terça-feira, 21 de abril de 2009

ROBERTO CARLOS, BRASÍLIA E EU

Turiba, não resisto à tentação de te mandar um trecho do livro que estou escrevendo por culpa do Zuca, e que se chamará "Brasília e eu - uma reportagem".
Ai vai, beijos,

MElisa



"Os 19 anos de Brasília coincidiram com os 40 de Roberto Carlos, e a comemoração foi conjunta. Show com direito a lua nascendo atrás do palco, montado em frente ao Congresso, em contraponto com todos os roxos, rosas e púrpuras do resto de por do sol atrás da Torre.

Grupos e mais grupos coloridos de pessoas desciam da Rodoviária pelo canteiro central da Esplanada até os taludes gramados do Congresso, se acomodando á vontade; pipoqueiros, algodão doce, e um comentário a meu lado: "Brasília é bom porque teve o Papa e agora tem Roberto Carlos!".

O espetáculo começa com a lua cheia, soberana, enorme, abençoando a cidade e nós todos que estávamos ali, e termina com uma bela queima de fogo s, e a multidão, satisfeita e romanticamente nutrida, se levantando aos poucos, já noite, e caminhando de volta, Esplanada acima.

Fiquei um tempo sozinha, sentada na grama, olhando na direção da Rodoviária: as pessoas andando, os luminosos piscando, as luzes todas, a Torre, os edifícios. E de repente me toquei que eu tinha sido a primeira pessoa a saber, ainda estudante de arquitetura, como é que aquela cidade ia ser - alguns dias antes de entregar o plano-piloto, eu chegava da praia e meu pai me chamou ao terraço de trás da nossa cobertura, onde trabalhava, e pela primeira vez mostrou e descreveu Brasília a alguém.

Ainda era um primeiro esboço, a lápis, da metade sul da cidade (com toques de lápis de cor e diversas anotações manuscritas), mas já na escala de 1/25.000 em q ue o projeto foi apresentado no concurso. Ele então me descreveu a nova capital, tim-tim por tim-tim; quando terminou, lembro que a camisa estava encharcada de suor - e certamente não apenas por conta do calor... O projeto de Brasília foi feito por ele absolutamente sozinho, em casa - naquele mesmo "terraço de trás".

E só naquela noite, mais de 20 anos depois, ali, no meio da Esplanada, é que realizei o quão extraordinário era este fato: eu era uma pessoa ainda moça e tinha visto, num pedaço de papel, como seria a cidade a ser construída naquele quadradinho que tinha no mapa do Brasil escrito "Futuro Distrito Federal" - e agora estava ali, dentro dela, viva, real, definitiva.

Um privilégio, ter vivido essa experiência, e mais ainda ter tido consciência desse privilégio.Fiquei ali um longo tempo, imobilizada, as imagens se superpondo na minha cabeça: o maravilhoso Brasil de JK, otimista, com horizontes abertos, competência, liberdade e bom humor, terreno fértil para a criatividade brasileira em todos os setores: bossa nova, cinema novo, arquitetura, teatro, primeira copa do mundo ...

A idéia de Brasília, polêmica, apaixonadamente contestada ou defendida; o concurso aberto somente a arquitetos brasileiros (JK confiava na prata da casa), com júri internacional; a recusa de meu pai a participar de equipes que o haviam convidado; a viagem a Nova York, de navio, para que ele recebesse - juntamente com Christian Dior - uma homenagem da Parsons School of Design, na comemoração do seu ciquentenário, viagem onde o projeto urbano de Brasília começou a tomar corpo, sem que, na época, minha irmã e eu nos déssemos conta; o prazo para a entrega do plano se terminando, a montagem das pranchas de cartão na última hora, uma com o belo desenho da cidade em escala de 1/25.000, a nanquim e colorido com lápis de cor, e mais 4 com o texto da Memória Descritiva datilografado, ilustrado com impecáveis croquis elucidativos, também desenhados a nanquim; à exceção da datilografia, tudo feito pessoalmente por Lucio Costa, sem ajuda de ninguém.(...)

*Maria Elisa Costa é arquiteta, ex-presidente do IPHAN, filha e gestora da memória do urbanista Lúcio Costa, criador do Plano Piloto

2 comentários:

Juvenal disse...

Turiba, acho que virei o comentarista de plantão mas não poderia deixar de falar deste maravilhoso texto. Achava que ele tinha só uma filha que é Brasília. Não sabia da Maria Elisa.

luis turiba disse...

Maria Elisa, leia o belo comentário do Juvenal sobre seu artigo Roberto, Brasília e eu