quarta-feira, 3 de março de 2010

MINDLIN FALA DA SUA ADMIRAÇÃO POR GUIMARÃES ROSA

MAIS UMA PERGUNTA DA HISTÓRICA ENTREVISTA À REVISTA BRIC-A-BRAC COM JOSÉ MINDLIN EM 1987
 
A sua paixão pelos livros abriu-lhe o caminho do convívio com inúmeros autores. (...) Sabe-se que o Senhor foi um admirador tardio de Guimarães Rosa. Por quê?

 

(...) Quanto à admiração tardia de Guimarães Rosa, aconteceu mesmo, como contei a vocês, mas foi meio malandragem incluí-la na pergunta. Em todo caso, vá lá. Conheci Guimarães Rosa em Paris, em 1946, por apresentação de Luiz Camilo de Oliveira Neto – outro mineiro que foi grande intelectual e um dos maiores amigos que tive na vida. O Rosa participando da Conferência da Paz, e eu comprando livros para a Livraria Parthenon, que eu tinha fundado com um amigo colecionador – Claude Blum. Aliás, esse episódio da livraria é interessante, mas voltemos ao Rosa. Fizemos boa camaradagem, e durante um mês corríamos juntos as livrarias de Paris, conversando durante as andanças sobre um mundo de coisas, mas nada, que eu me lembre, de muito sério. Ficamos bons camaradas, como disse, mas ele não me impressionou muito, embora fosse sem dúvida inteligente, e tivesse bom sendo de humor. Nunca me deu a idéia de que fosse escritor. Ao mesmo tempo, tinha uma preocupação com roupa e aparência, uma indefectível gravatinha borboleta que me dava uma sensação de futilidade e de vaidade. É verdade que Oscar Wilde dizia que quem não se preocupa com a aparência não pode ser levado a sério, mas creio que o Rosa exagerava. Em resumo, um sujeito simpático, com afinidades culturais, ma não dessas pessoas que provocam de saída admiração e entusiasmo. Foi, pois, com o maior ceticismo que tomei conhecimento, ao voltar ao Brasil, da publicação de Sagarana. Não me despertou maior interesse, surpreendeu-me ficar sabendo que o Rosa era também escritor, mas ficou nisso. Não achei que fosse o caso de ler o livro. Passaram-se dez anos sem eu pensar no assunto, quando saiu Corpo de Baile, e logo depois Grande Sertão: Veredas. Aí a coisa começou a mudar de figura, pois lembrei de Sagarana, que foi reeditado na mesma ocasião, e achei que um intervalo de dez anos entre um livro e outro era indicação de um trabalho sério. E um velho amigo, Julio Tinton, deu-me o empurrão que faltava, dizendo-me que eu tinha de ler esses livros. Decidi, afinal, e foi dessas grandes surpresas e encantamentos que a vida sabe proporcionar. Li os três livros de uma arrancada, e nunca mais me separei de Guimarães Rosa. Para mim, Machado e ele ficaram sendo os nossos dois maiores escritores. A admiração foi tardia, é verdade, mas recuperei o tempo perdido.

 

 

 

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