana.

 

P- E o espaço Oi Futuro é apropriado a isso? Houve um bom casamento entre proposta e espaço?

 

ALP- Claro que sim e isso foi fundamental para o sucesso do Ciclo "Inter-Agir". O Centro Cultural do Oi Futuro foi muito receptivo à criação deste ciclo, me senti acolhida por uma equipe que tornou-se cúmplice do processo. Não tratamos numa relação somente institucional, mas no campo das ideias já que eles são da área cultural e artística. Outro fator que acho importante mencionar é que o palco é transformável e se adéqua a cada formato que imprimimos de acordo com o tema trazido na mesa, os convidados e as apresentações artísticas propostas, das oficinas e da mostra. Mas o que mais valorizo de tudo isso é a autonomia com que trabalhamos, nunca sofremos interferências, mesmo quando trazemos para o debate questões contundentes, complexas e provocativas. Me senti muito acolhida, pois a interferência é sempre um risco. Afinal, esse ciclo de debates não busca fórmulas de sucesso, não é midiático, não é um megaevento. Ao contrário, trabalhamos sempre com questões novas no caminho, com gente que está na contramão, com a reflexão crítica acerca da realidade. Sem dúvida, acredito que o Oi Futuro, por ser um espaço de convergências e trocas, interconectado com as tecnologias, voltado para o diálogo com a arte contemporânea e a arte digital, dialoga completamente com esse ciclo multifacetado, interdisciplinar, misturado pois esse ciclo foi criado para este espaço, mesmo que saia pra rua, pra rede, o centro cultural tornou-se o pólo irradiador do evento. Poderia dar um exemplo de quando trouxemos a teatralidade do riso para o debate, convidei palhaços de muitos lugares, circos que tomaram todos os espaços do centro cultural Oi Futuro, nas escadarias, na entrada, no café, na biblioteca, haviam cenas e números circenses. 

 

P- E qual o próximo passo do "Inter-Agir". De que vai tratar o ciclo de debates em 2013, véspera da Copa do Mundo no Brasil?

 

O que me move neste momento a pensar a continuidade desses ciclos será me dedicar a duas questões que me atravessam muito fortemente nesse momento e que deverão perpassar o meu próximo trabalho e, inclusive, busco pesquisar como tema de doutorado: os afetos e as utopias para um novo mundo. Nos cabe construir ou transformar buscando, a partir dos afetos e do reencantamento, novos horizontes.   

Outro projeto será o livro da segunda edição que pretendo organizar e que vai trazer, assim como o primeiro livro A Teatralidade do Humano, muitos artigos de teóricos nacionais e internacionais, depoimentos, textos e fotos de artistas e grupos que participaram.

Nenhum comentário: