O INFERNO
À Chico Mendes
O inferno começa ali
e termina ali também.
Inferno mortandade,
maleita, fome e patrão,
inferno de eterna dívida
que jamais acabará,
pois se acaso morre o pai,
o filho trabalhará.
Em lugar nenhum do mundo
carne seca, chita e facão,
valeram tanto dinheiro
e tamanha escravidão.
É bem verdade que o padre
alivia o sofrimento,
prometendo em troca disso
o céu, como pagamento.
Ele diz também que sofre,
mas sofre um pouco melhor.
Pois estando alimentado
e vivendo de ajuda,
não me faço de rogado,
vou também ser sofredor.
O duro é sofrer no mato,
sem pão, conforto ou remédio,
sofrer cortando seringa,
sendo sugado sem tédio,
sofrer sabendo que o filho
vai crescer analfabeto,
sofrer sabendo que o mesmo
está reservado ao neto,
sofrer dando o sangue à vista
pra dois grandes sugadores:
mosquito e seringalista.
Mas sofrer dentro de casa,
almoçando com o patrão,
sofrer tendo uma metade
de todo o poder na mão,
me desculpe, seu vigário,
mas ninguém sofre assim não.
Numa barraca de palha,
sem conforto ou alimento,
morrendo de trabalhar
sem receber pagamento,
a gente aprende, seu padre,
o que é o sofrimento.
Isso para não falar
nos jagunços do patrão,
sucuri, onça e enchente,
governo banco e fiscal,
que nos tiram secamente
o pouco que se ganhou
vivendo no seringal.
É toda a vida de luta,
de manhã até a noite.
E caso saia da linha,
não obedeça ao patrão,
tem em troca da labuta
vários dias de açoite.
Receber papel lacrado
na hora da votação,
pois sendo o voto secreto
como disse o coronel,
a gente não tem direito
de perguntar em quem vota.
Pois seria uma afronta
Para a Constituição.
Depois que o fulano ganha
é que a gente vai saber.
Também não adianta nada,
nada se vai receber.
De vez em quando o patrão
manda chamar a Maria
e faz uma preleção
sobre a tal democracia.
Pergunta se eu tenho andado
falando em socialismo
e diz em tom de ameaça
que isso é beira de abismo.
Depois que a Maria volta
quase sempre traz presente.
Não pra mim, mas pra Joana
Que é mulher do Vicente.
O patrão sempre foi bom
Com as esposas da gente.
Outro dia tomou conta
De um filho do Zé Pretinho.
Que por estranho milagre
nasceu loirinho, loirinho.
O doutor lá na cidade
nunca vai imaginar
o que é ser desgraçado,
viver só passando fome
e morrer de trabalhar
Mas o pior de tudo isso, doutor,
é que a gente não tem tempo
de assistir à Santa Missa,
como manda a religião.
E se morrer de repente,
vai pagar todos os pecados
pela vida divertida,
no calor do Fogo Eterno.
E começa o outro inferno!
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