quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O POETA ANDARILHO, UM INÉDITO DE LUIS TURIBA

"Caminhante não há caminho. Se faz caminho ao caminhar".

Assim o fiz e descobri que há poesia sim no caminho e ao caminhar você pode até fazer nascer um poema na sua mente-caderno errante.

O poeta japonês Matsuó Bashô (Senhor Bananeira, nascido em 1644) viajou, a pé, em sua vida errante, por todo o Japão agreste e agrário, atrás de luas, lagos, templos dentro de florestas, buscando o vagalume do haikai.

O poeta caminha em busca de seu verso, de sua iluminação. Também caminhei em busca da luz da saúde, do amor e da paz. Foi caminhando que curei literalmente meu caração recém-recuperado de uma cirurgia cardíaca.
Tive como companheiro das andanças um cajado e assim pude experimentar a construção de um semi-longo poema.  Resolvi dividí-lo em cinco partes e aqui decido publicar as duas primeiras partes deste inédito verso calejado pelas palavras dos caminhos.

Vá devagar que você chega lá: a lugar nenhum.

 

Turiba

 

 

O poeta andarilho e seu cajado alado

 

Luis Turiba

 

Sigo

 

passo a vida por um rio

         assim como a Portela na avenida

 

lavo-a enxáguo-a chuleio-a

 

levo-me leve em vôos sem lei

         meu fio terra é madeira de fibra

 

sou andarilho

 

portanto

         com (par) trilho

 

meus pés zeram a mente

 

piso o passo dos que passam

pé pós pé pós pé pós pé

até não mais prosperar

 

sigo a sina dos sem-cisma

tendo ao lado meu cajado

alado e desconfiado

um fariseu distraído

afável & aviolado

 

companheiro

dos meus pés cansados

das letras vivas dos passos

das pernas tortas do corpo

das caminhadas infindas

do porte atlético e ereto

 

enquanto caminho

menos é mais

aperto chacoalho sucumbo

até só sobrar

o que não soçobrou

 

busco a essência dos sistemas

tiro as porqueiras das emboscadas

passo acima de zilhões de formigas

congestionamentos túneis avenidas

assembléias passeatas estádios

 

verdadeiro sistema viário

         todas ao trabalho

um formigário ativo

e formigável

 

pulo sem machucá-las

sigo

         crio novas pontes

e na terra à vista

abro picadas pelas pistas

dou linha à pipa

         dou de bico

 

caio nas armadilhas

sem ter medo dos perigos

dessas trilhas

 

sou também uma formiga

um bonde da existência

nos trilhos dos descaminhos

 

salto e sigo

descalço dos meus encalços

pisando com meu cajado

na estrada rumo a riba

as expressas, os estribos

pelas trilhas gramas terras

que beiram a BR-criptica

 

sonhos senhas

sedes credos

scripts santos ao sol

flores filtros

afloram o céu

 

cada passo um destino

cada ritmo uma rotina

caminhada é teimosia

mas sim, sigo rumo ao fim

 

mesmo pisando desvios

sinto o som da sinfonia

buzinas arranques freios

sanfonas em surdinas

motores desafinados

entre gritos e silêncios

 

 

Parceiro

 

o homem é o homem

seu cajado e seus sapatos

 

o homem não é só

seu par de tênis:

é anthenas de athenas apenas

 

faço alongamentos

estico pensamentos

espalho-os ao vento

refazendo musculaturas

como pipas de idéias

como rabiólas poéticas

 

sigo alquimista

construindo amálgamas

profecias e sátiras

sobre o absolutamente Nada

 

cada batida no chão

uma nova reflexão

 

todo rabisco é um risco

manipulo o meu cajado

e ele me faz seu escravo

somos bússolas

pra todos os lados

 

rodopio-o na mão e dou impulso

girando-o sobre meu próprio vulto

fazendo-o minha santa lança

na peleja contra o inimigo oculto

 

seguimos como um par

na rotina da nossa dança

 

         (pra que inimigos

          se ouço o canto das cigarras

          o perequear dos sapos

          o tiritilar dos periquitos

          o água-rola dos rios sorrindo?)

 

e sigo

a trilha dos que estão vivos

 

secretos signos terrestres

nos dormentes dos terrenos

 

quem não guerreia

não semeia a paz

 

 

6 comentários:

Juvenal disse...

Bashô sabia que nos seres inanimados, na natureza, iria encontrar fórmulas de intensa piedade poética. E preferiu associar-se a tudo que era sensivel ou inanimado que passava ao seu ado para integrá-lo imediatamente à sua poesia.

Um doce ruído
interrompe meu sonho:
gotas de chuva sobre a folhagem
(Bashô)

Anônimo disse...

obrigado Juva, pelo carinho do hai-kai

noite escura
súbito clarão
noite mais escura

Meu bric-abraços

Anônimo disse...

Amigo, tentei postar um comentário no blog mas não consegui, acho q está com problemas...mas...

Obrigada!!! que belas imagens de um coração... “descalço dos meus encalços” é um verso impressionante.... só para citar um dos muitos que me encantou, desse poema.

Aliás seu texto-convite é -desde ele- um poema.

Beijos!
Sylvia e fã

Anônimo disse...

Valeu Turiba... voce aliazz... sempre levou um jeitao meio parecido com Don Bananera... Abrazzone zzzuca
-

Anônimo disse...

Valeu Turiba... voce aliazz... sempre levou um jeitao meio parecido com Don Bananera... Abrazzone zzzuca
-

Anônimo disse...

Turiba, que bom receber essas graças poéticas , li e vou lendo seus caminhos e ninhos.
abraço
paco