Entendo que restaurar é devolver unidade. O objeto deve necessariamente ser uno; deve promover ao expectador uma leitura coerente com aquilo que foi pensado, projetado e construído em determinada época. Nesse sentido, o trabalho de Niemeyer, Burle Marx, Athos Bulcão e Alfredo Volpi deveriam ser minuciosamente estudados, e após levantamento histórico, deveriam, dentro do possível, serem recuperados integralmente. A linguagem modernista e seus signos deveriam estar presentes não só na arquitetura e no paisagismo/urbanismo de seu entorno imediato, como tanbém nos bens móveis e integrados à arquitetura.
O trabalho de levantamento histórico foi realizado no arquivo público do DF e também nas informações disponíveis no arquivo da Superintendência do Iphan no DF. Foram consultados diversos periódicos, fotografias e textos avulsos. Foram ainda feitas diversas entrevistas. Toda a pesquisa me levou a definir quais seriam os pontos, que tratados nesse restauro, me levariam àquela leitura coerente que já me referi.
São eles:
1. Recuperação do projeto paisagístico de Roberto Burle Marx;
2. Restauro da escadaria que dá acesso à Igrejinha;
3. Restauro do piso externo, buscando a paginação original definida pelo Burle;
4. Restauro dos bancos projetados por Burle;
5. Restauro dos azulejos – substituição de algumas peças que haviam sido inseridas na década de 90 e que possuíam uma coloração muito escura; inserção de novos azulejos, na área atingida pelo incêndio, feitos pelo mesmo ceramista azulejeiro que sempre trabalhou com o Athos, porém, buscando variação de cor em três tipos para evitar blocos de azulejos monocromáticos;
6. Restauro do piso interno; (polimento e retirada da cera esverdeada)
7. Impermeabilização da laje;
8. Pintura externa e interna,
9. Restauro dos bancos genuflexórios (madeira, ferragens e substituição do revestimento) e redesenho e confecção a partir de
fotografia, do tocheiro de 17 braços desenhado pelo Athos para compor a cena frontal direita ao altar - redesenho e confecção do altar desenhado por Athos e que hoje não mais é encontrado lá.
10. Readequação dos objetos litúrgicos em espaço coerente com o desenho da igreja e de acordo com as normas litúrgicas definidas pelo Vaticano.
11. Novo sistema de som, iluminação externa e interna – estudos realizados pela mesma equipe que definiu a iluminação do Coliseu em Roma – Schréder.
12. Prospecção e manutenção de imagens resgatadas nas paredes internas;
13. Restauro dos painéis de Alfredo Volpi.
Este último, sem dúvida, o ponto mais delicado do projeto de restauro. Na década de 90 foram realizadas prospecções integrais nas três paredes que conformam o interior da Igreja. Infelizmente, a movimentação de algumas senhoras e do pároco à época – 1962, não deixou sobrar muita coisa do painel de Volpi. O reboco foi raspado e lixado. Existem fotografias com as paredes prospectadas e lá dá para perceber, sem dúvida, que sobraram apenas, ínfimos resquícios de policromia disformes, que impedem, com a tecnologia atual, a recuperação dos painéis. Cheguei a pensar em reproduzir as imagens do único registro fotográfico existente – Revista Módulo – do esboço de Volpi, porém, sabia que nunca conseguiria fazer com que alguém conseguisse o ritmo das pinceladas do artista e na falta de registro, nunca teria certeza de todas as cores utilizadas por ele. Todas as fotos existentes são em preto e branco. Entendi que deveria parar onde começava a hipótese. Por essa razão, defini que o que deveria ser restaurado no espaço relacionado ao painel idealizado por Volpi seria a ambiência que ele produzia na igreja. Restauraria a intenção do artista. Ele tinha que ser respeitado tanto quanto todos os outros criadores daquele espaço. Ora, em local tão pequeno como a igreja, um mestre da cor como Volpi não erraria! Três paredes revestidas intencionalmente de azul cobalto produziriam introspecção; a nave ficaria ainda menor visualmente, seria promovido o encontro do fiel com Deus, não existiria nada além desse contato. Foi esta intenção, esta ambiência que fez com que eu entrasse em contato com o Galeno para questioná-lo se aceitaria trabalhar conosco. Minha escolha pelo artista foi embasada naquilo que já conhecia de sua obra, e porque Galeno possui técnica, cromatismo e elementos de construção gráficopictórica semelhantes aos de Volpi. Eu poderia ter um "quase" Volpi ou poderia ter novamente agregado àquelas paredes, arte de primeira linha. A escolha foi óbvia!
Foram realizadas durante um ano reuniões com representantes da comunidade (Frei Odoli e diversos membros da paróquia). Esboços do Galeno foram apresentados, criticados e construídos em grupo. Conversei com vários amigos artistas plásticos e críticos de arte, inclusive ligados ao Volpi; Tive a certeza da escolha do artista quando li manifestação de Olívio Tavares de Araújo, curador da obra de Alfredo Volpi, que "via na obra de Galeno, nada mais nada menos, que o próprio Volpi." Portanto, baseado nessa certeza, direcionei o trabalho de Galeno. Alguns pontos foram apresentados ao artista, que concordou plenamente com a minha posição e com as necessidades apresentadas:
1. Necessariamente o fundo dos três painéis deveria ser azul cobalto, o mesmo utilizado por Volpi na Igrejinha e no Painel do Itamaraty, painel que também faz parte de sua fase sacra; Ladi Biezus me disse que Volpi havia comprado grande quantidade de pigmento no tom azul cobalto.Utilizou diversas vezes esse tom em sua fase sacra.
2. Que o painel frontal deveria conter, de maneira centralizada, uma Nossa Senhora de Fátima ladeada por dois elementos que reforçassem essa centralidade como em um oratório; Construção do Volpi para aquele painel.
3. Que nos dois outros painéis houvessem elementos distribuídos de maneira linear e/ou aleatória, relacionados à história da aparição de Fátima e que ocupassem visualmente a extensão total de cada painel.
É isso! Espero ter ajudado a esclarecer a motivação das escolhas para esse restauro/intervenção.
Um comentário:
Acho perfeitamente possível refazer os paineis de Volpi a partir das antigas fotos que restaram.
Na Europa fazem isso, vejam a sala de âmbar do palácio de Catarina em Pushkin em São Petesburgo que
foi totalmente refeita a partir de poucas fotos tiradas nos anos 20. Detalhe é que essa sala é muito mais antiga e
refaze-la uma tarefa muito mais complexa.
Galeno é muito bom mas pintar uma imagem de adoração com pipa e carretel nas mãos não foi uma idéia feliz. além do mais, suas cores estão mais para um "FAUVE" do que para um Volpi.
Abraço!
Pedro
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