ITAMARATY TRANSFORMA O "POETINHA" EM DIPLOMATA DO BRASIL
MATÉRIA DO CORREIO BRAZILIENSE
Viviane Vaz
Publicação: 16/08/2010 08:34
"Foi uma sacanagem a forma que me expulsaram do Itamaraty", desabafou o ex-diplomata Vinicius de Moraes, durante entrevista concedida em 1975.
Hoje, o chanceler Celso Amorim, em nome dos brasileiros, faz uma reparação e uma homenagem póstuma ao também poeta, músico e jornalista e celebra em Brasília a lei que eleva Vinicius à condição de "embaixador do Brasil". A cerimônia no Palácio do Itamaraty contará com a participação da filha do poeta Georgiana de Moraes, da neta Mariana, além da cantora Miúcha. "O primeiro (propósito) foi reverter a injustiça perpetrada pelo regime militar, que aposentou prematuramente o então Primeiro Secretário como parte do movimento de 'caça às bruxas' no serviço público", explica Amorim, na apresentação do livro Vinicius de Moraes, embaixador do Brasil.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5), promulgado pelo presidente e general Costa e Silva, exigia o desligamento do serviço público de "bêbados, boêmios e homossexuais". "Antes mesmo da edição do AI-5, Vinicius soubera, por meio de amigos no Itamaraty, que o presidente enviara a famosa nota ao então ministro Magalhães Pinto, vazada nos seguintes termos: 'Demita-se esse vagabundo'", conta a irmã do poeta, Laetitia de Moraes, por meio de carta endereçada ao jornalista Carlos Castello Branco.
Brincalhão, Vinicius teria dito: "Eu sou o bêbado!". O musicólogo Ricardo Cravo Albin, porém, afirma que Vinicius ficou magoado com o afastamento da carreira diplomática. Deprimido, grava somente uma composição em 1969, ano de sua exoneração. O poeta pensa em se exilar na Europa, onde já estavam vários amigos, entre eles Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. "Ele, contudo, decide resistir e fica no Brasil", garante Albin. Na canção Na tonga da mironga do kabuletê — gravada em 1970, em parceria com Toquinho —, Vinicius esconde um protesto solitário à censura, à repressão política e à aposentadoria do Itamaraty. "Confidenciaria à boca pequena, pelos bares do Rio, a expressão significava, em língua nagô, algo próximo a 'vão todos à m…'", conta Albin.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5), promulgado pelo presidente e general Costa e Silva, exigia o desligamento do serviço público de "bêbados, boêmios e homossexuais". "Antes mesmo da edição do AI-5, Vinicius soubera, por meio de amigos no Itamaraty, que o presidente enviara a famosa nota ao então ministro Magalhães Pinto, vazada nos seguintes termos: 'Demita-se esse vagabundo'", conta a irmã do poeta, Laetitia de Moraes, por meio de carta endereçada ao jornalista Carlos Castello Branco.
Brincalhão, Vinicius teria dito: "Eu sou o bêbado!". O musicólogo Ricardo Cravo Albin, porém, afirma que Vinicius ficou magoado com o afastamento da carreira diplomática. Deprimido, grava somente uma composição em 1969, ano de sua exoneração. O poeta pensa em se exilar na Europa, onde já estavam vários amigos, entre eles Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. "Ele, contudo, decide resistir e fica no Brasil", garante Albin. Na canção Na tonga da mironga do kabuletê — gravada em 1970, em parceria com Toquinho —, Vinicius esconde um protesto solitário à censura, à repressão política e à aposentadoria do Itamaraty. "Confidenciaria à boca pequena, pelos bares do Rio, a expressão significava, em língua nagô, algo próximo a 'vão todos à m…'", conta Albin.
Vinicius e Tom Jobim no Catetinho: reconhecimento internacional |
Dez anos depois, o ex-diplomata e poeta participa, a convite do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, de uma sessão de leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). À época, nenhum dos dois imaginava que, em 8 de setembro de 2006, o governo de Lula o reintegraria ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) e autorizaria a inauguração do espaço 'Vinicius de Moraes' no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Segundo um diplomata brasileiro, Lula teria admitido a seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia: "Queria ser esse cara!"
Clamor popular
Clamor popular
Se a reintegração de Vinicius ao MRE partiu do governo, a promoção veio de uma mobilização popular no Rio de Janeiro, conta o embaixador Jerônimo Moscardo, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e um dos participantes do movimento. O caminho para devolver Vinicius de Moraes à diplomacia brasileira não foi fácil. "Há muita gente que é quadradinho, certinho, picaretinha, administrativo e tem horror ao Vinicius, porque ele é o desvio fértil", destaca Moscardo.
"E, hoje, ele é o embaixador. Há embaixadores que passaram a vida fazendo pequenos memorandos e que reclamam: 'Mas o Vinicius não chegava na hora, não fez os memorandos que eu fiz, eu fiz tantos e ele não fez nenhum'", conta ao Correio o presidente da Funag. Para o diplomata, a maioria das pessoas, na verdade, invejam o poeta. "Ele poderia ter hipotecado sua vida no protocolo, no parecer… Mas ele teve a coragem de rasgar essas fantasias e dizer: 'Olha, eu vou é viver, eu vou é amar, a qualquer preço. Isso é uma coisa raríssima, ninguém tem coragem de fazer isso'", reconhece. A partir de agora, Vinicius de Moraes volta a ser como ele se definiu, durante uma apresentação na boate carioca Au Bon Gourmet, em 1962: "Eu, o capitão do mato, Vinicius de Moraes, poeta e diplomata".
BALADA DAS ARQUIVISTAS
Oh jovens anjos cativos
Que as asas vos machucais
Nos armários dos arquivos!
Delicadas funcionárias
Designadas por padrões
Prisioneiras honorárias
Da mais fria das prisões
É triste ver-vos, suaves
Entre monstros impassíveis
Trancadas a sete chaves:
Oh, puras e imarcescíveis!
Dizer que vós, bem-amadas
Conservai-vos impolutas
Mesmo fazendo a juntada
De processos e minutas!
(…)
Enfermeiras de ambições
Conheceis, mudas, a nu
O lixo das promoções
E das exonerações
A bem do serviço público.
(…)
Eu vos incito a lutardes
Contra o Prefixo que vence
Os anjos acorrentados
E ir passear pelas tardes
De braço com os namorados.
Vinicius dedica o poema à arquivista do Itamaraty
Regina Pederneiras, sua segunda mulher
Três perguntas para Jerônimo Moscardo
Embaixador e presidente da Funag
Como surgiu a ideia de promover Vinicius de Moraes?
Não foi algo que nascesse em gabinete, isso é interessante. Geralmente, é uma providência administrativa. Mas (esse ato) nasceu de uma paixão coletiva. De um amplo movimento, que envolveu até as figuras mais representativas da Academia Brasileira de Letras. Esse ato do presidente Lula nasceu da mobilização da comunidade e da ideia de que a comunidade sabe mais do que o governo. Nós temos até lista de assinaturas que foram tomadas… Então, tem todo um movimento que brotou e desabrochou agora nisso.
E qual foi a importância do Vinicius para a diplomacia brasileira?
Não existe embaixador mais competente que o Vinicius. Ele se transformou hoje na presença do Brasil no mundo. Foi o homem que inventou no Brasil a diplomacia cultural. Criou para o mundo o estilo de sedução brasileiro. O Vinicius, carioca, cantando seus amores, vivendo suas paixões. Essas canções do Vinicius invadiram o mundo. Hoje, Garota de Ipanema é uma das canções mais repetidas e cantadas no mundo e, com isto, ele celebra a mulher, a beleza feminina, o amor, a alegria diante da vida. O mundo precisa muito disso. É a projeção do Brasil como potência cultural no exterior. Serviço que ele continua prestando. Então, não há diplomata mais vivo hoje e que mais contribua para a diplomacia cultural do Brasil.
Os senhores esperam que saia um novo Vinicius da nova geração de diplomatas brasileiros?
O Brasil tem um problema muito grande, porque não temos heróis. É preciso criar um panteão brasileiro. E, ao promover o Vinicius, estamos promovendo esse panteão. Integrando o Vinicius a essas pessoas que deveriam se dedicar mais a viver. Passam a vida toda sem entrar em campo, porque não tiveram a coragem de amar. E, inclusive, criam falsos projetos de vida, imaginam que são estátuas de si mesmos, consideram-se importantes… O Vinicius dá uma grande lição de diplomacia. No passado, os diplomatas brasileiros queriam ser ingleses, falar inglês como os ingleses, francês como os franceses. É melhor ser brasileiro. E o diplomata está muito ligado ao protocolo, ao parecer e não ao ser. E o Vinicius teve coragem de amar.
Carreira influenciou obra
Vinicius de Moraes não entrou no Itamaraty pela "janela", por intermédio de amigos influentes. Contou, sim, com um empurrãozinho de peso: o amigo e chanceler Oswaldo Aranha o aconselhou a estudar e a prestar o concurso. Formado em letras e em direito, Vinicius — então poeta e crítico de cinema — ingressa na carreira diplomática, aprovado no exame de 1943. Ele havia tentado pela primeira vez um ano antes, quando foi reprovado. "Era um homem competentíssimo. Um homem da academia, da igreja, e que fez um trânsito para a boemia", elogia o embaixador Jerônimo Moscardo.
Ricardo Cravo Albin, musicólogo especialista em MPB, explica que a vida diplomática propiciaria ao poeta a paz necessária para elaborar sua obra. "E também para consolidar a repercussão internacional que sua poesia já esboçava. O Itamaraty, pois, foi uma escolha pragmática, e não apaixonada", completa, em artigo do livro Vinicius, o embaixador do Brasil.
O embaixador Affonso Arinos de Mello Franco recorda que, ao entrar no Itamaraty em 1952, foi designado para a Comissão de Organismo Internacionais e lhe apontaram uma mesa vazia, ao lado da de Vinicius. "Desde então, ficamos praticamente inseparáveis por todo o tempo em que servimos juntos na Secretaria de Estado — durante o dia, no Ministério, e à noite, na romaria incessante pelos bares de Copacabana."
O primeiro posto de Vinicius no exterior seria em Los Angeles, capital do cinema americano. Na Hollywood de 1946, ele reencontra o cineasta Orson Welles, que já tinha conhecido no Rio, e a amiga Carmem Miranda, cuja mansão frequentava. Com Orson, teve aulas particulares de cinema ao assistir à filmagem de A Dama de Xangai, estrelado por Rita Hayworth, mulher do cineasta.
De volta ao Rio, em entrevista à escritora Clarice Lispector, Vinicius confessa que amaria Marilyn Monroe. "Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e, certamente, não daria certo, porque é difícil amar uma mulher tão célebre", comenta o poeta e diplomata.
Vinicius serviu ainda na França e no Uruguai. Esteve em Paris por dois períodos — primeiro como segundo secretário da embaixada, em 1953, e, depois, como integrante da delegação brasileira junto à Unesco. Em 1962, Vinicius e Tom Jobim compõem a versão definitiva de Garota de Ipanema, inspirada na carioca Helô Pinheiro, que passava por eles em frente ao Bar Veloso. Entre 1957 e 1967, ele vive seu apogeu artístico.
O poeta, jornalista, dramaturgo, diplomata e compositor brasileiro morreu na banheira de sua casa, na Gávea, em 10 de julho de 1980. A pedido de Albin, Vinicius dias antes gravou uma mensagem para a posteridade: "E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar, assim é o canto que te quero cantar…" (VV)
Não existe embaixador mais competente que o Vinicius. Ele se transformou hoje na presença do Brasil no mundo. Foi o homem que inventou no Brasil a diplomacia cultural. Criou para o mundo o estilo de sedução brasileiro. O Vinicius, carioca, cantando seus amores, vivendo suas paixões. Essas canções do Vinicius invadiram o mundo. Hoje, Garota de Ipanema é uma das canções mais repetidas e cantadas no mundo e, com isto, ele celebra a mulher, a beleza feminina, o amor, a alegria diante da vida. O mundo precisa muito disso. É a projeção do Brasil como potência cultural no exterior. Serviço que ele continua prestando. Então, não há diplomata mais vivo hoje e que mais contribua para a diplomacia cultural do Brasil.
