sábado, 3 de novembro de 2012

MAMÃE, CHICO E BOB MARLEY


MINHA MÃE E BOB MARLEY


Luis Turiba


Dona Lourdes, minha mãe, com quem conversei muito hoje, Dia dos Mortos, foi uma mulher à frente do seu tempo. Uma cabocla alagoana que casou com meu pai, filho de português, de quem herdamos o sobrenome Toribio. Mamãe era "da Silva" como tantos outros "da Silva" desse país de mestiços. Misturou no Brasil, nasce um "da Silva".


Dona Lourdes adorava música e era dada a amizades estranhas. Aprendi com ela a ouvir Sarita Montiel, Bach, Orlando Silva, Angela Maria, Ray Charles, Ray Canniff e Beatles. O que vinha, traçava.


 Quando eles foram morar no Recreio, quando o bairro era um desertão distante da Barra, mamãe ficou amiga da vizinhança. Seu papo era irresistível. Naquele ambiente, se bem me lembro, moravam Fábio Júnior; o general-presidente (na época) João Figueiredo, que se recuperava da sua cirurgia cardíaca; e no quarteirão a frente estava o campo do Politheama, time do Chico Buarque.

Pois não é que Dona Lourdes se dava com todo mundo. Ela tinha gosto por fazer sucos. Meu pai fazia a melhor batida de maracujá que já bebi. Mas mamãe fazia suco de tudo. E quando o general Figueiredo passava em frente da casa dela fazendo caminhadas de recuperação cardíaca, parava pra beber suco de mangaba, de abacaxi com morango, de manga com gengibre, sabores exóticos da sua alquimia doméstica.

Com Chico fez amizade que durou anos. Ele lançava um LP e trazia pra ela autografado. Estão todos bem guardados. Também, a cada grande jogo que tinha no Politheama, ela levava sucos para todo mundo saborear no final. Consta a lenda que o Politheama jamais perdeu em casa. Mas mamãe não entendia nada de futebol. O que ela gostava mesmo era de fazer sucos para o Chico.

Um dia Chico fez uma encomenda especial. "Vem um pessoal de fora jogar aqui. Posso lhe encomendar uns 10 sucos diferentes? Eles querem provar as frutas brasileiras. Tá aqui o dinheiro!"

Dona Lourdes não aceitou o dinheiro, mas no dia combinado levou num carrinho mais de 15 jarras de sucos diferentes e algumas misturas mágicas. Tinha até de jaca, jabuticaba, pitanga, amora, saputi. Terminado o jogo contra o "Wailers", os sucos de Dona Lourdes fizeram o maior sucesso com aqueles negros cabeludos.

Eu já morava em Brasília, mas à noite conversei por telefone com ela. Curioso, perguntei sobre o jogo. Inocentemente, ela me disse: "Filho, eram uns negros bonitos, com umas tranças cumpridas, que suaram muito com o calor do Rio. Adoraram os sucos, beberam tudo. Principalmente depois que fumavam uns cigarrinhos cheirosos e passavam de mão em mão".

Ou seja: Dona Lourdes, entre tantas coisas que realizou nesse mundão, saciou a larica de Bob Marley e sua banda depois de uma pelada esfumaçada no campo do Politheama. Valeu, mãe.    


Nenhum comentário: