UM ARTIGO DO POETA GAÚCHO RONALD AUGUSTO
Ronald Augusto
A apresentação final da lista de convocados do atual técnico da seleção brasileira, o ex-volante de contenção Dunga, se presta a uma variedade de especulações, considerações e ironias. Mas antes de entrar no campo propriamente futebolístico, uma nota. Esse "time de operários" atraiu uma horda jamais vista de patrocinadores oficiais. Com isso a indigitada seleção conquista um recorde milionário de marcas poderosas associadas ao escudo da CBF. Como negócio — e o futebol cada vez mais é essa atividade receptiva a investidores e mafiosos mefistofélicos —, a Seleção Brasileira, trazendo ou não o caneco, já ganhou. Melhor: Ricardo Teixeira ganhou.
Mas, este é o ponto crucial. Há muito, a seleção não é mais nossa, isto é, não é mais de cada brasileiro que, segundo o adágio, é um técnico em potencial, e, o que é mais grave, não é nem mesmo do testa-de-ferro Dunga. A Seleção é o balcão de negócios da CBF, et pour cause, de Ricardo Teixeira que, fora do âmbito do Clube dos 13, é quem manda soltar e prender. Por isso, a imagem de uma seleção operária, naquele sentido retrô — aquém da revolução de outubro poetizada pelo vertiginoso Sergei Eisenstein —, em que o mais conveniente era reificar o passivo sujeito que sabia tudo de apertar parafusos, calha muito bem antes aos interesses do patrão da CBF do que ao sargentismo sentimental de Dunga no comando da equipe canarinho.
O criticado retranquismo de Dunga serve, para todos os efeitos, de contraparte estóica e verticalizante à administração no mínimo anuviada do mandatário da CBF. Para além dos fossos da CBF, Dunga, estafeta do castelo, encarna, talvez, a imagem-clichê do secretário entre pragmático e ético que pretende mudar o sistema por dentro, levando para as entranhas da instituição seu perfil nervosamente obediente à hierarquia que, mais cedo ou mais tarde, serve à prevaricação. E por outro lado, desvia a nossa atenção crítica de jogadores de botão para aquilo que menos importa, a saber, para a sua coerente teimosia que subsume o esquema de jogo à fidelidade soldadesca de um time cujo coletivo mimetiza o caráter mais esforçado do que brilhante do futebol que ele mesmo cumpria enquanto jogador. Um vencedor a custa de paixão e disciplina.
Todos reclamam que o técnico não chamou os melhores jogadores em atuação no momento. Ficaram de fora, por exemplo, os meninos-celebridades do time santista. Convocando-os, Dunga ratificaria uma tradição mágica de jovens craques, menores de idade (mascotes-talismãs), que em Copas passadas, jogando ou não, acabaram fazendo parte de times vencedores. Pelé e Ronaldo, os modelos sempre lembrados. Ainda pensamos em termos de um futebol de outros carnavais. Mas, Dunga é um personagem dos westerns de John Ford (Maradona também). Como no filme do diretor irlandês, Sangue de heróis, ele é a um só tempo o personagem do Coronel Thursday, interpretado por Henry Fonda, cujas estratégias de batalha suicidas parecem loucura a vista de todos, menos dele mesmo, e também os durões e sentimentais cabos e soldados veteranos que se submetam às suas ordens talibanescas. Um exército de corajosos homens conduzidos para uma batalha memorável onde serão dizimados por índios Apaches. John Wayne, no papel do Capitão York, é acusado de traição por Thursday quando se recusa a cumprir suas ordens insanas. Sempre rente à hierarquia, cortado do grupo, York observa, de longe, o Coronel e seus comandados serem cercados pelos Apaches que formam uma nuvem de poeira onde seus corpos desaparecem.
Após o anuncio dos convocados de Dunga, uns, com humor, já abriram o seu voto: vão torcer pela seleção Argentina. A melancólica maioria, entretanto, diz com resignação que, apesar do casmurro Dunga, vai torcer pelo Brasil. Inclusive porque ele é o técnico, mesmo, e que não tem volta: temos que respeitar suas escolhas.
