Tinha eu 14 anos quando me apaixonei pelo samba. Cresci na Rua São Francisco Xavier, quase em frente ao viaduto que dá na entrada do Buraco Quente, a principal do morro da Mangueira, no Rio. Naquele tempo era tudo tranqüilo na favela. Ninguém ficava no caminho empunhando uma AR15 carregada de intenções e gestos.
O primeiro samba enredo que aprendi na quadra da Mangueira foi "Ode a Monteiro Lobato", acho que em 67. Era assim o refrão: "e assim, nesse cenário de real valor, esse mundo encantado, que Monteiro Lobato criou."
(Foto com Selmynha Sorriso, Porta-Bandeira da Beija-Flor)
Naquela época, cantávamos prazerosamente o samba do "Crioulo Doido" composto por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Foi um sucesso na época, sacaneando com os compositores do morro, os crioulos doidos que misturavam tudo. "Foi em Diamantina, onde nasceu JK- e a princesa Leopoldina, arresolveu se casar – Mas Chica da Silva, tinha outro pretendente – e obrigou a princesa, a se casar com Tiradentes." História zero, rima melódica mil. É assim que se faz um samba enredo. Com emoção e levada. Ele precisa levantar a Sapucaí, minha gente!
Afinal, um desfile não é o que podemos chamar "uma aula de história", mas sim uma interpretação fantasiosa e carnavalesca de um fato histórico. Ou seja: um vale-tudo com plumas, paetês, rebolados, paradinhas, viradas de bateria, etc.A Beija-Flor de Nilópolis irá desfilar no carnaval de 2010 "Brilhante ao Sol do Novo Mundo, Brasília, do sonho à realidade, a Capital da Esperança." Irá contar e cantar para mais de um milhão de pessoas do mundo inteiro a fantástica história de Brasília ao longo de seus 50 anos de existência. Será um delírio.
Os carnavalescos Alexandre Louzada, Bira, Laíla e Fran Sérgio optaram por um desfile fantástico, onde a pré-história espiritual e brasileira da capital será mostrada exaustivamente. Entram na dança o sonho de Dom Bosco, o sacerdote italiano que sonhou em meados de 1800 com "uma terra prometida" onde iria "jorrar leite e mel". A belíssima lenda do índios Goyas, onde Jaci se transforma em lua cheia e chorar por não poder amar o guerreiro Paranoá. Dessa tristeza nasce um grande lago. E tem os Bandeirantes atrás do ouro e pedras preciosas. O patriarca José do Patrocínio que coloca o nome Brasília na Constituição republicana. O faraó Akenaton e sua semelhança com JK. Os candangos, os calangos, a esquina das culturas, a Catedral, Oscar, Athos, Lúcio Costa, Renato Russo.
A sinopse tem três páginas de delírios baseados em pesquisas acadêmicas e in loco.
Incorporei o "crioulo doido" e resolvi fazer meu samba também. Estamos, o músico Paulo Djorge e eu, trabalhando firme, diariamente, há duas semanas. O samba está ficando redondinho. O cavaquinista Tito, do Doraroda, veio dar uma força. Estamos construindo palavra por palavra, rima por rima, nota por nota. Queremos cantar bem a nossa cidade. Se vai ganhar ou não, é outra conversa.
As instruções do samba foram dados pelo histórico carnavalesco Laíla, diretor de Harmonia, numa teleconferência que ligou os sambistas do Rio com os de Brasília, quando a sinopse (publicada no blogdoturiba) foi distribuída simultaneamente. Não mais de 38 versos, melódico e ritmado, sustentando uma levada de 145 bit, poético mas com fácil memorização.
Estamos ralando para não fazer um "boi-com-abóbora", que é o samba qualquer nota feito nas coxas. Afinal, é dura a vida de "crioulo doido".
Nenhum comentário:
Postar um comentário