quinta-feira, 5 de junho de 2014

BORGES, FUTEBOL E AMOR


 

"Nadie rebaje a lágrima o reproche

Esta declaracion de la maestria

De Dios, que com magnífica ironia

Me dio a la vz los livros y la nocha"

                             Poema de los dones


Luís Turiba*

 

 

Jorge Luís Borges morreu em plena Copa do Mundo de 1986. Não há texto seu conhecido sobre a arte do futebol – uma das sete maravilhas labirínticas do mundo contemporâneo.

Há alguns anos, prosando sobre um desses "tira-teima" da TV com o poeta Augusto de Campos, ouvi dele um comentário sobre o gol que Pelé não fez contra o Uruguai na Copa de 70 – sem dúvida um lance geométrico e bastante poético.

Augusto me chamou a atenção pela declaração inusitada: "Borges, que não enxergava, diria que a bola não entrou porque a jogada perderia o mistério, seu ar de eternidade." Concordei. A jogada de Pelé foi realmente um lance de dados mallarmáico.

Fiquei então matutando: como um "tira-teima" global, com toda a precisao hansdoneana, poderia resolver a antiequação matemática que Borges nos apresenta no conto-poema zen "Argumentum Ornithologicum", publicado no livro  O" Fazedor".

São tantos os labirintos, diria Roberto Carlos – não o ex-lateral da Seleção, mas aquele que censurou sua biografia não autorizada. Mas de todos os detalhes, el viejo e brujo amor é o que mais está entrelaçado nas cercanias do sem-fim.

Antes de morrer, num subúrbio de Montevidéu, Borges concretizou seu último poema secreto, quase uma jogada de Pelé. Por procuração, esposou sua bailarina Maria Kodoma, seu melhor hai-kai da escuridão, a menina que aos 15 anos já conversava com ele em irlandês. Maria, o caminho e os olhos de Borges. O amor aos 86 anos. Sua cara-visão nos caminhos de Veneza, numa biblioteca em Genebra, num balão na Califórnia, num café em Dublin.

Em fevereiro de 85, quando o entrevistei em Buenos Aires, graças a um recomendação do ex-presidente Tancredo Neves, Maria já era a parceira sempre companheira do mestre portenho.

"Eu e Kodoma estamos dirigindo uma coleção de 100 escritores. São 100 volumes, cada um com um prólogo. Para esse ediçãoo escolhemos aqueles de uma grata leitura. São 100 escritores e 100 prólogos. É incrível, mas tive que viver 85 anos para cumprir esse objetivo, um objeto de estudo(...) E com Kodoma vou publicar um livro chamado Atlas, com colagens, fotografias, recordações e textos curtos. É um atlas em livro com muitas partes do mundo: Irlanda, Inglaterra, Japão, Egito, Grécia, Califórnia. Muitos países e lugares...vamos ver."

Borges publicou pouquíssimos poemas sobre o amor. "Ausência" está em seu primeiro livro de poemas, "Fervor de Buenos Aires". Já "El Amenazado" é 1972 e está no livro "El oro de los tigres". Em ambos, o eterno labirinto do amor – acima dos livros, dos espelhos, das rosas amarelas, dos tigres, da própria visão e do gol-geométrico que Pelé não fez para eternizar a poesia do futebol.


Luis Turiba é poeta, ex-editor da revista Bric-a-Brac e editou QTais pela 7Letras

Um comentário:

Anônimo disse...

Publicado originalmente no livro CADÊ, de 1998