quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

UNB LANÇA COLEÇÃO DE LIVROS DE DARCY RIBEIRO

Editora UnB lança coleção de bolso com 10 livros da obra de Darcy Ribeiro

Severino Francisco, do CORREIO BRAZILIENSE

Publicação: 27/01/2011 08:00 Atualização:

Darcy no bolso  Coleção de 10 livros sobre Darcy Ribeiro/Ed. UnB, Fundação Darcy Ribeiro e Ministério da Cultura. Preços: R$ 120 (a caixa) e  R$ 14,90 (livro avulso). Lançamento hoje, às 17h30, no Memorial Darcy Ribeiro, Praça Maior, Universidade  de Brasília. (Claudio Versiani/CB/D.A Press - 1/5/96 )

Darcy no bolso Coleção de 10 livros sobre Darcy Ribeiro/Ed. UnB, Fundação Darcy Ribeiro e Ministério da Cultura. Preços: R$ 120 (a caixa) e R$ 14,90 (livro avulso). Lançamento hoje, às 17h30, no Memorial Darcy Ribeiro, Praça Maior, Universidade de Brasília.

 

Nos tempos de criança, Darcy Ribeiro ouviu um farmacêutico dizer que a anilina podia pintar de azul o Oceano Atlântico. A imaginação do menino ficou acesa, roubou um pacote, chamou um amigo e resolveu jogar anilina no reservatório de água que abastecia Montes Claros, em Minas Gerais. No outro dia, as beatas abriam as torneiras escandalizadas com a água azul, rezando para esconjurar o suposto sinal do Apocalipse. Darcy cresceu, mas nunca deixou de ser um menino arteiro, mesmo quando se viu investido de cargos de alta solenidade e usou terno e gravata. É sempre bom para a nossa sanidade mental entrar em contato com a paixão lúcida, generosa e bem-humorada de Darcy Ribeiro. A sua obra ganha um novo recorte e uma nova embalagem com a Coleção Darcy no bolso, a ser lançada hoje, às 17h30, no Memorial Darcy Ribeiro, na UnB, numa coedição da Editora UnB, da Fundação Darcy Ribeiro e do Ministério da Cultura.

Organizada e selecionada pelo jornalista e escritor Eric Nepomuceno, a coleção tem como alvo preferencial o público jovem, mas pode ser apreciada por leitores de qualquer idade. Em um dos seus livros, Darcy Ribeiro fez a seguinte dedicatória: "Aos jovens iracundos". O pai de Eric, o físico Lauro Nepomuceno, trabalhou com Darcy Ribeiro no projeto de criação da Universidade de Brasília: "Convivi com Darcy durante 22 anos e o que posso dizer é que até ele morrer sempre foi mais jovem do que o meu filho, que nasceu em 1975", comenta Eric. "Os jovens que se aproximarem de Darcy vão descobrir um maravilhoso interlocutor".

 (Fundação Darcy Ribeiro/Reprodução)
Dom Quixote de Minas, idealista, mas pragmático, Darcy se considerava "um homem de fazimentos". Embora sempre se alimentasse do saber acumulado nos livros, não era um intelectual de gabinete. Antropólogo, educador, político e escritor, Darcy sempre acreditou no Brasil com uma fé capaz de abalar montanhas e lutou para que o país pudesse se tornar tudo que poderia ser.

A coleção aborda a infância em Montes Claros, os anos de formação em Belo Horizonte, os amores, os tempos em que viveu com os índios, a visão sobre o Brasil, as reflexões sobre a América Latina, o depoimento sobre o golpe de 1964 na era Jango, a criação da UnB, a vivência do exílio. "O legado de Darcy é enorme", comenta Eric. "Ele é uma fonte inesgotável de sabedoria e de combate. Mesmo os textos datados são reveladores da evolução do seu pensamento. A coleção mostra o pioneirismo de Darcy ao abordar a América Latina ou a questão dos índios, quando poucos se interessavam por isso. Ele viveu 10 anos com os índios, nunca quis pouco em política, sempre pensou grande. A gente não o lê necessariamente para concordar com ele. Darcy era polêmico e provocador."

Eric considera a importância de Darcy enorme para o Brasil contemporâneo, pois, além de teorizar, formular e deflagrar mudanças, ele deixou um depoimento sobre os acontecimentos, na contramão das versões oficiais. Está alinhado na geração dos grandes intelectuais públicos, que pensavam o mundo: "Muitas vezes fico pensando que a geração de Darcy talvez tenha sido a última que tenha pensando o Brasil grande, o Brasil possível, a potência que o Brasil poderia ser. Ele via, vivia e lutava para que o Brasil pudesse se tornar uma realidade. Não era um intelectual chique, vivia de pés descalços. Se estivesse vivo, ficaria satisfeito com os avanços, mas cobraria muito do Lula. Darcy tinha uma fé absoluta no Brasil e uma desconfiança enorme da nossa classe dirigente política, empresarial e financeira. Ele não tinha sonhos pequenos, sempre sonhava grande".

 Em um célebre discurso elaborado para receber o título de doutor honoris causa da Sorbonne, Darcy dizia que tinha orgulho dos seus fracassos, pois havia malogrado na missão de salvar os índios, criar uma escola pública de qualidade para as crianças ou fazer a reforma agrária. Mas, em uma reviravolta de menino arteiro, sustentou que tinha orgulho dos seus fracassos. "Darcy é o representante legítimo da geração dos nós, para quem o problema de qualquer ser humano diz respeito a eles também. Infelizmente, é uma geração em extinção, pois está prevalecendo a geração do eu. O Eduardo Galeano escreveu que os fracassos de Darcy são as suas dignidades. O Darcy tinha esta grandeza."

