Oba Gbadebo e Pai Marcos de Obaluaiê
Oba Gbadebo, rei africano da família de Xangô, visita o Brasil e faz seguidor em Brasília
Luis Turiba
Olhos vivos, inquietos, profunda ancestralidade no olhar; dentes de marfim, roupa de rei e o rosto marcado por profundos cortes daqueles que trazem no sangue a dinastia do machado do Xangô no culto de Ifá.
Axé! Mil vezes axé! Axé mil vezes!
Estamos todos diante de um rei. Não há como não reverenciá-lo e respeitá-lo, seguindo-o nos mínimos gestos da sua lúdica pregação no mais puro encantamento ioruba. A boca africana fala como se cantasse palavras sábias, de grandes e profundos ensinamentos para todo o universo. Sons soltos no cosmos.
Oba Gbadebo, 82 anos, nigeriano de Obomojô, uma das muitas aldeias de Oió, terra do Rei Xangô, majestático orixá da justiça da etnia yorubá. Kaó! Kabeecili! Kaó! Salve o rei que está entre nós vindo do coração da Mãe África.
Oba Gbadebo – se diz BadebÔ, comendo o G – visita o Brasil pela sexta vez. Vem sempre em missão planetária, diplomática, política, religiosa e também pessoal. Tem seguidores no Brasil, entre eles os babás Sholá, que é nigeriano mas mora em São Paulo; e Sebastião, que mora em Brasília.
Desta vez, o rei africano está cumprindo uma longa agenda que tem tudo a ver com as discussões planetárias – a Conferência Climática de Copenhague, por exemplo, é assunto de todas as suas conversas -; e também com os problemas internos do Brasil: da crise de Sarney ao apagão de Itaipu.
Há quem afirme secretamente, é claro, que o Oba foi o grande protetor do prefeito Kassab, de São Paulo, contra a candidata Marta Suplicy, cuja língua se soltou e andou falando demais contra homossexuais e perdeu uma eleição onde era favorita. Houve algo de feitiço naquele episódio, pois Marta, sexóloga de primeira hora, não poderia cometer tamanha gafe política numa cidade onde três milhões de pessoas vão a parada gay.
Mas depois de visitar São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília, o rei Oba tem uma misteriosa agenda em Macapá, no Amapá, estado que elegeu o ex-presidente e senador José Sarney. Na intimidade, o presidente do Congresso é conhecido por acreditar nos poderes dos "encantados", como se diz no Maranhão.
Marquinhos agora é um príncipe
Mas na última sexta-feira 13, data cercada de energias transcendentais, Oba Gbadebo esteve em Brasília e realizou uma breve e singela cerimônia no terreiro de candomblé Ilê Omo Odé – na Colônia Arniqueira, entre Riacho Fundo e Núcleo Bandeirante.
Lá, na presença de poucos, mas significativos representantes da sociedade brasilienses – empresários, políticos, jornalistas -, Oba coroou o pai de santo Marco Antônio Pereira Oliveira, 45 anos, conhecido como Pai Marquinhos de Obaluaiê, como "Baba Aritê", ou seja: aquele que está preparado para ser um futuro Babalaô, profundo conhecedor dos segredos das florestas, cargo máximo dentro da dinastia de Ifá. Para ser Babalaô, Marquinhos terá de passar um tempo na Nigéria e será libertado na Floresta Encantada, onde passará 21 dias e terá que entrar no Ibodúroom, o quarto purificador de almas e ações humanas. Ou seja: o príncipe de Arniqueira terá pela frente uma missão transcendental. Acima dos babas, só os Obas, mas esses têm laços sanguineos com os ancestrais de Xangô, Oxun, Ogum, Obaluaiê.
Depois de distribuir axés a todos os presentes na cerimônia e confirmar Pai Marquinhos na nova missão, com muitos cantos e magias no orí, Oba Gbadebo recebeu um pequeno botoon do Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, que foi imediatamente pregado na sua roupa de rei. Assim, ele voltará à África com as benções do nosso Cristo, ou Oxalá, como se diz no ioruba.
Floresta Sagrada e Secreta
Antes da cerimônia, porém, Oba esteve na Esplanada dos Ministérios onde debateu três assuntos com ministros do governo Lula: a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso Nacional; o apóio a implantação pelo MEC do ensino da História da África e seus reflexos no Brasil.
Com as autoridades ambientalistas – representes do ministro Carlos Minc e do Ibama - a conversa foi sobre a implantação da primeira "Floresta Sagrada" no Brasil, uma espécie de território protegido, como os indígenas, onde os cultores dos orixás africanos e seus descendentes terão o poder de administrá-la para que possam praticar livremente os ensinamentos dos orixás junto à natureza. Esse assunto, aliás, está intrinsecamente ligado às propostas brasileiras para a Conferência Climática de Copenhague.
- Mas onde será esta Floresta Encantada? Pergunta o curioso repórter.
- Não podemos dizer. A escolha é secreta para protegê-la desde logo contra futuras especulações imobiliárias e do progresso insano, responde Baba Sebastião, cuja consciência ecológica e os conhecimentos políticos impressionam pelas informações e poder de articulação.