Os senhores esperam que saia um novo Vinicius da nova geração de diplomatas brasileiros?
O Brasil tem um problema muito grande, porque não temos heróis. É preciso criar um panteão brasileiro. E, ao promover o Vinicius, estamos promovendo esse panteão. Integrando o Vinicius a essas pessoas que deveriam se dedicar mais a viver. Passam a vida toda sem entrar em campo, porque não tiveram a coragem de amar. E, inclusive, criam falsos projetos de vida, imaginam que são estátuas de si mesmos, consideram-se importantes… O Vinicius dá uma grande lição de diplomacia. No passado, os diplomatas brasileiros queriam ser ingleses, falar inglês como os ingleses, francês como os franceses. É melhor ser brasileiro. E o diplomata está muito ligado ao protocolo, ao parecer e não ao ser. E o Vinicius teve coragem de amar.
Carreira influenciou obra
Vinicius de Moraes não entrou no Itamaraty pela "janela", por intermédio de amigos influentes. Contou, sim, com um empurrãozinho de peso: o amigo e chanceler Oswaldo Aranha o aconselhou a estudar e a prestar o concurso. Formado em letras e em direito, Vinicius — então poeta e crítico de cinema — ingressa na carreira diplomática, aprovado no exame de 1943. Ele havia tentado pela primeira vez um ano antes, quando foi reprovado. "Era um homem competentíssimo. Um homem da academia, da igreja, e que fez um trânsito para a boemia", elogia o embaixador Jerônimo Moscardo.
Ricardo Cravo Albin, musicólogo especialista em MPB, explica que a vida diplomática propiciaria ao poeta a paz necessária para elaborar sua obra. "E também para consolidar a repercussão internacional que sua poesia já esboçava. O Itamaraty, pois, foi uma escolha pragmática, e não apaixonada", completa, em artigo do livro Vinicius, o embaixador do Brasil.
O embaixador Affonso Arinos de Mello Franco recorda que, ao entrar no Itamaraty em 1952, foi designado para a Comissão de Organismo Internacionais e lhe apontaram uma mesa vazia, ao lado da de Vinicius. "Desde então, ficamos praticamente inseparáveis por todo o tempo em que servimos juntos na Secretaria de Estado — durante o dia, no Ministério, e à noite, na romaria incessante pelos bares de Copacabana."
O primeiro posto de Vinicius no exterior seria em Los Angeles, capital do cinema americano. Na Hollywood de 1946, ele reencontra o cineasta Orson Welles, que já tinha conhecido no Rio, e a amiga Carmem Miranda, cuja mansão frequentava. Com Orson, teve aulas particulares de cinema ao assistir à filmagem de A Dama de Xangai, estrelado por Rita Hayworth, mulher do cineasta.
De volta ao Rio, em entrevista à escritora Clarice Lispector, Vinicius confessa que amaria Marilyn Monroe. "Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e, certamente, não daria certo, porque é difícil amar uma mulher tão célebre", comenta o poeta e diplomata.
Vinicius serviu ainda na França e no Uruguai. Esteve em Paris por dois períodos — primeiro como segundo secretário da embaixada, em 1953, e, depois, como integrante da delegação brasileira junto à Unesco. Em 1962, Vinicius e Tom Jobim compõem a versão definitiva de Garota de Ipanema, inspirada na carioca Helô Pinheiro, que passava por eles em frente ao Bar Veloso. Entre 1957 e 1967, ele vive seu apogeu artístico.
O poeta, jornalista, dramaturgo, diplomata e compositor brasileiro morreu na banheira de sua casa, na Gávea, em 10 de julho de 1980. A pedido de Albin, Vinicius dias antes gravou uma mensagem para a posteridade: "E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar, assim é o canto que te quero cantar…" (VV)
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