Trecho da coluna de José Miguel Wisnik no Segundo Caderno de O GLOBO de sábado, dia 28 de maio de 2011, ainda sobre a polêmica criada pelo livro "Para uma vida melhor", de Heloísa Ramos, editado pelo MEC, sobre o uso popular da língua portuguesa.
"O exemplo folclórico tem valor de sintoma, na sua caricatura. José Sarney, ao afirmar erradamente que se resolveu no Brasil "criminalizar quem fala corretamente", diz que "defender a língua é defender a pátria", acrescentando: "eis a origem da famosa frase de Fernando Pessoa: "A minha pátria é a língua portuguesa."
Mas Fernando Pessoa não está dizendo nessa frase do "Livro do Desassossego", em tom sentencioso, que a língua está a serviço da defesa da pátria ("a língua portuguesa é a minha pátria"). Está invertendo esse reaciocínio e deizendo que o seu compromisso de escritor é com a língua livre e criadora ("minha pátria é minha língua").
É o que se vê nos textos de Pessoa reunidos no livro "A língua portuguesa", onde começa dizento abertamente que a palavra falada é democrática e seu os usos.
"Se a maioria pronuncia mal uma palavra, temos que a pronunciar mal. Se a maioria usa uma construção errada, da mesma construção teremos que usar."
O maior poeta do século não está preconizando o erro, está constatando que a língua falada é um fenômeno de massa que segue suas próprias leis, independente de qualquer norma, e arrasta os falantes para os seus usos coletivos.
Não muito diferente do livro distribuído pelo MEC. A palavra escrita, por outro lado, dizia Pessoa, impõe suas necessidades e tem as suas regras como lastro. O escritor está livre delas, porque faz com a língua o que quiser. O povo também está livre delas.
O Estado, no entanto, através da escola, deve ensiná-los como algo que nos serve de baliza e adianto.
Não como uma prisão às regras. Para podermos estar mais livres delas."
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