terça-feira, 14 de abril de 2009

Pirenópolis é o bicho

Por Luis Turiba

A cena é cinematográfica e seria engraçada se não tivesse sido dramática. Nossos olhos congelaram por segundos para focá-la com uma certa tensão.

Quando vimos, não se sabe de onde, surge na praça do Coreto rumo a Pousada do Abacate, aquele cavalo bonitão, marrom e branco, portentoso, com um bêbado se equilibrando em cima. No caso, o bêbado era o próprio equilibrista.

E lá ia ele, numa manguaça cavalar, cabeça baixa a babar a camisa quadriculada, olhos revirados, o corpo se balançando pra lá e pra cá como um pacote roto. O chapeu ficou pelo caminho.

O sabido cavalo a tudo entendia e caminhava lentamente num pocotó quase zen, como se pisasse em ovos, procurando evitar o pior para seu parceiro: um tombo de quase dois metros de altura.

Mas não foi possível mesmo evitar o escorregão. Um pouco antes da pousada, catapimpa!, lá estava o bêbado com a cara no paralelepípedo. O cavalo, solidário, estancou imediatamente sua caminhada e ficou ali parado esperando o peão se levantar.
Houve um corre-corre para socorrer o cavaleiro bebum que, minutos depois, foi recolhido aos costumes.

Pirenópolis é assim. Uma cidade histórica, turística, ecológica, comercial, surpreendente e cinematográfica. A começar pelos seus postes coloniais de luz amarela que nos fins de tarde dá aquele clima hiper-especial. Paraíso dos fotógrafos, dos namorados e dos cavalos.

Incrustada aos pés da Serra dos Pireneus, em Goiás, está a 150 quilômetros de Brasília e 120 de Goiânia, possui um dos mais ricos patrimônios do Centro-Oeste e foi tombada pelo Iphan em 1989. Em 1727 era arraial da colônia portuguesa, em 1832 se transformou em vila e em 1853 em cidade.

No feriado de Semana Santa, Pirenópolis recebeu milhares de turistas. Meia Brasília estava lá, curtindo, consumindo, celebrando a vida, à natureza, a amizade, o amor. Um brinde aqui, um sorriso ali, um abraço acolá. Encontros e reencontros.

Religiosa e tradicionalista, a população pirenopolitana fez a corte do lugar. Encenou a última ceia, a Via Sacra e a ressurreição, tendo como cenário a belíssima catedral totalmente restaurada pela equipe do arquiteto Silvio Cavalcante e o fantástico casario colonial com suas ruas de pedras. O comércio faturou e o turismo aconteceu.

O destaque ficou por conta do padre Anevair, jovem sacerdote de 27 anos, que a cada aparição fazia palpitar os corações das moçoilas (e de algumas senhoras, por que não?), arrancando suspiros e risinhos candentes. Padre Anevair tem nome de craque e é realmente performático. Já já estará gravando sucessos musicais e cantando na Xuxa. Na missa da ressurreição, sem cerimônia avisou à multidão: “Vocês vão sentir minha falta, pois o padre está quase fundindo o motor e precisa descansar.” Tirou férias e só volta nas Cavalhadas, em maio, o que não chega a ser um pecado.

Pirenópolis dessestresa. Nada melhor do que fazer uma longa caminhada pelas sete cachoeiras do Bonsucesso, onde você vai subindo e subindo até alcançar a última queda depois de escalar um ousado pico de pedras; ou então uma mais leve, na fazenda Vagafogo, onde no meio do caminho você pode encontrar um jatobá centenário para abraçar e renovar as energias ou um monumento à vagina desconhecida, também conhecida como Vagaflor.

Bão também é se hospedar na micro-pensão Nóis Hospeda, da Mariza; jantar o surubim premiado da chef Márcia no Lê Bistrô ou saborear uma focaccia com vinho argentino no Café da Praça.

Mas tem algo que incomoda, polui e agride à cidade e aos turistas. São os carrões com sons turbinados da playboizada goiana. Essa meninada aproveita a confusão de trânsito intenso na cidade (o que deveria ser evitado em datas festivas, fechando as principais ruas) e solta a franga com aquela música baticum de péssimo gosto. Um horror, senhor prefeito!

Agora as Cavalhadas de Pirenópolis vem por aí com a magistral Festa do Divino nas fazendas em torno da cidade.

É em homenagem às Cavalhadas e ao elegante cavalo do bêbado que caiu em cena, que relembro um lindo poema do índio navajo Tall Kia Ahri, que traduzi do livro “Technicians of the Sacred”, de etnopoeta Jerome Rothenberg, com quem estive em 1991, em Encinitas, San Diego, Califórnia, EUA.

Para o Cavalo, Deus da Guerra

Eu sou o filho de Mulher Turquesa.
No topo da montanha Belted
Lindos cavalos – esbeltos como garças.
Meu cavalo de cascos como ágata listrada
e os punhos feitos de finas plumas de águia.
Meu cavalo de pernas tão rápidas como um raio
e o corpo vai como flecha bordada com penas de águia.
Meu cavalo de rabo como rastro de nuvem negra.
A brisa sagrada sopra através do seu pelo
Meu cavalo de crina feita de curtos arco-íris.
Meu cavalo de orelhas feitas de espigas de milho.
Meu cavalo de olhos tão grandes como estrelas.
Meu cavalo de cabeça feita por águas emendadas.
Meu cavalo de dentes moldados em alvas conchas.
O longo arco-íris está na sua boca como uma rédea com a qual o guio
Quando meu cavalo relincha
Cavalos de outras cores o acompanham
Quando meu cavalo relincha
Carneiros de ouras cores o acompanham
Sou afortunado por causa dele.
Diante de mim, tranqüilo
Atrás de mim, tranqüilo
Sob mim, tranqüilo
Sobre mim, tranqüilo
Tranqüila é a sua voz quando relincha.
Sou eterno e tranqüilo

Por meu cavalo, me elevo.

- FIM-

Um comentário:

Ana Queiroz disse...

Blogazo...Amei Turiba
Ana Queiroz desde Madri
Besos.