» Minha terra
» Montes Claros, onde nasci, que nós, os de lá, gostamos de chamar carinhosamente de Moc, fica no norte de Minas. Por muito tempo esteve mais ligada à Bahia, daí que minha gente fale com sotaque baiano, dizendo "dezoitxo", ou "muitxo", e xiba uma alegria cantante que não é qualidade mineira.

» Alegrias

» Esta vida me deu muitas alegrias, graças. Aliás, fui feito para as alegrias. Minhas carnes não têm nenhum pendor para as penitências, os sofrimentos e os martírios. Querem gozos. Eu mesmo não tenho talento para sofrer. Gosto mesmo é dos carinhos, dos elogios, das homenagens, e até das adulações.

» Lutas 1
» Enfrentei a vida com coragem, inocência e gozo. Sabendo sempre que o inevitável é o melhor, encarei os infortúnios como pontes para o desconhecido, certamente melhor. Não foi fácil achar que a prisão inevitável das grades era o melhor; ou achar que o câncer também era o melhor…

» Lutas 2
» Ajudou muito a noção outra de que me viro, de tudo me safo. Ajudou também a compreensão de que aquilo que não tem solução, solucionado está. Ajudou, inclusive, minha ousadia aventureira de lançar-me sempre em busca de novos caminhos, sem perder tempo e energia com lamentações.

» Os jovens e o Brasil
» Aquilo de que o Brasil mais necessita, hoje, é de uma juventude iracunda, que se encha de indignação contra tanta dor e tanta miséria. Uma juventude que não abdique de sua missão política de cidadãos responsáveis pelo destino do Brasil, porque sua ausência é imediatamente ocupada pela canalha.

» Meus índios, minha gente
» Aos poucos, com a acumulação das experiências e vivências, os índios me foram desasnando, fazendo-me ver que eles eram gente. (…) Gente muito mais capaz que nós de compor existências livres e solidárias.

TRECHOS

Meninão boboca do interior

Cheguei a Belô recheado de propaganda do DIP enaltecedor de Getúlio. Horrorizo com os comunistas que tinham o mau gosto de estuprar freiras, segundo a revista pia que mamãe assinava, Ave Maria. Gostava demais dos sonetos de Bilac, detestava a pedrada de Carlos Drummond de Andrade, ria de Portinari. Vale dizer: era um meninão boboca de pequena cidade do interior, precisando ser desfeito para ser refeito.

Matemática no caminho

Gostei também de um jovem professor de biologia, com nome de sandália. Detestei o de matemática, seco e ríspido, que me dava aulas particulares e caras em sua casa e me reprovava nos exames. Creio que por escrúpulos, por suborno. Desde então, cismei com a ditadura da matemática sobre toda a educação. Desde então, cismei com a ditadura da matemática sobre toda a educação. Ela é, de fato, um pendor que alguns têm e muitos não têm, não sendo ninguém melhor ou pior por isso. É uma disciplina tão vocacional como a embocadura para flautas. Colocada na posição de porteira de acesso ao ensino médio e superior, tem feito um dano enorme, jogando for a gente boa como eu, por pura burrice.

O Brasil como problema 1

Não nos esqueçamos de que o Brasil foi formado e feito para produzir pau-de-tinta para o luxo do europeu. Depois, açúcar para adoçar as bocas dos brancos e ouro para enriquecê-los. Após a independência, nos estruturamos para produzir algodão e café. Hoje, produzimos soja e minério de exportação. Para isso é que existimos como nação e como governo, sempre infiéis ao povo engajado no trabalho, sofrendo fome crônica, sempre servis às exigências alheias do mercado internacional.

O Brasil como problema 2

O lamentável é que temos tudo de que se necessita para que floresça no Brasil uma civilização bela e solidária. Herdamos uma das províncias maiores, mais belas e ricas do planeta. Somos um povo movido por uma incansável vontade de viver e de trabalhar, ativado pelo desejo mais intenso de felicidade, animado por uma alegria inverossímil para quem enfrenta tanta miséria. Contamos, ainda, com um corpo de empresários e de técnicos motivados e qualificados para a empresa de autossuperação que o Brasil tem que realizar.

Herança indígena

Herdamos também, dos índios talvez, outra virtude que é uma predisposição à vida solidária que viceja natural e frondosa onde quer que não surja um patrão branco monopolizando a terra e escravizando a gente.

Separatismo

Encho-me da mais furiosa indignação contra quem quer que manifeste qualquer tendência separatista. Acho até que não poderia nunca ser um ditador, porque mandaria fuzilar quem revelasse tais pendores.

2 comentários:

Anônimo disse...

Deve ser incriivel essa coleção do Darcy, merci Severino pela belissima reportagem, merci Turiiiba pela publicação em teu blog! Sempre me apaixono pelos ideais do Darcy, imortal homem de Fé pelo Brasil, cantando seu Povo e clamando pelo seu futuro mais justo e patriotico!
Beijos,
Domi

paulo disse...

Tenho interesse nos livros do Darcy Ribeiro sobre os indios, mas não os encontro para comprar. Especialmente Falando dos Indios e Meus Indios Minha Gente. Meu nome é Paulo Dias Rabelo e o meu email é:
paulo.rabelo@servoautomacao.com.br
Agradeço e aguardo contato.