O poeta Eucanaã Ferras publica na revista Errática uma apresentação para o POEMÚSICA
Uma trilha imprevisível
Cid Campos
A poesia concreta sempre fez a minha cabeça. Desde muito pequeno, em casa, ouvia aquelas leituras estranhas, com uma musicalidade diferente, com a qual, de alguma forma, eu me identificava. Já adolescente, quando comecei a tocar violão e baixo, pude compreender melhor o que acontecia ao meu redor. Fiz, então, incursões musicais sobre alguns poemas, como "Flor da boca", de Augusto de Campos. Mas, até então, a minha referência de musicalizações de poesia concreta vinha dos vanguardistas Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira e outros, o que me deixava um tanto acanhado por estar fazendo composições no violão e de maneira pop. Depois que Caetano Veloso gravou "dias dias dias" e "O pulsar", fui me animando a explorar um universo mais amplo de possibilidades. O trabalho musical que fiz com "cidadecitycité", no qual a voz do poeta é multiplicada e transformada em sons e ruídos, foi um marco para mim. Ao longo do tempo, alimentado por uma natural empatia, esse encontro poéticomusical se materializou em projetos de cds e shows, como Poesia é risco, Ouvindo Oswald, No lago do olho, Fala da palavra e mesmo o mais recente Crianças crionças, em que há várias músicas sobre traduções de Augusto dos poetas ingleses Lewis Carroll e Edward Lear — algumas delas também gravadas por Adriana Calcanhotto. Assim sigo, curioso, motivado e instigado a continuar nessa trilha imprevisível da poesia concreta e das traduçõesarte. E vai ser muito bacana estar, ao lado de Augusto, parceiro de sempre, e de Adriana, companheira de muitos projetos desde os anos 1990, nesse Poemúsica, que Augusto define (ou indefine?) como "uma apresentação intermidiática meio inclassificável — fala-show, show-fala ou showversa entreouvista".
www.cidcampos.com.br
Conversa em linha reta
Eucanaã Ferraz — Como foram seus primeiros contatos com a poesia de Augusto de Campos?
Adriana Calcanhotto — Foram na minha adolescência, quando me interessei pelos modernistas de 1922. Na época, Augusto estava lançando Pagu, e entrei em contato com a poesia dele através desse livro. Estava querendo ler tudo o que encontrasse sobre Oswald de Andrade e sua turma e aí descobri não só Oswald como Augusto.
EF — Quando você começou a incorporar ao seu repertório os poemas escritos, traduzidos ou "descobertos" por ele?
AC — Nunca musiquei um poema do Augusto, embora tenha cantado traduções e coisas dele (como "Jaguadarte" e "O pulsar") desde meus primeiros shows em Porto Alegre, mas a primeira coisa que gravei acho que foi "O verme e a estrela", poema de Pedro Kilkerry musicado por Cid, em 1994. Na faixa, Augusto lê uma das estrofes.
EF — Seu interesse pela poesia de Augusto teria a ver com um interesse seu, mais amplo, pelos ideais das artes chamadas de vanguarda?
AC — Em uma primeira instância, sim. Toda a radicalidade do compromisso com a invenção e o alargamento da linguagem seria suficiente para me fazer naturalmente adorá-lo. Mas a voz de poeta, o lirismo ácido, o humor profundo, na verdade "o que" ele diz acima de "como" ele o faz me comove cada dia mais. Ele poderia ter passado a vida escrevendo somente em alexandrinos e eu teria tido impactos igualmente terríveis com seus versos (ou não versos, pra mim não importa tanto assim).
EF — Em que o seu trabalho como compositora se alimenta de poéticas essencialmente literárias, como a de Augusto?
AC — Nos ideais de concisão e clareza, no desejo de que meus textos façam algum sentido que não só som, no domínio das formas, no manejo de substantivos mais do que de adjetivos, a lista não é assim tão pequena, acabo de me dar conta...
EF — E suas parcerias com Cid? Quais são e como acontece o trabalho entre vocês dois?
AC — Não temos uma parceria editada, uma canção nossa, mas somos parceiros num sentido talvez mais amplo do termo. Usamos nossas canções em trabalhos conjuntos, gravamos um no disco do outro, mostramo-nos nossas coisas, trocamos palpites, dialogamos musicalmente. É engraçado que não tenhamos ainda escrito canções, vai saber por quê. Temos aquele tipo de relação tanto afetiva quanto de trabalho muito fluida e direta que faz com que quando nos encontremos pareça que nunca estivemos separados, partimos sempre do presente.
