quarta-feira, 10 de abril de 2013

República dos cracudos

Crônica publica no jornal O DIA

Luis Turiba

"Aí, fica ligado na mochila. Os cracudos estão soltos."

O aviso foi dado por um motorista de ônibus da linha Rodoviária-Leblon.  Voltava de uma visita de trabalho na Rua do Livramento, na Saúde, e peguei a condução errada. Fui parar numa pequena rodoviária construída na região para ônibus urbanos. Foi quando me dei conta que de Saúde o bairro não tem nada, enquanto uma nova palavra passou a habitar minha consciência.

Ao descer de um ônibus para entrar em outro, deparo-me com aquela confusão de cinema bandido. Na cena, uma mulher incorporada numa pomba-gira dessas bem rampeira desafiava com gestos agressivos, mãos na cintura, gritos e muitos palavrões um homem magro, só de bermuda, com pinta de zumbi. Ela chegava a dar à face para ele estapeá-la. Ambos, usuários de crack. Um PM tentava separar a possível briga, mas não conseguia. Todos se movimentavam com rapidez de um lado para o outro na cena, trocando tapas, chutes e ponta-pés, entre ônibus e passageiros. Tanto ela quando ela eram apoiados por suas respectivas hordas.   

Essa parte da cidade está de ponta-cabeça em função das múltiplas obras do Porto Maravilha. É no redemoinho desse ambiente de entulhos, buracos e lama que cresceu, entorno do Morro da Providência, da Central à Leopoldina, uma cracolândia de porte considerável. Dia desses a polícia desarticulou uma boca que já havia aliciado onze PMs da UPP. Mas a cracolândia continua lá.

Juro que não queria escrever sobre nada disso. Parece que a gente é do contra o prefeito, quer derrubar governos e desestabilizar a Copa e as Olimpíadas. Além de ser assunto desumano e pesado.

Mas é impossível calar-se quando você olhar uma menina de seus 14 anos, mal ajambrada e quase encardida no seu sorriso ainda infantil, levantando seu corpete surrado, para mostrar a um camelô da Rodoviária, a barriga que carrega dentro um pequeno feto de seus cinco seis meses. 

São seres estranhos esses cracudos. Todos parecem vestir o uniforme da pré-morte. Esqueléticos, sujos, sem a mínima expressão na face, olhar perdido, sempre procurando alguma coisa que pode se resumir a uma pedra de crack ou uma mochila que vá lhe render "algum" que o leve a queimar a tão desejada pedra.

Droga maldita sem piedade, que não só extermina legiões de jovens e até adultos, como também suja a barra de um projeto tão ousado como esse de criar, um novo bairro boêmio, alegre e cultural, o tal Porto Maravilha.

Não sei qual a olímpica solução para tamanha incógnita. Mas se é Maravilha, não é cracuda. Pois se é a República dos Cracudos, não é maravilha.

 

Luis Turiba – poeta e jornalista

Um comentário:

Egeu Laus disse...

Visitou a dita casa de Machado de Assis, Turiba?