O poeta andarilho e seu cajado alado
Sigo
passo a vida por um rio
assim como a Portela na avenida
lavo-a enxáguo-a chuleio-a
levo-me leve em vôos sem lei
meu fio terra é madeira de fibra
sou andarilho
portanto
com (par) trilho
meus pés zeram a mente
piso o passo dos que passam
pé pós pé pós pé pós pé
até não mais prosperar
sigo a sina dos sem-cisma
tendo ao lado meu cajado
alado e desconfiado
um fariseu distraído
afável & aviolado
companheiro
dos meus pés cansados
das letras vivas dos passos
das pernas tortas do corpo
das caminhadas infindas
do porte atlético e ereto
enquanto caminho
menos é mais
aperto chacoalho sucumbo
até só sobrar
o que não soçobrou
busco a essência dos sistemas
tiro as porqueiras das emboscadas
passo acima de zilhões de formigas
congestionamentos túneis avenidas
assembleias passeatas estádios
verdadeiro sistema viário
todas ao trabalho
um formigário ativo
e formigável
pulo sem machucá-las
sigo
crio novas pontes
e na terra à vista
abro picadas pelas pistas
dou linha à pipa
dou de bico
caio nas armadilhas
sem ter medo dos perigos
dessas trilhas
sou também uma formiga
um bonde da existência
nos trilhos dos descaminhos
salto e sigo
descalço dos meus encalços
pisando com meu cajado
na estrada rumo a riba
as expressas, os estribos
pelas trilhas gramas terras
que beiram a BR-criptica
sonhos senhas
sedes credos
scripts santos ao sol
flores filtros
afloram o céu
cada passo um destino
cada ritmo uma rotina
caminhada é teimosia
mas sim, sigo rumo ao fim
mesmo pisando desvios
sinto o som da sinfonia
buzinas arranques freios
sanfonas em surdinas
motores desafinados
entre gritos e silêncios
Parceiro
o homem é o homem
seu cajado e seus sapatos
o homem não é só
seu par de tênis:
é anthenas de athenas apenas
faço alongamentos
estico pensamentos
espalho-os ao vento
refazendo musculaturas
como pipas de idéias
como rabiólas poéticas
sigo alquimista
construindo amálgamas
profecias e sátiras
sobre o absolutamente Nada
cada batida no chão
uma nova reflexão
todo rabisco é um risco
manipulo o meu cajado
e ele me faz seu escravo
somos bússolas
pra todos os lados
rodopio-o na mão e dou impulso
girando-o sobre meu próprio vulto
fazendo-o minha santa lança
na peleja contra o inimigo oculto
seguimos como um par
na rotina da nossa dança
(pra que inimigos
se ouço o canto das cigarras
o perequear dos sapos
o tiritilar dos periquitos
o água-rola dos rios sorrindo?)
e sigo
a trilha dos que estão vivos
secretos signos terrestres
nos dormentes dos terrenos
quem não guerreia
não semeia a paz
Libertário
enquanto as pernas pensam
a cabeça voa
os músculos se esticam
caminhar é pisar chão
sem pisá-lo de antemão
meu cajado calejado
por mãos tão delicadas
é tinta de apoio à frases
de faces descarimbadas
esticar as pernas
é acordar espermas
e isso me desespera
despertai libertinos
junto a mim moram os livros
vizinhos livres tão vivos
meu cajado é libertário
temos quase a mesma altura
caminhamos em paralelo
olhando o mundo às avessas
ele à frente, eu mais atrás
a gente quase não se encontra
seguimos a passos avulsos
plugados à lei do impulso
cobertor é muito curto
tento até levar um papo
nem te ligo é surdo é mudo
falo dos conflitos étnicos
xiiitas semitas e curdos
ele nem se desconjura
tento a alta das taxas de juros
o danado dá de lado
é zen é revigorado
não joga na bolsa, em nada
come arroz integral
e só toma decisões
pra pecados ou pra afins
após consultar o i ching
manipulo o meu cajado
como samurai a sua espada
rasgando o silêncio do vento
ou será o meu cajado
que distancia minha mente?
Naturezo
quanto mais leve o fardo
mais farta é a levitação
a cada passo
um descongelamento
de um futuro avivamento
o bom da morte
é a inacessível condição
de cerimônia de passagem
deixa tudo em suspensão
no mergulho fascinante
compromissos amores certezas
e as contas a pagar
tal qual porto
ou parto
o céu azulindo
faz sorrisos colorrindo
a terra molhada
cheira a vermelho
o cio da terra é centelha
alegra os formigueiros
o clima de deserto me seca
o grão da areia onde pesco
o canto encontra a cachoeira
onde me afresco
é seca
falta H2O sobra pó
ar puro de eucaliptos
aroma de ritmos
Zumbições
toda estrada tem murmúrios
sinfonias pneumáticas
rugidos rumores
freadas arrancadas
solos de motores
um coro de buzinadas
uma jamanta arisca
atropelou meu coração
foi uma amor contramão
amor à primeira pista
pista de pouso
pista de dança
pista de prova
pista do crime
pista do meio
são tantas pistas na estrada
que também perdi meu freio
é triste da gente ver
uma carreta enguiçada
na beira da rodovia
tal qual cobra matada
a pau a pedra a má sorte
a cabeça ali exposta
vitória da dona morte
galhos secos cercam em volta
dão o tom do funeral
Parafrutos
ao caminhar
aumento minha coleção de parafusos
enferrujados expulsos dos caminhões
rolam sempre pra contra-mão
acho-os e cato-os
para voltar a enterrá-los
em covas de árvores profundas
são excelentes nutrientes
nada mais sem razão
que parafusos sem porcas
pra desparafusar as portas
desparafrizar as frases
desparafiar as voltas
desparafrutar os frutos
parafusos dão as costas
a toda rosca quié esnobe
olho o visual do pasto
pulsares de verdes me avivam os olhos
cabeleiras de mato alto
dançam verdiabruras ao vento
é a percussão da natureza
verde como o tempo
Péspedra
diabitos experimentais
empurram-me para fogueiras existenciais
pisco em brasas
queimo consciências
algo arde na farda
da minha carne anêmica
é a chegada?...
qual nada!!!
um mar de borboletas me nuveia
o chuá do rio tem o som de valsa
o grilo lá no mato faz sua ronda
uma buzina lambe meu celular
sonhos são ventos que não param
e se a nuvem secasse sem chover?
e se a luz me cegasse por você?
assim na manhã de um anoitecer
uma simples maçã a amadurecer
toda caminhada ensina
a ter a física disciplina
até que o sangue afine
procuro o ar
o ar não há
no estica e puxa
teso os músculos
o suor pinga
é longa a marcha
que leva à China
top não é stop
do topo do morro ao pé da serra
sigo passarinho entre os pingos da chuva
olho o mundo
com a sola dos meus pés de terra
e sangro:
sou discípulo da pedra
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