sexta-feira, 7 de maio de 2010

MANOEL DE BARROS DÁ ENTREVISTA AO CORREIO BRAZILIENSE

Segundo o editor CARLOS MARCELO, foi "uma conversa de poesia para poesia". Perguntas foram feitas em cima dos últimos livros do poeta pantaneiro e respondidas por e-mail com a simplicidade poética de um menino de 93 anos.
 
Aqui em Brasília, nos deliciamos com as novidades vindo do Mato Grosso do Sul e pedi permissão a Carlos Marcelo para compartilhar com os leitores e frequentadores desse blogdoturiba as maravilhas poéticas. Eis a íntegra: 
 
Brincante das palavras »
 
Manoel de Barros lança poesia completa e livro inédito que mostram o vigor criativo aos 93 anos



Carlos Marcelo

Publicação: 05/05/2010 08:20

 
Aos 93 anos, a vida é simples demais para Manoel de Barros. Espécie de brincante das palavras, o poeta se volta às lembranças de menino no coração do Brasil (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) para qualificar o que lhe é mais caro. "Dou mais valor a um passarinho do que a uma bomba atômica", diz o homem que acaba de lançar Poesia completa e o inédito Menino do mato, ambos pela editora Leya.

 

"Tenho saudades de tudo que não posso mais fazer", diz o poeta

 

Fundamental para quem quer percorrer a literatura de um dos mais respeitados criadores do país, a Poesia completa liga os tempos desse poeta de olhar comprometido com aquilo que parece banal ao homem comum. Começa com os Poemas concebidos sem pecados que vem do distante 1937, quando o autor estreou na poesia. "Um dia um caracol se pregou nas minhas palavras. Ele produzia o som das origens", conta Manoel de Barros em entrevista por e-mail ao Correio.

Sem escrever desde 2007, quando lançou Memórias inventadas III (a terceira infância), Manoel de Barros traz em Menino do mato reminiscências poéticas do tempo em que brincava livremente. Ele que "sempre encontra o nascimento na ponta do lápis", frase que costuma dizer, mergulhou nas lembranças onde brincava com os bichinhos do chão. "O abandono me cuidava", diz.

O senhor acaba de publicar Poesia completa. Para um menino que acabou de descobrir a poesia, o senhor sugeriria algum itinerário para essa edição?
Em Menino do mato, eu fui abençoado pelas insignificâncias. Só brincava com os sapos, as formigas, as lagartixas e com outros bichinhos do chão. O abandono me cuidava. Minha palavra ficou pregada nas insignificâncias. Dou mais valor a um passarinho do que a uma bomba atômica.

O que mudou, ao longo do tempo, na lida com as palavras?
Um dia um caracol se pregou nas minhas palavras. Ele produzia o som das origens. Ali minha indigência verbal se enriquecia e os absurdos do caracol se tornavam quase divinos.

Quando o senhor foi mais criança? Reconhece a sua infância nos seus netos e bisnetos ou tudo está muito diferente?
Acho que as percepções da natureza infantil, que são as nossas verdades fundamentais, são diferentes das percepções observadas nas cidades. Nas percepções citadinas entra pouca natureza.

Onde se esconde a infância da palavra? Como encontrá-la?
Acho que um certo descomportamento vindo da ignorância infantil pode mudar a feição da natureza. A visão infantil distorce a natureza. Assim: Eu vi a tarde correndo atrás de um cachorro. Não aspiro nada mais poético que uma visão infantil. Assim: Eu vi um arrebol no olho de um passarinho.

Fazer poesia é destampar a solidão?
Não faz bem destampar a solidão porque sem ela a gente fica mais incompleto. A solidão serve até para complementar o amor.

Em uma realidade congestionada de imagens e palavras, como recuperar os outros sentidos?
A imagem não destrói os sentidos - até multiplica-os.

O que o senhor ainda gostaria de ver nesse mundo?
Gostaria de ver funcionar esta frase de Cristo: amar os outros como a nós mesmos.

Além de Guimarães Rosa, que outros escritores brasileiros foram capazes de capturar "o gorjeio das palavras"?
Antes os poetas. Eles gorjeiam mais nas palavras do que os prosadores. Por exemplo: Bandeira, Drummond, Cecília - para falar dos mortos. Adélia Prado, Ferreira Gullar - entre os vivos.

Do que o senhor sente mais saudades? E do que mais gosta em seu atual cotidiano?
Tenho saudades de tudo que não posso mais fazer.

MENINO DO MATO
De Manoel de Barros. Editora Leya, 96 páginas. R$ 29,90.

POESIA COMPLETA
De Manoel de Barros. Editora Leya, 496 páginas. R$ 69,90.

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