EF — Que pontos de contato e de diferença você observa entre Cid e Augusto, no trabalho e fora dele?
AC — Cid é incrivelmente natural com a música, a música é parte dele, ele simplesmente toca e compõe. Augusto é mais cerimonioso em relação a isso, embora tenha um ouvido sensibilíssimo e seja muito afinado. Ambos têm a mesma paixão pela tecnologia e vivem descobrindo novas ferramentas, softwares e possibilidades. São muito parecidos, têm o mesmo humor, calma e generosidade.
EF — Augusto tem um grande entusiasmo por música erudita, ou clássica, de vanguarda, enfim, por experiências musicais que se realizam praticamente como pesquisas puras. Você tem esse mesmo interesse? E o Cid?
AC — Temos os três esse mesmo interesse e, vez ou outra, sem nos falarmos, estamos ouvindo a mesma coisa. Aprendo muito com Augusto sobre o contexto em que certas pesquisas sonoras se dão e isso às vezes pode modificar todo o meu entendimento daquela proposta. Sou muito atraída pelo risco e em geral adoro os trabalhos que não conhecem previamente seus resultados.
EF — Vocês três já se apresentaram juntos. Mas até que ponto essa apresentação no ims é diferente?
AC — Já nos apresentamos juntos algumas vezes e cada uma delas foi diferente, às vezes com mais ou menos músicos da banda do Cid, com mais ou menos possibilidades de projeção de imagens, dependendo dos lugares. A apresentação no ims é algo com o que andávamos sonhando há algum tempo. Queríamos muito fazer o Rio de Janeiro e, quando você ligou, não acreditei, o ims é o lugar perfeito para nós.
EF — Você pode ser considerada uma intérprete-compositoraleitora, assim mesmo, como uma unidade?
AC — Nossa, eu adoraria.
poemúsica
30 de março | terça-feira | 20h
entrada franca
realização: INSTITUTO MOREIRA SALLES
Cid Campos
A poesia concreta sempre fez a minha cabeça. Desde muito pequeno, em casa, ouvia aquelas leituras estranhas, com uma musicalidade diferente, com a qual, de alguma forma, eu me identificava. Já adolescente, quando comecei a tocar violão e baixo, pude compreender melhor o que acontecia ao meu redor. Fiz, então, incursões musicais sobre alguns poemas, como "Flor da boca", de Augusto de Campos. Mas, até então, a minha referência de musicalizações de poesia concreta vinha dos vanguardistas Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira e outros, o que me deixava um tanto acanhado por estar fazendo composições no violão e de maneira pop. Depois que Caetano Veloso gravou "dias dias dias" e "O pulsar", fui me animando a explorar um universo mais amplo de possibilidades. O trabalho musical que fiz com "cidadecitycité", no qual a voz do poeta é multiplicada e transformada em sons e ruídos, foi um marco para mim. Ao longo do tempo, alimentado por uma natural empatia, esse encontro poéticomusical se materializou em projetos de cds e shows, como Poesia é risco, Ouvindo Oswald, No lago do olho, Fala da palavra e mesmo o mais recente Crianças crionças, em que há várias músicas sobre traduções de Augusto dos poetas ingleses Lewis Carroll e Edward Lear — algumas delas também gravadas por Adriana Calcanhotto. Assim sigo, curioso, motivado e instigado a continuar nessa trilha imprevisível da poesia concreta e das traduçõesarte. E vai ser muito bacana estar, ao lado de Augusto, parceiro de sempre, e de Adriana, companheira de muitos projetos desde os anos 1990, nesse Poemúsica, que Augusto define (ou indefine?) como "uma apresentação intermidiática meio inclassificável — fala-show, show-fala ou showversa entreouvista".
www.cidcampos.com.br
Conversa em linha reta
Eucanaã Ferraz — Como foram seus primeiros contatos com a poesia de Augusto de Campos?
Adriana Calcanhotto — Foram na minha adolescência, quando me interessei pelos modernistas de 1922. Na época, Augusto estava lançando Pagu, e entrei em contato com a poesia dele através desse livro. Estava querendo ler tudo o que encontrasse sobre Oswald de Andrade e sua turma e aí descobri não só Oswald como Augusto.
