Cultura
Ana de Hollanda, Ministra da Cultura
João Bosco Rabello e Julio Maria, O Estado de S.Paulo
Em entrevista ao Estado, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, fala do conteúdo de sua conversa com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Gary Locke, durante a passagem de Obama pelo Brasil. "Eles estão preocupados com a flexibilização dos direitos autorais e de como isso pode levar a uma maior tolerância com a pirataria."
Ana respondeu ainda sobre questões referentes a reformas das leis do direito autoral e Rouanet. E deu sua opinião sobre o episódio Maria Bethânia, que teve autorização do MinC para arrecadar R$ 1,3 milhão que serão destinados à criação de um blog de poesia: "Fizeram uma tempestade em copo d"água".
A senhora até agora falou pouco e ouviu muito. Está sendo um começo difícil?
Qualquer anúncio de mudança gera insegurança. Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas. Aí começam a sair versões do que poderia estar certo ou errado. Eu nunca tive uma situação como temos agora, de sentar para responder.
Qual foi sua primeira impressão ao ler o projeto de lei do ex-ministro Juca Ferreira, que pede mudanças na atual lei dos direitos autorais?
Aquela proposta me assustou um pouco. O direito do autor está previsto na Constituição, é uma cláusula pétrea. Ele tem que ser respeitado. Comentava-se muito no meio cultural que as mudanças estavam deixando o autor em uma situação frágil em vários aspectos.
(...) Maria Bethânia teve a aprovação do Ministério da Cultura para captar via Lei Rouanet R$ 1,3 milhão para criar um blog de poesia. Qual a opinião da senhora sobre isso?
Isso foi uma tempestade em copo d"água. Projetos assim são aprovados mensalmente. A lei, que tem também modificação pedida no Congresso, prevê essa possibilidade. Não cabe a mim analisar ou interferir em uma questão que é julgada por uma comissão, que antes passa por pareceristas que analisam os preços e se o projeto é cultural ou não. E o mérito não é de qualidade, mas se é cultural ou não é cultural. Se os preços foram aprovados, está ok.
Ninguém contesta que o projeto de Bethânia seja legal, mas esse dinheiro não deveria ser garantido a artistas com menos recursos?
Olha, isso tudo está sendo revisto nessa reforma da lei que está no Congresso. Queremos favorecer mais o Fundo Nacional de Cultura, que poderá facilitar essa divisão melhor e que atenderia aos produtores que normalmente não atraem o patrocínio das empresas privadas. As empresas querem associar seus nomes a artistas consagrados, faz parte das leis de mercado.
E assim os departamentos de marketing acabam definindo a política cultural do País.
Sim, isso. A atual Lei Rouanet tem esse viés, que era necessário ser equilibrado. Chega a ser perigosa porque quase que exclusivamente se faz atividade cultural no País através da Lei Rouanet. Passou a ser imperiosa. Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. Qualquer evento que se faz começa a ficar um megaevento e a ter custos mais altos. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela.
A senhora, como cantora, tentou emplacar projetos pela Lei Rouanet?
Eu não. Bem, até vi em um jornal que houve um proponente de um projeto meu que não foi aprovado, também porque a Lei Rouanet tem uma série de trâmites complicados. Acho que isso foi no período em que eu estava com o projeto de um disco e aí depois consegui trabalhá-lo de outras formas. Foi um projeto para ser aprovado, era um disco meu, sim, que depois acabei fazendo.
(...) Como a senhora, uma artista de formação e berço, chega para fazer política em Brasília?
Eu tive várias etapas da minha vida em que já passei por algumas experiências como esta. Estive envolvida na política pública em São Paulo.
Sim, mas Brasília é diferente. A senhora não sente dificuldades no jogo político?
Olha, em Osasco era um microcosmo disso, eu sentia lá também a pressão da sociedade, dos artistas, do executivo querendo fazer uma coisa mega. Eu sei que vou incomodar, você não pode atender a gregos e troianos. Agora, o fato de ser mulher ou ter um jeito delicado no falar não quer dizer que eu seja fraca ou insegura. Não sou nem um pouco insegura.
A senhora divide assuntos com seu irmão, Chico Buarque?
Eu acho que tudo o que ele não quer é que eu fique falando dos problemas do ministério (risos).
O Chico não queria que a senhora aceitasse o convite para ministra, certo?
Ele ficou assustado não por ele. Aliás, não só ele. Somos sete irmãos, todos ficaram assustados porque sabiam que o jogo era violento. E confesso que é mais violento do que eu imaginava. Porque esses movimentos organizados agiram com uma agressividade muito grande. E estão agindo ainda.
A senhora tem amigos na cúpula da música brasileira. Como ministra, está disposta a comprar briga com eles?
Eu acho que eles não vão brigar comigo, não. Como amigos, eu não os perco.
Ana de Hollanda é cantora e compositora. Nascida em São Paulo, em 1948, estreou musicalmente em 1964, no palco do Teatro do Colégio Rio Branco, no show Primeira Audição, integrando o grupo vocal Chico Buarque e As Quatro Mais. Já lançou quatro discos.