O anjo obsessivo e sábio cantou a pedra desde o começo: Em Brasília, não há inocentes. Somos todos cúmplices, citação de Nelson Rodrigues que já repeti neste pé de página uma meia dúzia de vezes. Não houve melhor definição do que é a Brasília capital do poder.
Delfim Neto disse a mesma coisa de outro modo, em depoimento a Ronaldo Costa Couto, no Brasília Kubitschek de Oliveira, também aqui reproduzido em outras ocasiões: "Brasília virou uma corte. Brasília é uma sociedade endogâmica, que casa entre si os seus filhos. Vai ser muito difícil arejá-la, porque todo mundo é parente. Eu aprendi: aqui, em nenhuma mesa de almoço ou jantar você pode falar mal de alguém. Sempre que você está conversando com um sujeito, ele é um primo, um irmão, um sobrinho, um cunhado, um amigo da amante de alguém…"
Brasília é um ovo. O poder concentrado entre dois eixos cruzados em cruz e abraçados por um lago artificial, afastado do restante do país por léguas e léguas de cerrado, facilitou as tramóias, deu passe livre para a corrupção.
Vivemos em casas geminadas com o poder. Tão próximo, tão sedutor, tão irresistível, o poder transborda os seus limites e vai invadindo consciências, alterando valores, iludindo os bem intencionados, pavoneando todos os que não se contentam com nada que não seja tudo. O poder está à mão, ao telefone, o poder está na casa do vizinho, nas festas megalomaníacas, nas facilidades oferecidas com um sorriso cordial, na troca de favores que põe todos na roda.
Doce ingenuidade a de Juscelino, Sayão, Lucio e Oscar. Juntaram os brasileiros num só território, entremearam a Nação a partir de seu ponto mais central, mas inventaram uma cidade administrativa que isolou o poder — esse instrumento que precisa ser vigiado ininterruptamente. O melhor dos homens piora quando ganha poder. É preciso ter domínio sobre as próprias fraquezas para ser poderoso sem se perder no poder.
Brasília foi construída na lâmina cortante das contradições. Ela existe porque o Estado assim o quis, mas nasceu do desejo de mudar as relações sociais. De aproximar ricos e pobres, de dar aos dois as mesmas condições de vida na cidade.
Nasceu para ser exclusivamente a sede do poder federal, espécie de cidade proibida. Ilhada em imensos vazios, virou-se contra os ideais que a fundaram. Terra de ninguém, lugar de forasteiros, Brasília passou a ser, desde o começo, o território de quem quer se dar bem. À exceção da meia dúzia de idealistas que veio para a invenção de Juscelino apostando num projeto de mudança de mundo, toda a gente que aqui aportou veio em busca de prosperidade. Bastante legítimo, mas a cidade isolada era (e continua sendo) perigosamente permissiva.
Em Brasília, todos somos cúmplices. O caldo sedutor do poder avança pelas frestas das consciências, atordoa princípios, estimula ambições, deteriora princípios. Transforma todos em iguais, iguala todos por baixo. Não é fácil escapar dessa trama.
domingo, 29 de novembro de 2009
BRASÍLIA E AS CAIXAS DE PANDORA
RECEBO DA PENSADORA EDNA FREITAS A SEGUINTE REFLEXÃO SOBRE O ESCANDALO DA "CAIXA DE PANDORA" QUE ABALA BRASÍLIA. VALE A PENA LER, ASSIM COMO A CRÔNICA DA CONCEIÇÃO DE FREITAS
colegas,
lendo conceição, podemos perceber quanta coisa ela disse nas entrelinhas, nos vazios de seu texto.
brasília é mesmo assim: extremada.
e a ganância pelo "dinheiro" salta aos olhos de muita gente.
essa moeda transtorna mais do que transforma o juízo de quase todos.
ainda assim, e mesmo assim, amamos brasília.
percorremos um outro caminho. o caminho da minoria.
podemos, sim, fazer a diferença.
votos de que, ainda assim, mesmo assim, não desistamos de caminhar, de percorrer esse caminho. o caminho da minoria.
valerá à pena
sempre que uma caixa de pandora "estoura", fico com meu coração apertado, refletindo acerca desse fênomeno que mais parece uma bomba relógio programada para ser "estourada" de tempos em tempos.
os leões, donos das caixas, sabem disso. sabem que as caixas de pandora, sempre estouram.
mas não resistem a ganância, a tentação de criá-las.
sempre acreditam que elas não estourarão.
e as caixas de pandora sempre estouram.
quando os leões acreditarão nisso? ou será que mesmo acreditando, ainda assim, criarão as caixas de pandora?
ainda que, nalguns momentos, nos faltem forças, tamanha seja a tentação dos leões que querem comer brasília, ainda viva.
esses leões, passarão. acreditemos nisso.
o segredo de nos mantermos, de continuarmos vivos, é aprendermos a identificar esses leões e não nos deixarmos seduzir pelo brilho de seus olhos, pelas facilidades do poder, pelo desejo do status.
as caixas de pandora, estão sempre por aí. e claro, nalgum momento, sempre são abertas. elas passarão. virão outras.
elas representam sinais. sinais dos tempos.
ainda assim, mesmo assim, continuemos nesse nosso caminho.
amando e vivendo em brasília, tendo o nosso céu por testemunha.
abraços literários.
edna freitass
fonte: Correio Braziliense.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Brasília, 50 anos. Outros 500?
Brasília, capital danação. Da nação brasileira.
Cadê o Cerradão aqui na Capital com as Embaixadas para todas as Etnias dos Índios braiíleiros que estão se acabando, mas dessa vez diante de nós, séculos depois de barbáries sempre gananciosas de poder.
Cadê Brasília de todos os brasileiros?
Vanos construí-la!^
Vamos revisitá-la, alalaÔÔÔÔÔÔÔ reinventá-la laialaialaialalaiala em um momento em que o planeta inteiro pede socorro. Pauta do dia mudanças climáticas. Pauta do dia na grande Brasília, derrubam o Cerradão e oprimem minorias.
Vamos reconstruí-lo!!
Brasília, 50 anos, outros 500.
Bic
Postar um comentário