Afinal, nossa identidade (perdida) de potência futebolística acaba falando mais alto. E mesmo que, desgraçadamente, deparemos um revés, haverá um poeta e seu epigrama dizendo mais ou menos assim: "lembremos, nestas tumbas, os boleiros que em partidas esforçadas/ morreram pela paixão à bola, nesta terra tão rica de peladeiros,/ para que os pernas-de-pau de outras bandas/ não lhes tirassem das frontes o laurel do futebol-arte". Pedala, moleque!
Mas, este é o ponto crucial. Há muito, a seleção não é mais nossa, isto é, não é mais de cada brasileiro que, segundo o adágio, é um técnico em potencial, e, o que é mais grave, não é nem mesmo do testa-de-ferro Dunga. A Seleção é o balcão de negócios da CBF, et pour cause, de Ricardo Teixeira que, fora do âmbito do Clube dos 13, é quem manda soltar e prender. Por isso, a imagem de uma seleção operária, naquele sentido retrô — aquém da revolução de outubro poetizada pelo vertiginoso Sergei Eisenstein —, em que o mais conveniente era reificar o passivo sujeito que sabia tudo de apertar parafusos, calha muito bem antes aos interesses do patrão da CBF do que ao sargentismo sentimental de Dunga no comando da equipe canarinho.
O criticado retranquismo de Dunga serve, para todos os efeitos, de contraparte estóica e verticalizante à administração no mínimo anuviada do mandatário da CBF. Para além dos fossos da CBF, Dunga, estafeta do castelo, encarna, talvez, a imagem-clichê do secretário entre pragmático e ético que pretende mudar o sistema por dentro, levando para as entranhas da instituição seu perfil nervosamente obediente à hierarquia que, mais cedo ou mais tarde, serve à prevaricação. E por outro lado, desvia a nossa atenção crítica de jogadores de botão para aquilo que menos importa, a saber, para a sua coerente teimosia que subsume o esquema de jogo à fidelidade soldadesca de um time cujo coletivo mimetiza o caráter mais esforçado do que brilhante do futebol que ele mesmo cumpria enquanto jogador. Um vencedor a custa de paixão e disciplina.
Todos reclamam que o técnico não chamou os melhores jogadores em atuação no momento. Ficaram de fora, por exemplo, os meninos-celebridades do time santista. Convocando-os, Dunga ratificaria uma tradição mágica de jovens craques, menores de idade (mascotes-talismãs), que em Copas passadas, jogando ou não, acabaram fazendo parte de times vencedores. Pelé e Ronaldo, os modelos sempre lembrados. Ainda pensamos em termos de um futebol de outros carnavais. Mas, Dunga é um personagem dos westerns de John Ford (Maradona também). Como no filme do diretor irlandês, Sangue de heróis, ele é a um só tempo o personagem do Coronel Thursday, interpretado por Henry Fonda, cujas estratégias de batalha suicidas parecem loucura a vista de todos, menos dele mesmo, e também os durões e sentimentais cabos e soldados veteranos que se submetam às suas ordens talibanescas. Um exército de corajosos homens conduzidos para uma batalha memorável onde serão dizimados por índios Apaches. John Wayne, no papel do Capitão York, é acusado de traição por Thursday quando se recusa a cumprir suas ordens insanas. Sempre rente à hierarquia, cortado do grupo, York observa, de longe, o Coronel e seus comandados serem cercados pelos Apaches que formam uma nuvem de poeira onde seus corpos desaparecem.
Após o anuncio dos convocados de Dunga, uns, com humor, já abriram o seu voto: vão torcer pela seleção Argentina. A melancólica maioria, entretanto, diz com resignação que, apesar do casmurro Dunga, vai torcer pelo Brasil. Inclusive porque ele é o técnico, mesmo, e que não tem volta: temos que respeitar suas escolhas.
Afinal, nossa identidade (perdida) de potência futebolística acaba falando mais alto. E mesmo que, desgraçadamente, deparemos um revés, haverá um poeta e seu epigrama dizendo mais ou menos assim: "lembremos, nestas tumbas, os boleiros que em partidas esforçadas/ morreram pela paixão à bola, nesta terra tão rica de peladeiros,/ para que os pernas-de-pau de outras bandas/ não lhes tirassem das frontes o laurel do futebol-arte". Pedala, moleque!
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