EF — Quando você começou a incorporar ao seu repertório os poemas escritos, traduzidos ou "descobertos" por ele?
AC — Nunca musiquei um poema do Augusto, embora tenha cantado traduções e coisas dele (como "Jaguadarte" e "O pulsar") desde meus primeiros shows em Porto Alegre, mas a primeira coisa que gravei acho que foi "O verme e a estrela", poema de Pedro Kilkerry musicado por Cid, em 1994. Na faixa, Augusto lê uma das estrofes.
EF — Seu interesse pela poesia de Augusto teria a ver com um interesse seu, mais amplo, pelos ideais das artes chamadas de vanguarda?
AC — Em uma primeira instância, sim. Toda a radicalidade do compromisso com a invenção e o alargamento da linguagem seria suficiente para me fazer naturalmente adorá-lo. Mas a voz de poeta, o lirismo ácido, o humor profundo, na verdade "o que" ele diz acima de "como" ele o faz me comove cada dia mais. Ele poderia ter passado a vida escrevendo somente em alexandrinos e eu teria tido impactos igualmente terríveis com seus versos (ou não versos, pra mim não importa tanto assim).
EF — Em que o seu trabalho como compositora se alimenta de poéticas essencialmente literárias, como a de Augusto?
AC — Nos ideais de concisão e clareza, no desejo de que meus textos façam algum sentido que não só som, no domínio das formas, no manejo de substantivos mais do que de adjetivos, a lista não é assim tão pequena, acabo de me dar conta...
EF — E suas parcerias com Cid? Quais são e como acontece o trabalho entre vocês dois?
AC — Não temos uma parceria editada, uma canção nossa, mas somos parceiros num sentido talvez mais amplo do termo. Usamos nossas canções em trabalhos conjuntos, gravamos um no disco do outro, mostramo-nos nossas coisas, trocamos palpites, dialogamos musicalmente. É engraçado que não tenhamos ainda escrito canções, vai saber por quê. Temos aquele tipo de relação tanto afetiva quanto de trabalho muito fluida e direta que faz com que quando nos encontremos pareça que nunca estivemos separados, partimos sempre do presente.
EF — Que pontos de contato e de diferença você observa entre Cid e Augusto, no trabalho e fora dele?
AC — Cid é incrivelmente natural com a música, a música é parte dele, ele simplesmente toca e compõe. Augusto é mais cerimonioso em relação a isso, embora tenha um ouvido sensibilíssimo e seja muito afinado. Ambos têm a mesma paixão pela tecnologia e vivem descobrindo novas ferramentas, softwares e possibilidades. São muito parecidos, têm o mesmo humor, calma e generosidade.
EF — Augusto tem um grande entusiasmo por música erudita, ou clássica, de vanguarda, enfim, por experiências musicais que se realizam praticamente como pesquisas puras. Você tem esse mesmo interesse? E o Cid?
AC — Temos os três esse mesmo interesse e, vez ou outra, sem nos falarmos, estamos ouvindo a mesma coisa. Aprendo muito com Augusto sobre o contexto em que certas pesquisas sonoras se dão e isso às vezes pode modificar todo o meu entendimento daquela proposta. Sou muito atraída pelo risco e em geral adoro os trabalhos que não conhecem previamente seus resultados.
EF — Vocês três já se apresentaram juntos. Mas até que ponto essa apresentação no ims é diferente?
AC — Já nos apresentamos juntos algumas vezes e cada uma delas foi diferente, às vezes com mais ou menos músicos da banda do Cid, com mais ou menos possibilidades de projeção de imagens, dependendo dos lugares. A apresentação no ims é algo com o que andávamos sonhando há algum tempo. Queríamos muito fazer o Rio de Janeiro e, quando você ligou, não acreditei, o ims é o lugar perfeito para nós.
EF — Você pode ser considerada uma intérprete-compositoraleitora, assim mesmo, como uma unidade?
AC — Nossa, eu adoraria.
poemúsica
30 de março | terça-feira | 20h
entrada franca
realização: INSTITUTO MOREIRA SALLES
Um comentário:
Grato pelo post! Essencial! Abs. interamericano.
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