quinta-feira, 2 de abril de 2009

Ah, como era gostoso o meu miojo

Luis Turiba


Tudo começou num “inhoque da fortuna” certo dia 29, depois da novela.

Descasadas e cansadas do fardo da solidão, três amigas, mulheres maduras e financeiramente estáveis, resolveram dar a volta por cima daquele marasmo existencial. Maria Aparecida, Maria do Carmo, Maria da Glória. A vida, minhas três Marias, foi feita para ser revividas, portanto....

O jantar com notas de dólar debaixo dos pratos foi o ponto de partida. Regado a vinho chileno e pitadas de lembranças do passado de anteontem, onde eram elas objetos de cortejos, lampejos e desejos.

Na flor da idade uma delas, se não me engano Maria da Glória, imagine, chegou a se comparada certa feita a uma montanha russa em erupção, devido aos seus acentuados sobes-e-desces curvilíneos. Hoje, simples morrotes no caminho. Mesmo assim, repletos de desvios, descaminhos em desalinhos, algo como a face oculta da lua.

Mas gente, cá pra nós, isso também tem seu jeito. O negócio agora é conserta malhando. Aulas de strep-teases? Lingeries frutíferos, exercícios de yoga sex ou pampoarismo? Ah, quem sabe depois. Agora, o negócio agora é entrar na hidroginástica básica. Sim, esse conceito surgiu depois do segundo prato de inhoque.

Vamos lá, meninas, hidroginástica é a malhação ideal, passaporte de saúde para a terceira idade. É atividade lúdica, divertida, expõe o corpo a contrastes leves, revitaliza as curvas da estrada de Santos. Enfim, é o bicho no sentido menos sinistro do ser artístico.

E assim, no dia seguinte, chegaram as três Marias na academia. Maria do Carmo, de tão excitada com a idéia de voltar a ativa, nem dormiu direito. Maiô novo, toquinha lilás, tudo demais. O tchan começou no estacionamento. Já saltaram do carro saltitando, sacudindo o esqueleto recheado. E lá vão elas, reavivar o corpo, as artérias, suas vidas, suas mentes, suas lembranças em forma de sonhos.

Malha daqui, puxa dali, bota peso, tira bota, chegou a hora do exercício que as crianças mais adoram numa piscina: montar no macarrão de isopor arqueado e pedalar, enquanto as mãos fazem a puxada.

O que ninguém contava era com a sensibilidade aguçada e o descontrole quase histérico de Maria da Glória.

O simples roçar do isopor redondo e curvo no ventre, promoveu-lhe antigas sensações conhecidas mas já há algum tempo adormecidas.

Mas qual o quê: não é que o antigo vulcão despertou. Sem mais nem menos, da Glória sentiu calafrios calientes que lhe subiam num circuito energético de altísssima velocidade pela avenida central da espinha rumo ao celebro apoteótico.

Tinha a sensação de que ia voar. As coxas, os músculos do ventre, os braços, tudo, enfim, em fração de segundos e sem opinião da razão, começou a bater asas. Arre, Babá, baixou a barata voa!

Maria da Glória sentiu-se poderosa, tomada por calores e fumaças interiores. Mais do que isso: fez jus ao próprio nome: Maria Gloriosa, a loba da piscina da hidroginástica.

Alisava o macarrão com mãos de fada e unhas de bruxa. Uma indiscreta colega de malhação jura que ouviu dela um baixinho balbuciar com aquele nhenhennhém mal intencionado: “vem cá meu fetucchine!!!”

Sereia da piscina montada no macarrão de isopor, com um cavalgar ritmado, da Glória imaginava suculentos pratos de massa que compuseram a sua infância de tradição napolitana. Molhos brancos, vermelhos, verdes, rose, multicores. Lambuzava os beiços e soltava gritinhos de “uis” e “ais”.

Que delícia esse “Tagliatelli ao Ragu de Pato”. Ai meu “Parafuso à cremosa”! Meu “Penne com Lagosta e Trutas Brancas”!

A malha(ação) daquela Maria tomou atalhos e temperos nunca dantes navegáveis. A molhadinha na hidroginástica, ela fervia soltando a franga no ravióli.

“Ah, meu spaguetti com salsa de funghi à funghetto”, fungava al dente la buona cuccina, como uma velha mamma dando toda a magia culinária a um simples miojo.

Lá ia e lá vinha a gloriosa da Glória cheia de glosas, agarrando-se ao macarrão flutuante com frenesi e estilo. Os gritos e os sinais da boa boca da donna eram audíveis. Uma fantasia veneziana, um sentimento arqueológico romano. Santa ceia, chamem o Papa. Mãos firmes na macarronada, lá ia Glória, a poderosa, sacudindo-se n´água como talharim em fervura. Berrava e até uivava implorando mais spaguetti allá checca.

Assustada, a professora implorava clemência, mas a essa altura a massa da Glória à bolonhesa com sugo de quatro queijos a nada mais atendia.

Duas alunas que nada entendem de massa na fervura, desligaram-lhe o forno puxando-a para fora do isopor, interrompendo o que poderia ter sido o mais cinematográfico orgasmo macarrônico digno de Rita Pavone.

A amiga Maria Aparecida riu de fazer xixi na piscina. Já Maria do Carmo, que bem conhecia o fogo brando de Maria da Glória, comentou saudosa:

- Que sensibilidade... que apetite....mama mia....

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